Conarci 2024: Grande Arena reúne juristas para debater a Reforma do Código Civil

Florianópolis (SC) – A abertura do segundo dia do Conarci 2024, o maior evento do registro civil brasileiro, foi marcada pela Grande Arena, que teve como tema: “Os avanços e retrocessos do anteprojeto de Reforma do Código Civil sob a perspectiva do Registro Civil do Brasil”. O evento, realizado no Costão do Santinho, em Florianópolis, segue até o próximo sábado, promovendo debates relevantes sobre a atividade e sua conexão com o Direito Contemporâneo.

Moderado por Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Arpen-Brasil, o debate ofereceu uma análise profunda sobre os avanços e retrocessos da Reforma do Código Civil. Estiveram presentes a professora associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/SP, Rosa Maria de Andrade Nery; o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), desembargador José Renato Nalini; o desembargador emérito do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), Jones Figueiredo Alves; o consultor do Senado, Carlos Eduardo Elias de Oliveira; e o professor associado de Direito Civil da UFMG, Giordano Bruno Soares Roberto.

Fiscarelli, abriu os debates expressando o desejo de um diálogo mais profundo sobre as questões levantadas. Ele ressaltou que a Grande Arena, que estava lotada, seria um espaço para discutir essa alteração de 20 anos, que atinge mais de mil artigos e traz mais de duas mil mudanças. Destacou ainda que os registradores civis e os operadores do Direito são fundamentais para entender o que funciona na prática para a aplicação dessas normas.

“Estamos falando de uma grande reforma, absolutamente estrutural. E é isso que temos que debater, pois não entendemos toda a situação que se apresenta, onde fomos solapados nas considerações”, afirmou Fiscarelli, que questionou. “Será que estamos considerando, de fato, a valoração normativa? Será que considerar a jurisprudência como fonte de alteração não a torna suscetível a mudanças a qualquer momento, conforme a evolução das pessoas e do tempo?”.

A professora associada de Direito Civil da PUC/SP, Rosa Maria de Andrade Nery, fez questão de enviar suas considerações por mensagem de vídeo. “É uma sorte que possamos falar sobre a atualização do Código Civil e suas implicações no Registral Civil. É no Registro Civil que estão depositados os dados referentes à identidade da pessoa, à sua identidade individual, familiar e política”, disse. De acordo com a professora “a certidão de nascimento dá início a essa trajetória da vida pessoal de cada um, que tem marcos certos e precisões de identificação, estabelecendo a presença da pessoa no núcleo familiar, nos aspectos de sua individualidade e, marcantemente, nos aspectos de sua cidadania”. Segundo a professora “não é algo simples; é absolutamente fundamental na nossa sociedade a sequência dos atos registrados no Serviço de Registro Civil”.

“O Registro Civil no Brasil desempenha um dos papéis mais importantes relacionados à cidadania. Por isso, há tantas preocupações, detalhes e cuidados que o Direito Registral Civil e o Direito Processual Civil devem ter com essa matéria”, disse. Rosa Maria finalizou a mensagem deixando uma reflexão sobre avanços ou retrocessos no trabalho elaborado pela Comissão de Atualização do Código Civil em relação ao serviço de registro civil.

Já o desembargador emérito do TJ/PE, Jones Figueiredo Alves, explicou uma série de pontos sobre o papel e a importância dos registradores no contexto da Reforma do Código Civil e no fortalecimento da cidadania. “Agora, antes de perder esta plantação, eu gostaria de perguntar: essa estrutura pode concluir um marco temporal do registro? Se tivéssemos passagem, nós veríamos quando ao registrador conferido, revogando a lei de averiguação da paternidade, um aspecto precioso da paternidade, que conferi ao registrado”, questionou.

O professor associado de Direito Civil da UFMG e advogado especialista em Direito de Família, Giordano Bruno Soares Roberto, propôs uma reflexão sobre a necessidade da reforma, considerando a abrangência e a metodologia. E falou das motivações apontadas pelo senador Rodrigo Pacheco. “Precisamos de uma atualização, porque há novas relações sociais e novas tecnologias. O Código, com 20 anos, herdando o projeto da década de 70, não dá conta. Mas aí eu pergunto: quais novas relações não foram recepcionadas e acomodadas pela jurisprudência? E quanto às novas tecnologias, qual delas a técnica do Direito Civil não conseguiu absorver? Pensem na mais radical operação dos últimos anos: os contratos eletrônicos. Qual lei disciplinou os contratos eletrônicos? A legislação não abarcou isso. A tecnologia do direito civil não consegue dar conta”, frisou. Ele acrescentou que o projeto que está no Senado alteraria mais o direito civil do que o Código de 2002 alterou em 2016”.

