O atual cenário do protesto notarial de títulos e outros documentos de dívida no Brasil é resultado de um longo processo de evolução histórica, permeado por uma série de fatores econômicos, culturais e jurídicos. Referido instituto, surgido de uma necessidade social, foi consolidado pelo dinamismo da prática mercantil. E, na medida da intensificação e disseminação de seu uso, paulatinamente foi aperfeiçoado.
De acordo com Sérgio Bueno [1] “o protesto nasceu motivado pela figura do aceite na letra de câmbio, voltado apenas a suprir sua falta, mas amadureceu e evoluiu para testificar também o descumprimento da obrigação cambiária.” Com o tempo, complementa o autor, “a utilização da letra de câmbio cedeu espaço a outros títulos, e a falta de aceite paulatinamente deixou de ser o motivo mais evocado para o protesto, passando a preponderar o ato lavrado por falta de pagamento.”
Ao longo deste processo histórico de evolução, o protesto por falta de pagamento passou a ser largamente utilizado pelos credores com o escopo de satisfação de seu crédito de forma rápida e segura, deixando, o instituto, de exercer apenas função probatória quanto ao inadimplemento do devedor, para tornar-se meio para solução extrajudicial dos conflitos de interesses decorrentes das relações jurídicas que envolvem crédito e débito.
Com isso, houve uma sensível ampliação do campo de sua aplicação que, embora costumeiramente atrelado ao direito cambiário, se irradiou para obrigações tipicamente tratadas no âmbito civil. Ou seja, o protesto, nascido como figura integrada exclusivamente ao universo cambiário, no atendimento das necessidades sociais e econômicas, em decorrência do caráter dialético do Direito, daquele se desvinculou e passou a ser admitido em relação a outros documentos de dívida. [2]
Ora, o Direito constrói-se a partir da realidade e da experiência. [3] Nos ensinamentos de Trajano de Miranda Valverde: “o sistema preferível não é o que em determinados povos tem produzido ótimos resultados e sim aquele que, radicado na tradição jurídica de uma nação, satisfaz às exigências de seus habitantes e evolui com as necessidades do seu desenvolvimento econômico”. [4]
Com efeito, no Brasil, a evolução do protesto é produto da evolução econômica, social e jurídica, o que importa dizer que o instituto originalmente concebido num universo mais restrito, evoluiu para atender as necessidades sociais, econômicas e jurídicas, especialmente a necessidade de satisfação rápida de crédito diante de uma crescente cultura de inadimplência.
É sabido que, há muito, o Judiciário brasileiro está abarrotado de processos, o que torna demasiado lenta a resposta às demandas. É sabido, também, que numa sociedade caracterizada pela morosidade e falta de efetividade das decisões, há a instauração de um clima de desconfiança e de insegurança que afetam as relações econômicas e sociais.
Por este motivo, têm sido crescentes os esforços em buscar formas alternativas de resolução de conflitos, a exemplo da lei que permitiu a realização de inventários, divórcios e partilhas por escritura pública, e da recente lei de mediação e conciliação. Seguindo esta tendência, o instituto do protesto tem sido considerado, hoje, um instrumento extrajudicial de cobrança e um importante meio de recuperação de crédito, desafogando o Poder Judiciário e permitindo que este “(…) se libere para julgar, com mais preparo e de forma mais rápida, outras lides que realmente merecem sua atenção e que muitas vezes são prejudicadas pela quantidade exacerbada de ações que superlotam este poder.” [5]
De fato, o protesto é muito eficiente na recuperação do crédito, pois estimula os devedores a pagarem suas dívidas, já que ficam temerosos em terem seus nomes inscritos nos órgãos de proteção de crédito. O “nome sujo na praça” dificulta ou até inviabiliza compras, financiamentos e outros atos na esfera comercial, de forma que, habitualmente, os devedores optam por pagar suas dívidas quando intimados pelos tabelionatos de protesto.
