É terça-feira de carnaval, entretanto a vida continua em seu curso normal. É sabido que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7790 de 2014 que, em síntese, propõe a dispensa de apresentação de carta de anuência de confrontantes na averbação do georreferenciamento de imóveis rurais. Enquanto não vem ao mundo virtual mudança, vamos falar da importância da medição via Sistema Geodésico Brasileiro.
Com as amarras da lei, o georreferenciamento, tecnicamente, é georreferenciamento ao Sistema Geodésico Brasileiro (SGB). É uma tomada de ponto, uma medição com aparelhos de alta tecnologia, onde se descreve com precisão o imóvel rural e suas características, limites e confrontações por levantamento de coordenadas dos vértices com precisão de posição.
Numa levada mais popular, temos o georreferenciamento como tomada de ponto de referência, localização, situação, enquadramento, enfim, uma espécie de endereço do imóvel rural. É destacar o imóvel rural no globo terrestre, pois com o tipo de aparelho e sistema usados, impossível uma mesma coordenada em dois imóveis distintos, mesmo porque é uma questão de alta indagação, física mesmo. Grau, longitude e latitude são únicos.
Com o georreferenciamento, a simples descrição do imóvel, sem rigor técnico, é coisa do passado, pelo menos para áreas de até 500 hectares, pois o prazo venceu em 21 de novembro de 2013. As áreas com menos de 25 hectares terão o prazo vencido após o dia 21 de novembro de 2023. Aí sim, todos os imóveis rurais do país deverão ser georreferenciados, não importando a dimensão.
O georreferenciamento foi inserido no infindável rol de leis brasileiras, pela Lei n 10.267 de 2001, modificando a Lei n 4.947 de 1966, a Lei n 5.868 de 1972 e a Lei n 6.015 de 1973. Essas leis tratam de direito agrário, como reforma agrária, disciplinam o Sistema Nacional de Cadastro Rural bem como os registros públicos. Além dessas leis citadas, temos outras normas, inclusive normas que disciplinam os processos para a regularização de imóveis rurais, posse por excelência.
O georreferenciamento é de grande valia para o país, pois é uma ferramenta importante para acabar de vez com balburdia existente no campo. É tão importante que chega a atrapalhar. Existem inescrupulosos georreferenciando e certificando áreas escrituradas com matrículas, isso porque quem georreferenciou levou para o INCRA, para a certificação, georreferenciamento com carta de confinante fraudulenta.
Para arremate do texto é bom dizer que levado a efeito o georreferenciamento, mesmo antes da expiração dos prazos estabelecidos, é necessário apresentar no registro de imóveis competente o certificado expedido pelo INCRA de que não há sobreposição de área.
Leis e mais leis não é a solução. A solução é cumprir as que existem, somando a isso o aumento de pessoal nas autarquias federais e estaduais, estrutura para se desenvolver trabalho eficaz com fiscalização rigorosa, inclusive confrontando e cruzando informações com os cartórios de imóveis. O viés é sempre o mesmo, aquele velho adágio: – a lei não pegou.
Jurisprudência selecionada – APELAÇÃO CÍVEL. LEI DE REGISTROS PUBLICOS. DÚVIDA SUSCITADA PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. RETIFICAÇÃO DE ÁREA. CONCORDÂNCIA DOS CONFRONTANTES. EXISTENTE. RETIFICAÇÃO DA ÁREA. SENTENÇA MANTIDA.
A suscitação de dúvida, regulada pela Lei 6.015/73, tem como objetivo obter a manifestação do Juiz de Direito acerca da divergência de entendimentos entre o Oficial de Registro e o apresentante. A retificação de área perante o cartório do registro geral de imóveis tem previsão legal na Lei n. 6.015/73 e como condição indispensável a anuência dos confrontantes dos imóveis limítrofes da área demarcada. (TJ-MG, Relator: Antônio Sérvulo, Data de Julgamento: 30/07/2013, Câmaras Cíveis/6ª CÂMARA CÍVEL).
O julgado transcrito acima chancela o que a lei determina: – a obrigatoriedade da anuência dos confrontantes dos imóveis lindeiros. A obrigatoriedade noticiada no Julgado, é em retificação de área perante aos cartórios de imóveis. Evidentemente que nas vias judiciais a obrigatoriedade é patente, o que exime a área objeto do processo de futuros questionamentos por confinantes.
Imagina se o Projeto de Lei apontado no início desse texto for aprovado. Realmente um novo hiato será criado, o que é bom para o advogado, pois falhas na legislação são acolhidas com satisfação, o que é dito com pesar. Para o operador do direito esse virtual hiato é uma situação conflitante, dialética por excelência. A simples declaração do proprietário, sem a exigência da carta de anuência dos confinantes, irá abarrotar o judiciário com infindáveis demandas, pois essa questão no campo é gravíssima.
O que tem que ser feito é fazer com que os cartórios cumpram o que determina a Lei de Registro Público: – qualificar em todos os seus pormenores os proprietários de imóveis rurais para facilitar que sejam encontrados. É um fenomenal problema a falta de qualificação dos proprietários de imóveis rurais. Às vezes nem o CPF consta nos registros de imóveis rurais.
Em suma, o problema não é a obrigatoriedade da carta de anuência, e sim a falta de saber realmente quem é o confinante e onde se encontra; e isso só os cartórios sabem, ou pelo menos deveriam saber.
Marcelo Belarmino é advogado, formado em 1997 no Centro de Ensino Unificado de Brasília (Uniceub), em Brasília (DF). Foi procurador de município por oito anos. É inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil nas seccionais do Distrito Federal, Tocantins, Bahia, Goiás e Piauí. Começou militar na advocacia em Goiânia. Foi defensor público no Tocantins. Além de advogado, é jornalista e técnico agrícola. Hoje está estabelecido na cidade de Palmas, atuando nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário, regularizando áreas rurais, tanto administrativamente como judicialmente, principalmente no Estado do Tocantins e sul do Estado do Piauí.
Fonte: SERJUS