Agravo de instrumento – Recolhimento de ISSQN – Serviços cartorários – Alíquota fixa

Número do processo: 1.0701.09.276262-7/001(1) Numeração Única: 2762627-47.2009.8.13.0701
Relator: CARREIRA MACHADO
Relator do Acórdão: CARREIRA MACHADO
Data do Julgamento: 02/02/2010
Data da Publicação: 10/03/2010
Inteiro Teor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECOLHIMENTO DE ISSQN – SERVIÇOS CARTORÁRIOS – ALÍQUOTA FIXA. O tabelião ou oficial de registro prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço tem direito ao regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a importância recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo o serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que administra. Recolhimento do imposto na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68.

AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL N° 1.0701.09.276262-7/001 – COMARCA DE UBERABA – AGRAVANTE(S): MUNICÍPIO UBERABA – AGRAVADO(A)(S): YVONNE SALLUM MACHADO E OUTRO(A)(S) – RELATOR: EXMO. SR. DES. CARREIRA MACHADO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador BRANDÃO TEIXEIRA , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL.

Belo Horizonte, 02 de fevereiro de 2010.

DES. CARREIRA MACHADO – Relator

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12/01/2010

2ª CÂMARA CÍVEL

ADIADO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

AGRAVO DE INSTRUMENTO CV Nº 1.0701.09.276262-7/001 – COMARCA DE UBERABA – AGRAVANTE(S): MUNICÍPIO UBERABA – AGRAVADO(A)(S): YVONNE SALLUM MACHADO – RELATOR: EXMO. SR. DES. CARREIRA MACHADO

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto pelo Município de Uberaba contra a decisão trasladada a ff. 236/238-TJ, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da comarca de Uberaba que, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária movida por Yvonne Sallum Machado e outros, deferiu o pedido, para declarar devido o pagamento de ISSQN dos autores na forma do regime especial de alíquota fixa.

Sustenta o agravante que os agravados são titulares ofícios de notas e de registros públicos na comarca de Uberaba; que o Município tem o dever de instituir, arrecadar, exigir, fiscalizar e notificar os contribuintes prestadores de serviços que não estão cumprindo com suas obrigações tributárias, ou seja, que não estejam pagando o imposto devido (ISSQN); que até a entrada em vigor da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, o Decreto-lei 406, de 31/12/68, foi o instrumento que estabeleceu as normas gerais de direito tributários relativas ao ISSQN; que o item 21.01 da lista de serviço anexa à lei complementar nº 116/03 prevê a incidência do imposto municipal sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notários; que comprovado que os municípios estão autorizados, por lei complementar, a instituir e a cobrar o ISSQN sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, importa destacar qual a base de cálculo que deverá ser adotada; que como o fato gerador, cabe à lei complementar, como norma geral de direito tributário, definir a base de cálculo para fins de incidência do ISSQN; que os agravados não exercem atividades de profissionais autônomos, pois estes se caracterizam pela independência do exercício profissional, sem qualquer subordinação; que as atividades cartorárias são rigorosamente dependentes das normas legais, sendo o titular do cartório um mero cumpridor de regras estabelecidas por lei e pela Justiça do Estado; que caso o Município não cumpra o disposto na Lei Complementar nº 101, corre o risco de ver bloqueado os repasses constitucionais voluntários.

Almeja o provimento do recurso, com a concessão do efeito suspensivo, para desconstituir a autorização do recolhimento do ISSQN sobre o regime especial da alíquota fixa e, com a conseqüente reforma da decisão agravada.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (ff. 274/276-TJ).

Há contraminuta (ff. 286/306-TJ).

Deixo de remeter os autos à Procuradoria Geral de Justiça, por entender ser desnecessária sua intervenção neste tipo de feito.

É, em síntese, o relatório.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento.

Observo que, com a entrada em vigor da Lei Complementar nº. 116/ 2003 foi adicionado à lista de serviços tributáveis pelo ISS – Imposto Sobre Serviços, diversos serviços, dentre eles os de registros públicos, "cartorários e notariais" – item 21-01 da referida lei, vejamos:

"Art. 1º. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

(…)

Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

(…)

21 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

21.01 – Serviços de registros públicos, cartorários e notariais. (…)".

