América Latina diante do desafio de avançar para casamento igualitário

A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que insta os países do continente a reconhecerem o casamento homossexual com plenos direitos marca um antes e um depois na América Latina, uma região com desigualdades significativas para a comunidade LGBT.


A decisão é determinante “para fazer maior pressão sobre aquelas legislações que não foram modificadas e que requerem rapidamente uma adequação para garantir os direitos de todas e todos, seja qual for a orientação sexual”, diz à AFP Silvia Augsburger, coautora da lei de casamento igualitário argentina, aprovada em 2010.

 

O alto tribunal continental, com sede em San José, determinou que “todos os direitos patrimoniais que derivam do vínculo familiar de casais do mesmo sexo devem ser protegidos, sem discriminação alguma em relação aos casais heterossexuais”.

 

Ao responder uma consulta da Costa Rica, a Corte IDH estimou que essa proteção vai inclusive além das questões patrimoniais e abarca “todos” os direitos reconhecidos aos casais heterossexuais na legislação interna de cada Estado.

 

Isto inclui o direito à adoção, ao acesso à saúde dos cônjuges e à pensão por morte, entre outros.

 

A decisão, divulgada na terça-feira, é vinculativa para os países signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname e Uruguai.

 

De todos estes, os únicos que contam com leis que garantem o casamento igualitário são Argentina (2010), Uruguai e Brasil (2013), Colômbia (2016), e uma parte do México (2009 em diante).

 

– Decisão “histórica” –

 

O pedido da Corte IDH dá “muita esperança e é fundamental para o respeito aos direitos humanos e para a construção de sociedades justas e em condições de igualdade”, disse à AFP Lol Kin Castañeda, ativista e uma das duas primeiras mulheres, junto à sua parceira, a se casarem no México quando o casamento gay foi aprovado na capital.

 

A Cidade do México foi pioneira em legislar o tema na América Latina, há oito anos. Atualmente, 14 dos 32 estados do país permitem o casamento homossexual.


De acordo com Rolando Jiménez, diretor do Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh) do Chile, a exortação “é histórica” e “particularmente relevante” para avançar sobre o tema nesse país, onde desde 2016 se regula a união civil (não o casamento) entre pessoas do mesmo sexo, mas sem direito à adoção, por exemplo.


O Equador se encontra na mesma situação.

 

A aprovação de leis sobre assunto controversos tem um forte impacto no imaginário coletivo. Por isso, María Rachid, secretária-geral da Federação Argentina LGBT, comemorou a decisão.

 

A lei de casamento igualitário “tem um efeito cultural como ferramenta para a igualdade no plano da vida cotidiana, no âmbito do trabalho, da saúde, da educação, que afeta todas as pessoas”, disse à AFP.

 

– Estado vs Igreja –

 

A Corte IDH assegurou em sua decisão que alguns Estados deverão vencer dificuldades institucionais para estender aos homossexuais o direito ao casamento, reconhecendo que muitas vezes a oposição se baseia em critérios religiosos.

 

No entanto, destacou que “em sociedades democráticas deve existir coexistência mutuamente pacífica entre o secular e o religioso”, sem que uma esfera interfira na outra.

 

Peru, um país conservador onde os novos ministros fazem seus juramentos ajoelhados ante um crucifixo e com uma mão na Bíblia, não aprovou nenhuma iniciativa pró-casamento homossexual. Vários projetos sobre o tema foram rejeitados no Congresso.

 

O presidente do Movimento Homossexual de Lima, Christian Olivera, disse à AFP que a decisão do tribunal continental “abre as portas”, ao menos, à regulação dos casais do mesmo sexo no Peru, onde três quartos da população é católica e onde as manifestações contra a união civil homossexual e o aborto têm participação maciça.

 

A Bolívia também tem uma importante tarefa ante essa decisão. Recentemente, o Tribunal Constitucional do país considerou inaplicável uma parte da Lei de Identidade de Gênero que permite a transexuais e transgêneros serem reconhecidos formalmente com sua nova identidade, ao decidir que não lhes faculta a contrair matrimônio.

 

O mesmo ocorre na Venezuela, onde meia centena de organizações consignaram em 2013 um projeto de lei de casamento igualitário, que segue “em ponto morto”, disse à AFP Quiteria Franco, coordenadora da ONG Unión Afirmativa.

 

Embora este país tenha se retirado da OEA e, portanto, não está obrigado a acatar as decisões da Corte, Franco considera que a Venezuela deveria “ser coerente a cada vez que diz que respeita os direitos humanos e permitir as modificações à legislação” para autorizar o casamento homossexual.

 

 

Fonte: Isto É