INTRODUÇÃO
O direito da nacionalidade ganha relevância no Registro Civil em razão do disposto no artigo 32, da Lei de Registros Públicos, que mira duas das hipóteses de aquisição desta, exigindo a participação do Registrador.
Todavia, de uns anos para cá, a matéria vem se revelando um nó para muitos Registradores, passando desde as alterações do texto constitucional original – por meio das Emendas 3/1994 e 54/2007 – até os efeitos da nacionalidade quando pendente de opção. Tão relevante é que pouco tempo atrás foi objeto de exame durante a 2ª fase do 4º Concurso Público para Outorga de Delegações Extrajudiciais do Estado de São Paulo. Ainda, durante o curso de capacitação profissional patrocinado pela Arpen/SP, notamos que mesmo para Oficiais experientes de grandes Comarcas algumas questões ainda trazem certo arrepio.
“Quem é brasileiro nato e quem depende de opção pela nacionalidade brasileira? Quem pode requerer esta opção? Qual o prazo para formular o pedido? Quais as condições a serem preenchidas? O registro de nascimento transcrito no Livro “E”, faz sempre prova da nacionalidade brasileira? Se positivo, até quando? Como fica a situação daqueles que tiveram transcritos seus registros antes e após a Emenda Constitucional 3/94? Como deve o Registrador fazer constar do termo de transcrição caso seja apresentada uma Certidão lavrada em repartição brasileira no exterior durante a vigência da Emenda 3/94, mas requerida após a Emenda 54/2007?” – Estas são algumas das indagações que o Registrador deverá responder antes de trasladar um registro de nascimento ocorrido no exterior. A uma, porque é preciso interpretar corretamente a Lei de Registros Públicos face a nova ordem constitucional; a duas, para demonstrar às partes segurança quanto ao ato a ser praticado, com conhecimento técnico-jurídico acerca do tema além de informá-las com clareza quanto à opção pela nacionalidade a ser exercida futuramente, se for o caso; a três, porque uma ou outra dessas respostas constarão do respectivo termo.
A dificuldade, portanto, não surge quanto aos conceitos de nacionalidade ou formas de aquisição, mas quanto à aplicação desses institutos no Registro Civil, mormente no que se refere aos efeitos gerados.
Diante disso, presta o presente estudo responder essas questões e servir como um farol aos “navios extrajudiciais”, quiçá a apontar-lhes um rumo seguro até a nau, tendo como porto de partida a ordem constitucional vigente.
DA NACIONALIDADE
Preliminarmente, cumpre-nos falar da nacionalidade. Nacionalidade é o vínculo jurídico, de Direito Público Interno, que une o indivíduo ao Estado. Compete, então, a cada Estado dizer quem são os seus nacionais. Em outras palavras, nacionais são todos aqueles que se encontram ligados a um determinado Estado por um vínculo jurídico que assim os qualifica. Dessa premissa, temos então que todo aquele que não é definido como nacional é estrangeiro ou apátrida.
Enquanto gênero, a nacionalidade pode ser primária e secundária. Primária, ou originária, é a nacionalidade adquirida com o nascimento, sendo o vínculo jurídico atribuído pela vontade unilateral do Estado, independentemente da vontade do indivíduo. Nacionalidade secundária, ou adquirida, é aquela que decorre da vontade do indivíduo, seja ele apátrida ou estrangeiro. Neste caso, temos de um lado o indivíduo que opta ou solicita por essa nacionalidade e, do outro, o Estado que assente, formalizando a naturalização .
Os critérios que definem a aquisição da nacionalidade pela via originária são dois: a) jus solis: que condiciona a aquisição da nacionalidade ao nascimento no território do respectivo Estado; e, b) jus sanguinis: que atribui a nacionalidade à vista da ascendência, ou seja, significa que para um determinado Estado os filhos de seus nacionais também o serão, independentemente de onde tenham nascido.