Dessa forma, os prestadores de serviços notariais e de registro, quais sejam, os Tabeliães e Oficiais de Registro, estão no âmbito da nova LC 116/ 2003, sujeitos à cobrança de ISS.

Note-se que a mencionada Lei Complementar nº 116/2003 adota alíquota máxima de até 5%, estabelecendo como base de cálculo a receita bruta auferida em caso de pessoas jurídicas. No que tange às pessoas físicas que exercem trabalho pessoal a lei manteve alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, tendo em vista a vigência do Artigo 9º, § 1°, do Decreto-Lei 406/68.

O art. 9, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68 (ainda em vigor segundo o STJ) fala em "serviço pessoal" quando se refere ao regime de alíquotas específicas do ISS. Quer dizer, para ter direito ao tratamento tributário benéfico, deve o prestador imprimir aos serviços a suas características personalíssimas. Se outros profissionais interferem nessa pessoalidade, introduzindo novas habilidades no serviço, então não se poderá mais falar em serviço pessoal.

Nestes termos, importa verificar qual a natureza jurídica dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais previstos nas listas anexas às leis supra referidas, e se podem, portanto, estarem sujeitos à tributação pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

A Constituição da República de 1988 assim prevê:

"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses."

A Lei n.º 8.935/1994, que regulamenta o art. 236 da CR/88, por sua vez, dispõe:

"Art. 1º. Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

(…)

Art. 3º. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro."

Como se pode inferir dos artigos "supra", os notários e registradores são, portanto, particulares em colaboração com o poder público, porquanto prestadores de serviço público, em caráter privado, mediante delegação, e são remunerados por emolumentos, fixados – nos termos do § 2º do art. 236 da CR/88 – pela Lei Federal n.º 10.169/2000, que dispõe em seu art. 1º:

À colação, oportuno aresto:

"EMENTA: 1. TRIBUTÁRIA – DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO – ISSQN – SERVIÇOS CARTORÁRIOS (registrais e notariais) – INCIDÊNCIA – ISS incidente sobre serviços prestados por notário e oficial de registro – Serviços delegados exercidos em caráter privado. Serviço de natureza pública, mas cuja prestação é privada. Precedente do E. Supremo Tribunal Federal reconhecendo a constitucionalidade da exigência (ADI 3089/DF), julgada em 13/02/2008) – Base de cálculo do ISS – valor destinado ao oficial delegatário, excluídos os demais encargos, como, por exemplo, custas destinadas ao Estado e a órgão representativo. 2. O regime instituído pelo art. 9º do Decreto-lei nº 406/69 não foi revogado pelo art. 10, da lei Complementar nº 116/03. O tabelião ou oficial de registro prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal e em razão da natureza do serviço tem direito ao regime especial de recolhimento, alíquota fixa, e não em percentual sobre toda a importância recebida pelo Delegado a título de remuneração de todo o serviço prestado pelo Cartório Extrajudicial que administra. Recolhimento do imposto na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68. 3. Recurso da Municipalidade provido para declarar constitucional a incidência do ISS sobre os serviços notariais. Recurso oficial provido para determinar o recolhimento do ISS na forma do art. 9º, § 1º, do Decreto-lei 406/68. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente procedente." (TJ/SP – APELAÇÃO nº 6569345000, Fartura, 15ª Câmara de Direito Público, Rel. Desª. Daniella Carla Russo Greco de Lemos, j. 07.08.2008).

Conforme manifestei no despacho que neguei o efeito suspensivo, no que concerne as atividades notariais, a existência de auxiliares não afasta a pessoalidade do serviço (art. 3º da Lei nº 8.935/94), pois a responsabilidade é pessoal, o serviço é executado na pessoa (em nome) do tabelião (ou substituto).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo.

Custas pelo agravante, observado o disposto na Lei 14.939/03.

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

Sr. Presidente.

Peço vista dos autos.

SÚMULA: O RELATOR NEGAVA PROVIMENTO AO RECURSO. PEDIU VISTA O PRIMEIRO VOGAL.