O palestrante Carlos Londe, em evento de crédito noticiado no site “Protesto Ibirite”, evidenciou que o protesto possui um alto índice de recuperação de crédito, que é, em média, de 65%, em apenas 3 dias úteis. Isso significa que, das dívidas encaminhadas aos cartórios, 65% são pagas em apenas 3 dias úteis. Se for considerado um prazo maior, de até dois anos, a recuperação chega a mais de 80%. [6]
E, esta recuperação de crédito através do protesto é marcada pela segurança jurídica e pela fé-pública inerentes à atividade notarial e registral, de modo que os credores têm a certeza de que estão diante de um procedimento seguro, prestado por profissionais comprometidos com a sociedade e com a observância da legislação pátria.
De outro lado, os devedores, com o procedimento do protesto, têm a segurança de não pagar nenhuma dívida indevida ou valor além daquele pactuado no título, e têm a certeza de que os tributos foram devidamente cobrados. Além disso, o devedor é previamente notificado pelo Cartório para pagamento da dívida no tríduo legal, antes da lavratura do protesto, o que não ocorre em muitas outras instituições de cobrança, em que o nome do devedor vai para órgãos de proteção de crédito sem prévia notificação, como ocorria no Estado de São Paulo antes do advento da Lei Estadual nº 15.659/15, que determinou a prévia notificação antes da negativação do nome do devedor.
Portanto, é notório que o instituto do protesto transcende seus efeitos jurídicos, como a conservação de direitos e a prova de impontualidade, para produzir uma série de efeitos econômicos e sociais, como a recuperação rápida e segura do crédito para o credor e a segurança para o devedor de um procedimento de cobrança legal e transparente.
E, mais! O protesto atua no interesse público da sociedade em ter segurança e confiança nas relações comerciais. A confiança no cumprimento das obrigações assumidas é primordial para o desenvolvimento econômico e para a circulação de riquezas em um país. De outro lado, a falta de confiança e meios eficientes para satisfação das obrigações, gera desconfiança nos investidores, dificultando e onerando o crédito. O protesto, como meio rápido e eficiente de recuperação de crédito, atua na confiança dos credores, reduzindo a possibilidade de frustação de expectativas, sendo assim, uma importante ferramenta de incentivo a economia.
O abalo do crédito bancário e comercial que o protesto pode acarretar é consequência relevantíssima para a atividade do comerciante. Com a publicidade das informações sobre protesto, através da remessa, pelos tabeliães, das informações dos protestos tirados aos órgãos de proteção ao crédito e às entidades representativas da indústria e do comércio (exigência da Lei 9.242/97), bem como através das certidões de protesto emitidas diretamente pelos Tabelionatos, os comerciantes e credores têm importantes parâmetros para a concessão de crédito, o que diminuiu o risco envolvido na transação e, consequentemente, facilita e fomenta o crédito e a economia.
Desta forma, pode-se afirmar que o instituto do protesto tem relevante função econômica no Brasil, já que por ser um meio rápido e eficaz de recuperação de crédito, contribui com a instituição de um ambiente negocial de confiança e de segurança. Ora, confiança e segurança é o que qualquer mercado precisa para ser próspero, pois quanto menor o risco das transações, maior é o grau de investimento e, de consequência, maior a circulação de riqueza no país.
[1] BUENO, Sérgio Luiz José. TABELIONATO DE PROTESTO. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 26
[2] BUENO, Sérgio Luiz José. TABELIONATO DE PROTESTO. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 31
[3] BUENO, Sérgio Luiz José. TABELIONATO DE PROTESTO. São Paulo: Saraiva, 2013. p.30
[4] VALVERDE, Trajano de Miranda. COMENTÁRIOS À LEI DE FALÊNCIAS. Rio de Janeiro: Forense, 1948. v. I. p. 8
[5] SILVA, Luiz Ricardo. Apud BUENO, Sérgio Luiz José. TABELIONATO DE PROTESTO. São Paulo: Saraiva, 2013. p.31
[6] EVENTO DE CRÉDITO E COBRANÇA DESTACA PROTESTO. Notícia veiculada em 1.10.2015. Disponível em http://protestoibirite.com.br/?cat=4. Acesso em 20.01.2015.
José Flávio Bueno Fischer é o 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB-CF e membro do Conselho de Direção da UINL.
Fonte: Colégio Notarial do Brasil