Com efeito, a Constituição da República ao determinar quem é brasileiro os distinguem em dois grupos: o brasileiro nato, de nacionalidade originária (art. 12, I); e, o brasileiro naturalizado, de nacionalidade secundária (art. 12, II), que adota por ato de vontade a nacionalidade brasileira. Importa-nos para este estudo o primeiro grupo, definido pelo inciso I, do art. 12, da Magna Carta. O rol ali constante é exaustivo e contempla quatro hipóteses de aquisição da nacionalidade originária. Vejamos:
“Art. 12- São brasileiros:
I- Natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;”
Na primeira hipótese, adotou o legislador constituinte o critério do jus solis (origem territorial), enquanto nos demais, o critério utilizado é do jus sanguinis (origem familiar). São elas:
a) Constante da alínea “a”: é brasileiro nato todo aquele nascido no território brasileiro, independentemente da nacionalidade dos seus ascendentes;
b) Constante da alínea “b”: é brasileiro nato o filho de pai e/ou mãe brasileiros, natos ou naturalizados, que estejam a serviço da República Federativa do Brasil. abrangendo qualquer serviço público prestado pelos órgãos e entidades da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
c) Constante na alínea “c”, primeira parte: são brasileiros natos os filhos de pai e/ou mãe de brasileiros nascidos no estrangeiro desde que registrados em repartição brasileira competente. Esta hipótese foi retirada pela EC 3/94 e reinserida pela EC 54/2007; e
d) Constante na alínea “c”, segunda parte: são brasileiros natos os filhos de pai e/ou mãe brasileiros nascidos no estrangeiro e não registrados em repartição brasileira competente desde que, venham a residir no Brasil e manifestem a escolha pela nacionalidade brasileira, a qualquer tempo (opção pela nacionalidade brasileira).
Importante frisar neste momento que, o artigo 32, da LRP, foi escrito para as duas últimas formas de aquisição originária da nacionalidade brasileira, integrantes da alínea “c”, inciso I, do artigo 12, da Constituição Federal. Apenas estas são suscetíveis de registro no Livro “E”.
DA TRANSCRIÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO OCORRIDO EM PAÍS ESTRANGEIRO
Hipóteses de Cabimento – Artigo 32 da LRP
Com efeito, o artigo 32, da LRP, assim estatue:
“Art. 32. Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou, quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular.
§1º. Os assentos de que trata este artigo, serão, porém, trasladados no Cartório do 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores.
§2º. O filho de brasileiro ou brasileira, nascido no estrangeiro, e cujos pais não estejam ali a serviço do Brasil, desde que registrado em consulado brasileiro ou, não registrado, venha a residir no território nacional antes de atingir a maioridade, poderá requerer, no juízo de seu domicílio, se registro no Livro “E” do 1º Ofício do Registro Civil, o termo de nascimento.
§3º. Do termo e das respectivas certidões do nascimento registrado na forma do parágrafo antecedente constará que só valerão como prova da nacionalidade brasileira, até quatro anos depois de atingida a maioridade.
§4º. Dentro do prazo de quatro anos, depois de atingida a maioridade pelo interessado referido no §2º, deverá ele manifestar sua opção pela nacionalidade brasileira perante o juízo federal. Deferido o pedido, proceder-se-á ao registro no Livro “E” do cartório do 1º Ofício do domicílio do optante.
§5º. Não se verificando a hipótese prevista no parágrafo anterior, o oficial cancelará, de ofício o registro provisório efetuado na forma do § 2º”.
Os assentos de nascimento, casamento e óbito ocorridos no estrangeiro e que envolvam brasileiros, pelo texto acima, a fim de produzirem efeitos no Brasileiro devem ser trasladados no Registro Civil. Os Ofícios de Registro Civil Sede das Comarcas são competentes em relação aos brasileiros nelas domiciliados e, o do 1º Ofício do Distrito Federal, em relação aos brasileiros nele domiciliados e em relação àqueles que não possam comprovar domicílio no Brasil.
Como dito acima, em relação ao registro de nascimento ocorrido em país estrangeiro, segundo o § 2º do mesmo dispositivo, não são todos eles suscetíveis de traslado no Brasil, senão os ali tratados, quais sejam: os que envolvam filho de brasileiro cujos pais não estejam ali a serviço do Brasil, desde que registrado em consulado brasileiro; e, os que envolvam filho de brasileiro não registrado em consulado brasileiro, que venha a residir em território nacional antes de atingir a maioridade (neste caso, vale salientar que este lapso temporal não mais é exigido como veremos adiante).
Notemos que estas são hipóteses que constam da alínea “c”, do inciso I, do art. 12, da Constituição Federal. Todavia, é preciso interpretar a norma da Lei de Registros Públicos com as derrogações das Emendas 3/1994 e 54/2007.