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NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. PRESIDENTE (DES. CAETANO LEVI LOPES):

O julgamento deste feito foi adiado na Sessão do dia 12.01.2010, a pedido do Primeiro Vogal, após votar o Relator negando provimento.

Com a palavra o Des. Brandão Teixeira.

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

VOTO

O eminente Desembargador Relator negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo Município de Uberaba asseverando que o recolhimento de ISSQN dos serviços cartorários deveria ser feito na forma do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei nº 406/68, ou seja, no regime especial de alíquota fixa.

Peço vênia ao eminente Relator para divergir por entender, ao contrário de S. Exª. que a existência de auxiliares afasta a pessoalidade do serviço.

Trabalho pessoal do próprio contribuinte é aquele prestado por pessoa física e resultante da atividade intelectual do próprio autor. Referido trabalho possui a característica de ser personalizado e individual. Ora, os serviços notariais e de registro são padronizados, massificados, cujos instrumentos são delineados em lei e destinados a todos os usuários, de forma generalizada como observa ROBERTO ADOLFO TAUIL citado por ALEXANDRE GOMES NUNES:

"c) Característica de empresa

Tauil [03] ensina:

O trabalho pessoal expresso na lei tributária resulta de atividade intelectual do próprio autor, denotando certa criatividade em sua execução, o que infunde em seu trabalho características de sua própria personalidade.

Trata-se, portanto, de trabalho personalizado e individual, distinguindo-se totalmente do trabalho realizado de forma massificada, idêntica para todos os usuários, característica nitidamente empresária.

Os serviços notariais e de registro são padronizados, massificados, cujos instrumentos são delineados em lei e destinados a todos os usuários, de forma generalizada. Não há que se falar em serviços notariais e de registro de características próprias, praticadas pelo Notário ou Registrador.

Outro aspecto a diferenciar o trabalho pessoal é o fato dele poder ser exercido livremente, no momento que o desejar e de acordo com sua conveniência. Ou em outras palavras, pode o profissional autônomo aceitar ou recusar um serviço, pode fechar o seu escritório, tirar férias, ou participar de um congresso. O serviço pode parar a seu critério. As atividades consideradas empresariais, não. Há um ritmo de atuação que independe da vontade do profissional. Pode até este tirar férias ou viajar, mas o serviço continua sendo prestado.

Os cartórios se amoldam perfeitamente a situação delineada no parágrafo antecedente. Devem seguir um horário pré-estabelecido de funcionamento, conforme determina o art. 4º da Lei 8.935/94, não podendo o titular livremente decidir sobre a disponibilização do serviço:

Art. 4º Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo eficiente e adequado, em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos.

§ 1º O serviço de registro civil das pessoas naturais será prestado, também, nos sábados, domingos e feriados pelo sistema de plantão.

§ 2º O atendimento ao público será, no mínimo, de seis horas diárias

Outrossim, conforme lembrete de Tauil [04], no momento em que o profissional deixa de ser a referência, a atividade é empresarial. Nesse caso, a atividade vira referência e o profissional elemento da empresa:

MANDADO DE SEGURANÇA – IMPOSTO – SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISS – MUNICÍPIO DE CAMPINAS – Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Prestação de serviços. Laboratório de Análises Clínicas. Imeptração objetivando o seu enquadramento no item 1 da tabela anexa à Lei Municipal 8230/94 que reproduz o Dec. Lei 406/68. Insuficiência da prova da existência de relação direta de prestação de serviços entre os sócios da empresa e seus clientes, como profissionais liberais. Segurança denegada. (1º TACSP – AP 0844353-0 – (48897) – Campinas – 7ª C. – Rel. Juiz Ulisses do Valle Ramos – J. 20.05.2003) (sem grifo no original)

TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADES PROFISSIONAIS.

1. As sociedades profissionais de prestação de serviços contábeis não têm direito ao privilégio previsto no art. 9º, § 3º, do DL nº 406/68, quando não desenvolvem as suas atividades por meio de profissionais autônomos e de forma individualizada.

2. Se a sociedade presta serviços em seu nome, de modo generalizado, descaracterizando a maneira pessoal do trabalho do profissional, está obrigada ao pagamento do ISS.

