O novo Código de Processo Civil entra em vigor no próximo dia 18, trazendo com ele inúmeras e relevantes novidades. Uma das alterações substanciais do novo CPC diz respeito à validade da intimação pessoal do advogado para posterior execução da multa cominatória (astreintes) aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução que reconheceu a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer[1].
Pelo fato de o CPC/73 nada tratar de forma específica sobre o tema, viu-se surgir na doutrina e jurisprudência dois entendimentos distintos ao longo dos anos. O primeiro deles exigia a intimação pessoal da parte, não sendo aceita como pessoal a intimação feita na figura do advogado, a qual é aceita pela segunda corrente doutrinária e jurisprudencial sobre a controvérsia. Ao defender a primeira corrente, refere o professor Cândido Rangel Dinamarco que, “diante do total silêncio da lei, é imperioso a intimação seja feita pessoalmente ao obrigado, não ao seu patrono, pois se trata de intimar a praticar atos que dependem da atuação pessoal da parte”[2].
Ante a farta divergência existente sobre a possibilidade de intimação do advogado ou necessidade de intimação pessoal da parte para condição de executividade da astreintes, foi aprovada a Súmula 410 pela 2ª Seção do STJ em 25/11/2009. Naquela oportunidade, definiu-se que o termo inicial para fins de executividade da multa é a intimação pessoal do devedor para cumprir a ordem, ex vi da Súmula 410/STJ: "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer".
Na época em que foi editada, a referida súmula já possuía defensores do quilate de Guilherme Rizzo Amaral, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Fux, que, em razão da gravidade das consequências decorrentes de determinadas decisões mandamentais, a intimação para dar início à contagem do prazo para cumprimento da decisão ou sentença na qual se comina multa diária deveria ser na pessoa do destinatário da ordem judicial, e não do advogado.
A denominada “reforma executiva” trazida pelas leis 11.232/05 e 11.382/06 deu continuidade ao espírito norteador das primeiras grandes reformas processuais (primeira etapa — leis 8.952/94 e 9.079/95; segunda etapa — leis 10.352/01 e 10.358/01) no sentido de garantir de forma mais breve e sem obstáculos processuais o sincretismo prático e teórico do processo, sobrepondo-se ao princípio da autonomia e removendo situações que dificultavam à efetividade da Justiça por meio da entrega da tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.
De forma concomitante, surgiu outro interessante debate, desta vez em relação ao dies a quo para executividade das astreintes fixadas em ações envolvendo as obrigações de fazer ou não fazer. A primeira corrente doutrinária e jurisprudencial capitaneada pela 3ª e 4ª Turmas do STJ defende até os dias atuais a validade da Súmula 410, editada no ano de 2009, por meio da necessidade de intimação pessoal da parte, não sendo válida a intimação na figura do advogado constituído pela parte, eis que tal intimação via patrono praticamente só era prevista para atos de postulação, privativos de advogado e que independem da atuação pessoal e/ou específica da parte.
Com a reforma advinda pela Lei 11.232/05, buscou-se a efetividade da prestação jurisdicional, prevista no artigo 5º, LXXVIII, da CF, ilustrada no direito material por meio da presunção de comunicação dos atos ocorridos no processo, inerente à relação advogado-cliente. Ora, se a jurisprudência consolidada admite a possibilidade de o advogado ser intimado em nome da parte para pagamento da condenação oriunda de execução para pagamento de quantia certa (artigo 475-J do CPC), inexistiriam razões para não ser admitido que o advogado seja intimado em nome da parte para atendimento das execuções originadas de obrigações de fazer e não fazer.
Sobre a necessidade de que a interpretação dos dispositivos alterados seja pensada no mesmo espírito da reforma processual, José Miguel Garcia Medina leciona que isso “exige do processualista um novo modo de pensar, distinto daquele apegado a premissas dogmáticas antigas, que influenciavam o sistema jurídico de outrora. Por isso, não é possível analisar um problema novo valendo-se de uma metodologia antiga, assim como não se pode empregar os antigos conceitos jurídicos para explicar os novos fenômenos”[3].