Das Emendas Constitucionais 3/1994 e 54/2007
Em relação à primeira parte do § 2º, do Art. 32, da Lei 6.015/1973, já dissemos que foi a EC 3/94 suprimiu a hipótese ali aventada a qual considerava brasileiro nato o filho de brasileiro nascido no estrangeiro e registrado em repartição consular competente, assim como suprimiu também a necessidade de residência no Brasil antes de atingida a maioridade e o prazo de quatro anos após esta para o exercício da opção, prazo esse que era decadencial. Com isso, conforme leciona o professor Reynaldo Velloso dos Santos , a “Constituição Federal de 1988 atribui a nacionalidade brasileira ao nascido no exterior, filho de brasileiro que ali não esteja a serviço do país, desde que venha a residir no país e opte a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira (art. 12, inciso I, `c`)”.
A Emenda Constitucional 3/94, portanto, criou três situações jurídicas cujas quais as Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no Capítulo XVII, do Tomo II, vieram disciplinar. Vejamos:
a) A primeira, a dos nascidos antes da Emenda Constitucional 3/94 e registrados em Consulado brasileiro anteriormente à edição da referida emenda. Estes são brasileiros natos, independente de qualquer ato ou condição (subitem 9.1);
b) A segunda, do nascimento ocorrido após a edição da referida Emenda, registrado em Consulado ou Embaixada brasileira posteriormente à data de 07 de junho de 1994, cujo qual deverá constar do termo e das respectivas certidões que a condição da nacionalidade brasileira depende de opção a qualquer tempo perante a Justiça Federal (subitem 9.2); e,
c) A terceira, do nascimento ocorrido antes ou depois da Emenda Constitucional 3/94, registrado em repartição estrangeira e legalizado, cujo qual deverá constar do termo e das respectivas certidões também que a condição da nacionalidade brasileira depende de opção a ser exercida a qualquer tempo perante a Justiça Federal (subitem 9.3).
A Emenda Constitucional 3/1994 revogou totalmente os §§ 4º e 5º, do artigo 32, da LRP, que dispunham sobre o chamado “registro provisório”, vez que fulminou com o prazo de quatro anos contados da maioridade para o exercício da opção pela nacionalidade brasileira.
Com efeito, com o advento da Emenda Constitucional 54/2007, o Estado brasileiro voltou a considerar como brasileiro nato os filhos de brasileiros nascidos em país estrangeiro e registrados em repartição brasileira competente cujos pais não estavam a serviço do país. Retornamos, então, ao texto original da Carta Maior (efeito constitucional repristinatório) somado às demais modificações trazidas pela Emenda Constitucional 3/1994.
As Normas de Serviço do Estado de São Paulo ainda não disciplinaram a matéria após a edição da EC 54/2007. Temos, porém, que hodiernamente duas são as situações jurídicas:
a) A dos filhos de brasileiros nascidos em país estrangeiro em que os pais não estavam a serviço do país, desde que registrados em repartição brasileira competente. Estes são brasileiros natos independentemente de qualquer ato ou condição; e,
b) A dos filhos de brasileiros nascidos em país estrangeiro cujos pais não estavam a serviço do Brasil, não registrados em repartição brasileira, mas que aqui venham a residir e optem, a qualquer tempo depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. Neste caso, a condição de brasileiro fica sujeita a dois eventos: residência no Brasil e opção perante Juiz Federal após a maioridade. Esta constitui a chamada nacionalidade potestativa da qual traremos mais adiante.
Das Situações Transitórias
A Emenda Constitucional 54, de 20 de setembro de 2007, acabou também por acrescer ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias o artigo 95, in verbis:
“Art. 95. Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil.” (grifei)
Com a edição da Emenda Constitucional 3/1994, muitas Embaixadas e Consulados deixaram de efetuar os registros de filhos de pais e mães brasileiros em suas repartições. Cuidou, portanto, o legislador em dar àqueles que nasceram no exterior durante a vigência da Emenda Constitucional 3/1994, o direito de serem registrados em repartição diplomática ou consular brasileira, ou em ofício de registro, se vierem a residir no Brasil, garantindo-lhes o direito, assim, à nacionalidade brasileira.
Na mesma esteira conclui o Dr. Luiz Henrique Pinheiro Bittencourt, Oficial Registrador no Estado do Rio de Janeiro e Diretor do Conselho de Ética da Arpen/RJ, que “o artigo 12, I, `c`, da CF/88, com a nova redação dada pela EC 54/07, bem como o art. 95, dos ADCT, estenderam a condição de brasileiro nato aos registrados em repartição brasileira competente desde a vigência inicial e original da CF/88. Quis o constituinte derivado reformador atingir e uniformizar a situação jurídica de todos os filhos de brasileiros, nascidos e registrados em repartição brasileira competente, após CF/88, agora, denominados brasileiros natos” . Diríamos mais, porque o legislador respondeu ao clamor de muitos filhos de brasileiros que poderiam ser tidos por apátridas caso o Estado natal não os adotasse como nacionais por não contemplarem o critério da territorialidade.