3. Panorama processual revelador de que não há prestações de serviços individualizados e com responsabilidade pessoal de cada profissional.

4. Recurso improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – 1a T. RMS 6136 / CE. Relator: Ministro José Delgado – j. em 22.09.1998. DJ de 23.11.1998 p.00117) (sem grifo no original)

É exatamente esta a situação dos "Cartórios": ninguém procura o Tabelião ou Registrador; procura o "Cartório". Se o titular do cartório está impedido de prestar o serviço, este provavelmente não deixará de existir, pois, conforme previsto no art. 20 da Lei 8.935/94, os notários e os oficiais de registro podem "para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados" (sem grifo no original). Além disso, se o notário ou tabelião falece, a prestação do respectivo serviço não termina, apenas muda de titularidade.

A mesma Lei 8.935/1994 fornece mais indícios de que o trabalho do notário ou registrador não necessariamente seja executado pelo próprio, de maneira pessoal, e até determina uma situação em que a prática pessoal não poderá ocorrer:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.

(…)

Art. 27. No serviço de que é titular, o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau. (sem grifo no original)

Não raro, alguns cartórios se agigantam a ponto de contarem com faturamento bastante elevado e diversos funcionários, além de "filiais" (ao arrepio da Lei, que veda "sucursais" de cartório…). Segundo estudo do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2006 [05], no Estado do Espírito Santo, 19 serventias extrajudiciais teriam arrecadado acima de 600 mil reais, sendo que, destas, 11 teriam superado a cifra de 1,2 milhão de reais e uma ultrapassado a casa dos 6 milhões. Neste caso, totalmente descabido considerar um trabalho realizado de forma pessoal:

Na hipótese dos autos, a prova pericial patenteou que os sócios da embargante, pelo próprio gigantismo de sua estrutura empresarial e pelo volume de serviço prestado, não mais detém condições de exercitar o atendimento com sua participação pessoal. Deixaram de ser profissionais liberais, tornando-se, em verdade, empresários (1o TACSP – 8 C. – El. 513.859-8/02 – Relator Juiz Manoel Mattos – m.v. – j. em 17.8.94 – DJSP de 12.9.94) [06]. (sem grifo no original)

ACÓRDÃO TRIBUTÁRIO – ISSQN – SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS – ARTIGO 9º, §3º, DO DL Nº 406/68 – ANÁLISE DO CASO CONCRETO – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO DA COBRANÇA DE ALÍQUOTA DIFERENCIADA – SOCIEDADES PLURIPESSOAIS – LABORATÓRIOS DE ANÁLISES CLÍNICAS – ITEM 2 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI N. 406/68 – NÃO INCIDÊNCIA DO § 3º DO ARTIGO 9º DO REFERIDO DECRETO-LEI – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. (…) 5. No caso concreto a existência de filial da sociedade é fato que demonstra o caráter empresarial, elidindo a possibilidade de concessão da benesse. (…) (BRASIL. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. REx-officio, 47970001781, Relator: Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon – Relator Substituto : Fernando Estevan Bravin Ruy, – j. em 14.02.2006. DJ de 10.04.2006) (sem grifo no original)

O caput do artigo 966 do Código Civil informa que para ser enquadrado como empresário, o individuo tem que exercer sua atividade com habitualidade, objetivando o lucro e ter organização. Os três requisitos são atendidos pelos notários ou registradores.

A habitualidade é inerente a atividade, como denota o já citado art. 4º da Lei 8.935/94 que determina atendimento ao público, mínimo, de seis horas diárias. Ademais, a atividade exercida qualifica-se pelo aspecto da profissionalidade, isto é, seu exercício não ocorre ocasionalmente, mas com caráter de continuidade. Vale repetir Asquini, citado por Tauil [07]:

A profissionalidade da atividade empresarial implica o elemento da constância, no tempo, dessa série de operações e, normalmente, o seu préordenamento com o fito de lucro, inerente, se não essencial, à empresa econômica.

A finalidade lucrativa igualmente integra a atividade cartorária a ponto de ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente. (ADI 3089, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265) (sem grifo no original)

A natureza organizacional dos serviços notariais e registrais é evidenciada pela própria Lei que rege suas atividades, a 8.935/94, que em seu art. 1º observa:

Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

São, portanto, serviços organizados técnica e administrativamente, com todas as características de gestão empresarial.

