Artigo: A conversão da União Estável em Casamento e a dispensa de Pacto Antenupcial em caso de manutenção do regime vigente durante a convivência

Por Letícia Franco Maculan Assumpção *

O recente Provimento 141/CNJ veio regulamentar as disposições da Lei 14.382/2022 relativas à união estável, dando nova redação ao Provimento 37/CNJ e trazendo muitas inovações. No presente artigo trataremos da questão da exigência ou não de pacto antenupcial quando da conversão da união estável em casamento, apresentando recente decisão proferida pela MMa. Juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG.


Sobre a escolha do regime de bens que vigorará no casamento, o Código Civil estabelece a necessidade de pacto antenupcial quando a escolha do casal for de regime de bens diverso do legal. O regime legal no Brasil desde a Lei do Divórcio, que entrou em vigor em 27/12/1977, é a comunhão parcial de bens, podendo ser o caso também de a lei estabelecer a separação obrigatória de bens. O Código Civil determina que poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer regime de bens, sendo que, quanto à forma, será reduzida a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública nas demais escolhas. Já no art. 1.653, o Código estabelece que é nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.
O tema abordado neste artigo envolve a conversão da união estável em casamento, procedimento no qual a celebração é dispensada e que tem por fundamento legal o disposto no art. 226, § 3º, da Constituição da República , segundo o qual, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável como entidade familiar , devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. A determinação constitucional foi regulamentada pelo art. 8º da Lei nº 9.278/96 e pelo art. 1.726 do Código Civil .


A forma administrativa de conversão da união estável em casamento, que se dá mediante requerimento feito pelos conviventes ao Oficial do Registro Civil, não foi disciplinada pelo Código Civil, mas a Lei nº 9.278/96 não foi revogada no que se refere ao procedimento administrativo, razão pela qual permanece a opção.
No que se refere à conversão da união estável em casamento, o Provimento 37/CNJ, na nova redação, inovou, dispensando em certos casos o pacto antenupcial. O art. 9º-D, § 1º, do referido provimento estipulou que a “conversão da união estável em casamento implica a manutenção, para todos os efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa conversão, salvo pacto antenupcial em sentido contrário.”


O § 2º do mesmo artigo esclarece que somente será exigido pacto antenupcial quando na conversão for adotado novo regime, salvo se o novo regime for o da comunhão parcial de bens, hipótese em que se exigirá declaração expressa e específica dos companheiros nesse sentido. Entendemos que a mesma regra da comunhão parcial se aplica aos casos de separação obrigatória de bens, ou seja, os nubentes manifestarão ciência, em termo, de que o regime legal está sendo aplicado.
O § 5º do art. 9º-D, do Provimento 37/CNJ, ordena que o regime de bens a ser indicado no assento de conversão de união estável em casamento, quando a opção for por manter o mesmo regime escolhido quando da união estável, deverá ser o mesmo consignado em um dos títulos a seguir indicados: I – sentenças declaratórias do reconhecimento da união estável; II – escrituras públicas declaratórias de reconhecimento da união estável; III – termos declaratórios de reconhecimento de união estável formalizados perante o oficial de registro civil das pessoas naturais. Assim, desde a publicação do Provimento nº 141/CNJ, somente esses títulos são hábeis a definir o regime de bens na união estável, e esses títulos têm força de pacto antenupcial quando o regime de bens escolhido na convivência tiver sido diverso do regime legal e os nubentes optarem pela manutenção do regime no casamento. Se houver opção por outro regime no casamento, diferente daquele que vigorou na união estável, deverá ser lavrado pacto antenupcial , sendo recomendada pelo provimento a partilha de bens .
Caso concreto foi apresentado à Exma. Sra. Juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte. Casal que já vivia em união estável e que já tinha, por escritura pública, definido que o regime naquela união seria o da separação consensual de bens, requereu que, na conversão, fosse mantido o mesmo regime, sem apresentar pacto antenupcial. Foi suscitada dúvida pelo Registrador Civil, posto que o atual Código de Normas de Minas Gerais ainda exige o pacto antenupcial . A MMa. Juíza, em decisão publicada em 20 de junho de 2023, interpretando o Provimento 37/CNJ, proferiu a seguinte sentença :
É certo que o Código Civil estabelece a obrigatoriedade de realização de pacto antenupcial no caso de opção dos nubentes por regime de bens diverso do legal, o que aqui se verifica.


Todavia, não há como ignorar que, em face da edição da Lei 14.382/22, que tratou da conversão da união estável em casamento, o CNJ publicou o recente Provimento 141, justificando-o, dentre outros motivos, para “facilitar aos companheiros a declaração de existência da união estável, a sua conversão em casamento”, estabelecendo, de forma clara e objetiva que:
Art. 9º-D. O regime de bens na conversão da união estável em casamento observará os preceitos da lei civil, inclusive quanto à forma exigida para a escolha de regime de bens diverso do legal, nos moldes do art. 1.640, parágrafo único, da Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil).


§ 1º A conversão da união estável em casamento implica a manutenção, para todos os efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa conversão, salvo pacto antenupcial em sentido contrário.
§ 2º Quando na conversão for adotado novo regime, será exigida a apresentação de pacto antenupcial, salvo se o novo regime for o da comunhão parcial de bens, hipótese em que se exigirá declaração expressa e específica dos companheiros nesse sentido.
Ora, a regulamentação previu que somente será exigido pacto antenupcial no caso de conversão de união estável em casamento “se for adotado novo regime” e se não for ele o legal – comunhão parcial de bens.
No caso em tela, os nubentes firmaram escritura de união estável em 11/04/2023 e nela estabeleceram como regime da relação deles o da separação e bens, pretendendo, agora, manter o mesmo regime, de modo que, nos termos daquele Provimento, não se faz mesmo necessário firmar o pacto, já que não estão alterando o regime anteriormente estabelecido.

Aliás, seria mesmo muito preciosismo e um ônus desnecessário para o cidadão, obrigá-lo a firmar escritura pública para nela estabelecer o que já está estabelecido em idêntico instrumento.
É certo que a ausência do pacto poderia acarretar problemas futuros em especial no caso de transação imobiliária pelos nubentes, mas, para tal, basta a informação no assento de casamento de que o pacto foi suprido, nos termos do art. 9º-D, do Provimento nº 141/2023 do CNJ, pela escritura pública de união estável.

Perfeita a sentença, que, reconhecendo a exceção prevista na nova norma expedida pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, afastou a necessidade de pacto antenupcial, apenas no caso da conversão da união estável em casamento em que mantido o regime anterior, diverso do regime legal.
Em conclusão, se já existente sentença, escritura ou termo fixando regime de bens diverso do legal para a união estável e esse mesmo regime anteriormente escolhido for mantido quando da conversão da união estável em casamento, não será necessária a lavratura de pacto antenupcial. Como bem afirmou a MMa. Juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG, “o pacto foi suprido, nos termos do art. 9º-D, do Provimento nº 141/2023 do CNJ”, pelo título no qual foi escolhido regime de bens para a união estável.

  • Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada e mestre em Direito. Oficial do Cartório de Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Professora e Diretora do INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG e do RECIVIL. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de capítulos em livros coletivos e diversos artigos sobre direito notarial e registral.