Assim, o filho de brasileiro nascido no estrangeiro se registrado em repartição consular ou diplomática, será brasileiro nato. Por outro lado, se em ofício de registro, através do traslado do registro estrangeiro no Livro “E”, deterá a nacionalidade potestativa, pendente de opção, cuja qual poderá ser exercida a qualquer tempo ao completar a maioridade.
Dos Termos de Nascimento registrados por repartições brasileiras sob a égide da Emenda Constitucional 3/1994 e trasladados durante e após sua vigência
Em relação aos assentos de transcrição lavrados durante a vigência da Emenda Constitucional 3/1994 e registrados em repartição brasileira competente (leia-se, repartição consular ou diplomática), dos quais constaram dos respectivos assentos que a condição de brasileiro está sujeita à opção, por não corresponderem mais à realidade, entendemos possível a averbação para correção dos mesmos nos termos do artigo 97, da Lei de Registros Públicos.
Por sua vez, com respeito aos traslados lavrados já na vigência da Emenda Constitucional 54/2007, mas cujos registros foram tirados em repartição diplomática ou consular brasileira durante a Emenda Constitucional 3/1994, deverão estes ser transcritos assim como estão, porém, cumprirá ao Registrador fazer consignar ao final do termo o seguinte: “nos termos do artigo 12, inciso I, “c”, da CF, com redação dada pela EC 54/2007, os filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, nascidos no estrangeiro que não estejam a serviço daquele país e registrados em repartição brasileira competente, são brasileiros natos independentemente de qualquer ato ou condição”.
Esta posição é a que vem se consolidando para as situações acima, defendida, inclusive, pelo ilustre Reynaldo Velloso dos Santos.
DA NACIONALIDADE POTESTATIVA, DA PROVA E DE SEUS EFEITOS
Com dito antes, em relação à hipótese constante na primeira parte da alínea “c”, inciso I, do artigo 12, da CF, faz prova da nacionalidade brasileira a certidão do Ofício de Registro Civil competente para o traslado do registro lavrado em repartição consular ou diplomática brasileira, vez tratar-se de brasileiro nato.
Já no que concerne á segunda parte do dispositivo a situação é mais outra, posto que o filho de brasileiro nascido em território estrangeiro, não registrado em consulado ou embaixada brasileira e cujos pais não estão ali a serviço do país, detém a chamada nacionalidade potestativa. Interessa-nos, portanto, entender qual a situação jurídica desses indivíduos enquanto não optem pela nacionalidade brasileira. Por isso, passemos a algumas considerações.
Direito potestativo, segundo Francisco Amaral , é a “prerrogativa de impor a outrem, unilateralmente, a sujeição ao seu exercício”, atuando na esfera jurídica de outrem sem que este tenha algum dever a cumprir. Contra o direito potestativo temos um “estado de sujeição”, ou seja, trata-se de direito que pode ser exercido independente da colaboração ou concordância do sujeito passivo. Segundo o mesmo autor, o direito potestativo não se confunde com o direito subjetivo, porque a este se contrapõe um dever, o que não ocorre com aquele, espécie de poder jurídico a que não corresponde um dever, mas uma sujeição, entendendo-se como tal a necessidade de suportar os efeitos do exercício do direito potestativo. Assim, uma vez manifestada a opção, não se pode recusar o reconhecimento da nacionalidade ao interessado, dependendo exclusivamente da sua vontade. É direito personalíssimo, que somente poderá ser exercido pelo interessado. Tal premissa advém do Princípio da Optabilidade, pelo qual o indivíduo deve ser livre para optar ou mudar de nacionalidade segundo as regras de cada Estado.
Por isso a doutrina fala em nacionalidade potestativa, posto que expressa a faculdade ou o poder que a pessoa está investida para realizar o ato de opção. Em outras palavras, a condição de brasileiro nato é prerrogativa que “pode” ser exercida pelo optante, configurando ato de vontade, não de dever. Enquanto não exercida a opção, o indivíduo continuará a deter a nacionalidade potestativa, indicando a pendência da opção. Por sua vez, realizada esta, o indivíduo passa à condição de brasileiro nato.