Acrescente-se que o aporte de capital, característica comum numa empresa, é fator vital para o estabelecimento da atividade notarial, como demonstra o item 8.10.2 do citado Edital 001/2006 expedido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Espírito Santo, o qual exige, para exercício da atividade cartorária, "idoneidade econômico-financeira para arcar com os investimentos necessários à instalação da serventia".

No Estado do Rio de Janeiro, a necessidade de aporte de capital é legalmente quantificada sob a cifra de R$300.000,00 (trezentos mil reais) exigidos como caução para assunção da delegação de serviço extrajudicial (Lei nº. 2.891/98 – art. 11 e item 16.7 do Edital do XLI Concurso Público para Admissão nas Atividades Notariais e/ou Registrais, realizado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro). Ou seja, para assumir a atividade cartorária, o interessado deve dispor de uma capacidade financeira que supera a necessária para abrir diversas empresas!". (NUNES, Alexandre Gomes. Cartórios: ISS calculado sobre o preço do serviço . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2155, 26 maio 2009. Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2010).

Como visto, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, não são prestados pessoalmente pelos agentes delegados, que antes contam, via de regra, com uma equipe de funcionários (escreventes, auxiliares, etc.) para o desempenho de suas funções. Desse modo, não há como olvidar da feição empresarial que assumem tais serviços, justificando-se, por conseguinte, a tributação sobre alíquotas variáveis, ou seja, de 5% sobre o preço do serviço, conforme pretendido pelo Município e de acordo com a Lei Complementar Municipal nº 298/2003.

Sobre esta questão a jurisprudência tem entendido que não há pessoalidade no serviço prestado pelos notários e registradores. Veja-se:

"ISS. NOTÁRIOS. REGISTRADORES. BASE DE CÁLCULO. TRABALHO PESSOAL. Os serviços notariais e de registros não são prestados pessoalmente pelos delegatários, os quais podem contratar escreventes e auxiliares para o desempenho de suas funções. Os escreventes, inclusive, atuam como substitutos, podendo praticar todos os atos de competência dos tabeliães e oficiais de registro, à exceção dos testamentos. Sua renda, portanto, não é fruto apenas do seu trabalho pessoal, mas advém, também, do trabalho, no exercício da atividade fim, realizado pelos substitutos e escreventes, salvo a de lavrar testamentos. De regra, tais serviços ostentam feição empresarial, na qual a sua exploração se dá por meio de uma organização estruturada para sua realização e não pelo esforço do trabalho pessoal do notário ou do registrador. Por isso, não se lhes aplicam o § 1º do art. 9º do Decreto-lei 406/68, cuja ratio é conferir tratamento privilegiado aos contribuintes que auferem receita com o fruto do seu trabalho pessoal, ou seja, realizam eles próprios a atividade fim. Recurso provido. Relatora vencida. (Agravo Nº 70030583256, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 13/08/2009)".

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AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. ISS. BASE DE CÁLCULO. RECEITA BRUTA. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, não são prestados pessoalmente pelos agentes delegados, que antes contam, via de regra, com uma equipe de funcionários (escreventes, auxiliares, etc.) para o desempenho de suas funções. Desse modo, não há como olvidar da feição empresarial que assumem tais serviços, justificando-se, por conseguinte, a tributação sobre a receita bruta, conforme pretendido pelo Município. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo Nº 70033155334, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 02/12/2009).

Com essas considerações, peço vênia ao eminente Relator para dar provimento ao recurso e reformar a r. decisão agravada para manter o recolhimento do ISSQN como previsto na legislação de Uberaba.

É como voto.

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

Este caso é uma tese nova em que o titular de serventia extrajudicial está a entender que o excesso deve ser recolhido em alíquota fixa ao invés de ter por base de cálculo o faturamento.

Reservo-me para maior aprofundamento, mas, na oportunidade, pedindo vênia ao eminente 1º Vogal, acompanho o Relator e, também, nego provimento ao recurso.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL Nº 1.0701.09.276262-7/001

 

 

Fonte: Site da Serjus