Ao analisarmos a jurisprudência atual do STJ, verificamos uma divisão de entendimentos. Tanto a 3ª Turma (ex: AgRg no AREsp 204.653/MG, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, julgado em 10/2/2015, DJe 18/2/2015), quanto a 4ª Turma (ex: AgRg no REsp 1360577/MG, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 16/4/2015, DJe 27/4/2015) do STJ entendem pela necessidade da intimação pessoal da parte para que se dê o início da contagem para fins de executividade da multa cominatória, não sendo válida a intimação pessoal do advogado. A necessidade de intimação pessoal da parte, e não de seu advogado (Súmula 410) predominou na jurisprudência no STJ até o julgamento dos Embargos de Divergência (EAg 857.758/RS, relatora ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, julgado em 23/2/2011, DJe 25/8/2011), cuja finalidade é o de uniformizar a jurisprudência do STF e STJ.
Naquela oportunidade, a relatora do caso, ministra Nancy Andrigui, elencou as razões para mudança de entendimento, quais sejam: (i) guardar consonância com o espírito condutor das reformas que vêm sendo imprimidas ao CPC, em especial a busca por uma prestação jurisdicional mais célere e menos burocrática, bem como a antecipação da satisfação do direito reconhecido judicialmente; (ii) em que pese o fato de receberem tratamento legal diferenciado, não há distinção ontológica entre o ato de fazer ou de pagar, sendo certo que, para este último, consoante entendimento da Corte Especial no julgamento do REsp 940.274/MS, admite-se a intimação, via advogado, acerca da multa do artigo 475-J, do CPC; (iii) eventual resistência ou impossibilidade de o réu dar cumprimento específico à obrigação terá, como consequência final, a transformação da obrigação numa dívida pecuniária, sujeita, pois, à multa do artigo 475-J do CPC, que, como visto, pode ser comunicada ao devedor por intermédio de seu patrono; (iv) a exigência de intimação pessoal privilegia a execução inespecífica das obrigações, tratada como exceção pelo próprio artigo 461 do CPC; (v) uniformiza os procedimentos, simplificando a ação e evitando o surgimento de verdadeiras "arapucas" processuais que confundem e dificultam a atuação em juízo, transformando-a em terreno incerto”.
No entanto, o próprio STJ elucidou o aparente conflito entre a Súmula 410 e o decidido no EAg 857.758 acima referido ao julgar o REsp 1121457/PR de relatoria da ministra Nancy Andrighi, data de julgamento: 12/4/2012, 3ª Turma em 12/4/2012.
Mesmo após o julgamento dos EAg 857.758 e com os esclarecimentos trazidos pelo julgamento do REsp 1.121.457/PR em 23/2/2011, a divergência do STJ ainda persiste. A 1ª Turma do STJ (ex: AgRg no REsp 1.463.935/AM, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julgado em 24/3/2015, DJe 7/4/2015) e 2ª Turma do STJ adotaram o entendimento de que a intimação pessoal para cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer poderá se dar na pessoa do advogado, desde que a obrigação seja anterior à vigência da Lei 11.232/2005.
Esta interpretação atual e divergente do STJ (que segue aplicando a Súmula 410 para as execuções de astreintes surgidas após a edição da Lei 11.232/2005) gera a tão criticada insegurança jurídica do sistema processual executivo brasileiro.
O novo CPC trata da questão ligada à busca pela uniformização da jurisprudência no artigo 926 ao prever que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. E os enunciados das súmulas devem representar esses entendimentos consolidados (parágrafos 1º e 2º). Da mesma forma, ainda que muito se tenha a discutir acerca da constitucionalidade do artigo 927 do novo código, fato é que em diversos dispositivos se vê presente a vontade do legislador em respeitar entendimentos consolidados que amparam a legítima expectativa dos jurisdicionados (artigos 489, parágrafo 1º, V e VI, 521, IV, 927, parágrafo 3º, 928, 955, II, 976, 988, IV, 1.022, parágrafo único, I, 1.035, parágrafo 3º, II, 1.042, parágrafo 1º, II, dentre outros), sempre também suportados pelos princípios da isonomia, da confiança e da segurança jurídica (artigo 927, parágrafo 4º).
Como se vê da doutrina e jurisprudência majoritária que tratam do tema, haveria obrigatoriedade da intimação pessoal da parte destinatária da obrigação de fazer ou não fazer, para que após incida a multa fixada pelo juízo, se decorrido o prazo para o cumprimento da obrigação permanecer inerte o obrigado. Discordamos. Ao entender que ainda há necessidade de intimação da parte é um retrocesso, em especial pelo tempo decorrido entre o despacho que determina a intimação até a efetiva expedição da carta AR ou do mandado judicial, com a consequente remessa ou cumprimento pelo oficial de Justiça.