Parece-nos, portanto, bom o entendimento segundo o qual os efeitos da nacionalidade ficam suspensos até a necessária opção, condição confirmativa, produtora de efeitos retroativos. Doutra sorte não haveria razão da opção. Alguns doutrinadores rebatem este entendimento afirmando que referidos filhos de brasileiros, uma vez suspensos os efeitos da nacionalidade, teriam contra si violado o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, é certo como lecionam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior , citando Pontes de Miranda, que somente “os Estados podem dizer quais são os seus nacionais”, não havendo, bem por isso, quebra de princípio constitucional algum, posto que é o Estado brasileiro estabelecendo normas próprias a respeito da fixação da nacionalidade originária e o mesmo irá ocorrer com outros Estados.
Destarte, atingida a maioridade, enquanto não manifestada a opção, ela passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira. Nesse sentido o STF asseverou, conforme constou do Informativo nº 398, de 23 de agosto de 2005 (portanto, durante a vigência da EC 3/1994), que a condição suspensiva somente vigora a partir da maioridade.
Nesse sentido, tendo que a nacionalidade é o vínculo jurídico que une o indivíduo ao Estado e que o exercício da cidadania pressupõe a existência desse vínculo, podemos afirmar que o cidadão é o nacional no pleno exercício dos direitos políticos e que não poderá, por exemplo, o brasileiro pendente de opção exercer o cargo de Presidente da República, vez tratar-se de cargo privativo de brasileiro nato, tão somente se realizada a opção perante a Justiça Federal.
Ademais, a Suprema Corte já pronunciava que “a opção – liberada do termo final ao qual anteriormente subordinada -, deixa de ter eficácia resolutiva que, antes, lhe emprestava, para ganhar – desde que a maioridade a faça possível – a eficácia de condição suspensiva da nacionalidade brasileira, sem prejuízo – como é próprio das condições suspensivas – gerar efeitos `ex tunc`, uma vez realizada” (AC-QO 70/RS, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 12/03/2004).
RESUMO
Dissemos nesse trabalho que a questão da transcrição dos assentos de nascimento envolvendo filhos de brasileiros ocorridos no estrangeiro e, também, os efeitos da nacionalidade daqueles registros pendentes de opção é tormentosa para muitos Registradores. Desde a edição da Constituição Federal de 1988 se passaram três alterações do texto original.
Dissemos que compreender bem os citados institutos é de suma importância ao Registrador atual, pois, o mesmo deverá demonstrar às partes não só conhecimento técnico como oferecer segurança jurídica aos atos por ele praticados.
Por fim, vale destacar a expressão grafada nas certidões lavradas nos Consulados Brasileiros: “A condição de brasileiro está sujeita à opção pela nacionalidade brasileira perante Juiz Federal…” (grifei). A partir de então entendemos ficam suspensos os efeitos inerentes à nacionalidade brasileira, cujos quais serão convalidados, com efeito ex tunc, uma vez feita a opção.
Por esses motivos, confirmo minha posição de que o Registro no Consulado ou Repartição Estrangeira, posteriormente transcrito no Registro Civil não faz prova da nacionalidade brasileira, antes, confere apenas um direito potestativo (que chamamos de nacionalidade potestativa) e ser exercido ou não com a maioridade civil.
Discorremos sobre a nacionalidade, que é o vínculo jurídico que vincula o sujeito ao Estado. Que a nacionalidade pode ser primária, condição atribuída pelo Estado ao seu nacional de forma unilateral, ou secundária, cuja aquisição depende da vontade do seu titular, como é o caso do brasileiro naturalizado.
Em relação à nacionalidade primária, estudamos brevemente os critérios de aquisição desta, que podem ser jus solis (que considera o território em que ocorreu o nascimento) e jus sanguinis (que tem em conta a ascendência familiar). O Brasil, no artigo 12, inciso I, da CF, adota um critério temperado, sendo na alínea “a” aceito o critério do território, e nas demais o critério familiar.