O consultor do Senado, Carlos Eduardo Elias de Oliveira, discutiu as mudanças propostas no anteprojeto de reforma do Código Civil, destacando que cerca de 70% das alterações são, na verdade, a positivação de jurisprudências já existentes, ou seja, a incorporação de decisões judiciais ao texto legal. Ele criticou a complexidade do sistema judicial, onde juízes, muitas vezes sem conhecimento específico da matéria, podem tomar decisões equivocadas devido à falta de clareza na legislação.

Oliveira enfatizou que a reforma busca tornar o texto da lei mais claro e acessível, o que é fundamental para evitar erros judiciais. Ele também abordou a necessidade de reconhecer as mudanças sociais, como a evolução das estruturas familiares, e defendeu a importância de incluir direitos que garantam a proteção de indivíduos mais vulneráveis, especialmente no contexto de pensões e heranças. Ele enfatizou que o anteprojeto é uma oportunidade valiosa para modernizar e centralizar o Código Civil, refletindo a realidade contemporânea e aprimorando a justiça no registro civil.

“Quando você diz que mil artigos são alterados, eu ressalto que na verdade temos um grande museu de novidades. Porque não há novidades; 70% do anteprojeto é positivação. A verdade é que quando você analisa o anteprojeto, percebe que a maior parte do que está lá é positivação. Eu diria que 70% de lá é positivação da jurisprudência. E alguém dirá: mas para que positivar? A jurisprudência já consegue dar conta. Desculpe, mas a verdade é que somente mentes mais iluminadas e talentosas, que são os juristas que vivem dia a dia com o Direito Civil, conseguem saber o que é justiça nesse contexto”, explicou.

O ex-presidente do TJ/SP, desembargador José Renato Nalini, expressou sua preocupação com a proposta de reforma do Código Civil, enfatizando que o Código atual possui uma precisão terminológica que deve ser preservada. Ele criticou a falta de ética na sociedade e a apatia em relação a questões jurídicas, apontando que muitas vezes o que deveria ser uma construção cuidadosa acaba se tornando um texto confuso e superficial.

Nalini ressaltou a importância de ter juristas competentes e experientes participando das reformas e questionou se as modificações propostas não afastam a clareza e a sabedoria já consolidadas no sistema jurídico. Para ele, o objetivo deve ser manter a integridade da linguagem legal e a eficácia das normas, garantindo que a justiça e a ética prevaleçam. Em resumo, sua mensagem é um apelo por uma reforma que respeite o passado e promova a clareza e a justiça, sem se deixar levar por modismos ou pressões externas.

Após a fala de cada debatedor, Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Arpen-Brasil, abriu espaço para discussões sobre 12 temáticas incluídas no anteprojeto da reforma, entre elas: registro e averbamento em cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, alteração no divórcio — um dos atos mais solenes do Registro Civil — além do testamento.

Outras temáticas discutidas na sexta-feira pela manhã foram: casamento, que detalha e inclui desde a preparação do contrato pré-nupcial até a celebração oficial; a união estável, que pode ser formalizada e registrada como entidade familiar e pode ser convertida em casamento. Entre outros temas, destacaram-se o reconhecimento de filiação, que garante a irreversibilidade do ato, além de filiação socioafetiva, adoção e curatela antecipada, reforçando a importância de ajustar o Código Civil às novas realidades sociais e jurídicas.

Ao finalizar o evento que foi muito elogiado pelo formato inédito ao deixar o público próximo dos palestrantes, o presidente da Arpen/BR pediu ao representante da Comissão em Brasília que fosse porta-voz dos registradores, levando o sentimento de acolhida de todos e, principalmente, de maior ligação com os registradores e os operadores do Direito.

Organizado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), o 30º Conarci 2024 tem como tema “O Registro para além do Registro: A atuação do Registro Civil na concretização de direitos, fomento econômico e eficiência estatal” e termina neste sábado.

Fonte: Assessoria de Comunicação/Arpen-Brasil