Não são poucos os casos que nos deparamos no dia a dia forense em que após a publicação da sentença não há tempo hábil para que o cartório judicial providencie e seja cumprida a intimação pessoal da parte obrigada a cumprir determinada obrigação de fazer ou não fazer, sendo o processo remetido após a juntada das contrarrazões de apelo ou certificado o prazo sem a devida manifestação imediatamente para o segundo grau de jurisdição, suprimindo eventual possibilidade de execução da multa fixada em sentença ou em grau recursal.
Lembramos que os atos processuais necessários para atendimento da Súmula 410 do STJ levam (considerando a conhecida realidade do Poder Judiciário), em média, de 30 a 90 dias (sem considerar a possibilidade de ocultação da parte), dependendo da comarca em que se encontra o processo.
Dessa forma, nada impede que o colegiado, ao revolver a matéria, firme um novo posicionamento, díspar daqueles até então existentes no âmbito daquela corte. O que realmente importa é a pacificação definitiva da questão, e o novo CPC finalmente soluciona a controvérsia.
Em relação à exigibilidade de intimação pessoal da parte ou de seu advogado, o capítulo VI, que trata especificamente do cumprimento de sentença decorrente de obrigações de fazer, de não fazer ou entrega de coisa, o novo CPC foi omisso na abordagem da matéria em capítulo próprio das situações decorrentes do artigo 536, razão pela qual entendemos ter sido encerrado o debate, por meio da aplicação do artigo 513, parágrafo 2º, I prevista nas disposições gerais para o cumprimento de sentença, a qual prevê que o devedor será intimado para cumprir a sentença “pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos”, ou seja, há de ser considerada válida a intimação pessoal para o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer realizada na pessoa do advogado regularmente constituído pela parte nos autos do processo.
Com o novo CPC, a forma padrão de intimação do devedor (seja para pagamento de quantia certa, seja para cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer) para o cumprimento da sentença é por intermédio de seu advogado constituído, por Diário da Justiça. Não é necessária a intimação pessoal do devedor para cumprimento, exceto se não tiver procurador constituído, se for representado pela Defensoria Pública (artigo 513, parágrafo 2º, II, III e IV do novo CPC) ou se o requerimento de cumprimento ocorrer após um ano do trânsito em julgado da sentença (artigo 513, parágrafo 3º do novo CPC)[4].
Ora, se os objetivos das reformas advindas, inclusive do novo CPC, é o de alcançar a tutela adequada, tempestiva e efetiva, constata-se que a intimação do devedor, via advogado, acerca da imposição da multa do parágrafo 1º do artigo 536 e 537, do novo CPC, para o caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, se mostra como o meio mais adequado de cientificar a parte, inexistindo razões para que o Judiciário divirja em relação a forma de validade para a intimação da obrigação de pagar quantia certa em relação a intimação oriunda de obrigações de fazer e não fazer.
Desta forma, com a vigência do inciso I do parágrafo 2º do artigo 513 do novo CPC/2015 estará revogada a já ultrapassada Súmula 410 do STJ, garantindo-se finalmente uma prestação jurisdicional isonômica entre os procedimentos de cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa (capítulo III – artigos 523 até 527) e do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de fazer ou não fazer (capítulo VI — artigos 536 e 537) previstos no novo CPC/2015, consagrando-se o direito fundamental à tutela adequada, tempestiva e efetiva[5].
Referências
[1] Artigo 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente. Parágrafo 1º. Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial. Artigo 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito (novo CPC/2015).
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil: Execução Forcada. V. IV. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 525.
[3] MEDINA. José Miguel Garcia. Execução Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 25.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 530. Tal entendimento é acompanhado por Guilherme Rizzo Amaral. Comentários às Alterações do Novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 617.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Gênesis. Revista de Direito Processual Civil, Curitiba – PR, v. 28, p. 342-381, 2003.
Rafael Caselli Pereira é advogado no Rio Grande do Sul, mestre pela PUC-RS, especialista e membro da Academia Brasileira de Direito Processual (ABDPC), além de professor convidado da Escola Superior de Advocacia (ESA).
Fonte: Conjur