As hipóteses de brasileiro nato estão definidas no artigo 12, inciso I, da Constituição Federal. São elas:
a) Os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) Os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
Para o nosso estudo interessou-nos as duas hipóteses constantes da alínea “c” do texto constitucional, as quais são sujeitos os respectivos termos de registro no Livro “E” do Ofício do Registro Civil das sedes das Comarcas, em relação aos indivíduos nelas domiciliados, e do Distrito Federal, em relação aos indivíduos nele domiciliados e àqueles que possam comprovar domicílio do Brasil. Com efeito, dissemos que são estas as mesmas hipóteses aventadas no artigo 32, da LRP, alterado pelas Emendas Constitucionais 3/1994 e 54/2007. Firmamos, assim, que hodiernamente são duas as situações jurídicas criadas em relação aos filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro cujos pais não estão ali a serviço do Brasil:
a) A dos filhos de brasileiros nascidos em país estrangeiro em que os pais não estavam a serviço do país, desde que registrados em repartição brasileira competente. Estes são brasileiros natos independentemente de qualquer ato ou condição; e,
b) A dos filhos de brasileiros nascidos em país estrangeiro cujos pais não estavam a serviço do Brasil, não registrados em repartição brasileira, mas que venham aqui residir e optem a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira depois de atingida a maioridade. Neste caso, a condição de brasileiro nato fica sujeita a dois eventos: residência no Brasil e opção perante Juiz Federal após a maioridade.
A Emenda Constitucional nº 54/2007 cuidou de situações transitórias, ou seja, dos filhos de brasileiros nascidos no exterior, cujos pais não estavam a serviço do país, garantindo-lhes o direito ao registro em repartição consular ou diplomática brasileira ou no ofício de registro civil competente se vierem a residir no Brasil, outorgando aos primeiros a condição de brasileiros natos e, aos segundos, a nacionalidade potestativa (pendente de opção). Com isso, evitou o legislador que tais pudessem ser considerados apátridas caso o Estado natal não lhes conferisse direito à nacionalidade.
No que diz respeito às transcrições de assentos de nascimento registradas por repartições consulares ou diplomáticas brasileiras após a vigência da Emenda 54/2007, porém, cujos registros foram por elas tomados durante a égide da Emenda 3/1994, assentamos a imperiosa necessidade de tais assentos serem transcritos tais como se acharem, porém, cumprirá ao Registrador consignar que, “nos termos do artigo 12, inciso I, “c”, da CF, com redação dada pela EC 54/2007, os filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, nascidos no estrangeiro que não estejam a serviço daquele país e registrados em repartição brasileira competente, são brasileiros natos independentemente de qualquer ato ou condição”.
Por fim, a segunda parte da letra “c”, do inciso I, do artigo 12, da CF, trata da nacionalidade potestativa, ou seja, aquela cuja qual pende a opção, a ser exercida pelo interessado a qualquer tempo depois de atingida a maioridade. A nacionalidade potestativa, por sua vez, é direito que o filho de brasileiro nascido em pais estrangeiro, cujos pais não estavam a serviço do país, não registrado em repartição brasileira competente, tem de realizar o ato de opção pela nacionalidade brasileira. Tal direito poderá ser exercido a qualquer tempo depois de atingida a maioridade. O detentor da nacionalidade potestativa, ao fazer a opção pela nacionalidade brasileira, adquire imediatamente a condição de brasileiro nato, com efeitos retroativos (ex tunc).
Defendemos, por isso, a tese segundo a qual enquanto a referida opção não é exercida passa a constituir ela em condição suspensiva da nacionalidade brasileira que, conforme entendimento da Corte Suprema, tal vigorará a partir da maioridade. Assim, gozará o indivíduo, portanto, de todos os direitos inerentes à nacionalidade brasileira até este evento, após o qual ficarão suspensos aguardando a respectiva opção, não podendo, portanto, ditos brasileiros exercerem direitos inerentes a brasileiros natos. Destarte, dos termos e respectivas certidões constará que, “a condição de brasileiro nato fica sujeita a dois eventos: residência no Brasil e opção perante a Justiça Federal, a ser exercida a qualquer tempo depois de atingida a maioridade”.
Esperamos assim, em poucas linhas, havermos contemplado os temas pontuais acerca da nacionalidade brasileira e o Livro “E”, notadamente dos que detém a chamada nacionalidade potestativa.
Considerando a ausência de normatização por parte da Corregedoria Geral da Justiça após a edição da Emenda Constitucional 54/2007, caberá ao Registrador um olhar atento ao interpretar a matéria, vez que os traslados levados a efeito em sua Serventia conferirão aos seus titulares o status de nacionais, tornando-os aptos para contrair direitos e obrigações com a pátria. Certo mesmo, é que não importa de quem ou onde tenham nascido, o Brasil enquanto “Mãe Gentil” não haverá de renegar qualquer dos seus filhos, e nós Registradores temos um importante papel em nossas mãos.
Por: Wautier Toledo Guimarães é Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições e Tutelas da Sede da Comarca de Cachoeira Paulista-SP
Fonte: Anoreg-BR