Está ficando longe o tempo em que um pai mal sabia segurar seu filho recém-nascido no colo. Ou, quando conseguia dar um banho, era motivo de comemoração e fotos. De vinte anos para cá, mais ou menos, os pais jovens — e nem tão jovens — vêm se aperfeiçoando na arte da puericultura, até porque a vida moderna exigiu esse aprendizado. E como a roda da história não para, esse processo chegou ao ápice com o caso do primeiro pai biológico a receber, no Brasil, o beneficio de 120 dias de licença paternidade. Aos 36 anos, Marcos Antônio Mendonça Melo teve seu primeiro filho. Desde o início da gestação, ficou combinado que ele assumiria o filho sozinho. Nada mais justo, portanto, que ele tenha o tempo necessário para cuidar e, dessa forma, criar o vínculo de afeto com o bebê.
Aos poucos, por meio de jurisprudências, no “caso a caso”, as leis, por mais que sejam normas fixas, vão se adequando às novas realidades. Uma exceção — como o caso citado acima — eclode como uma flor que joga suas sementes no ar. Outros casos similares surgirão até que se estabeleçam normas específicas, que mais adiante são incorporadas ao escopo da lei.
Para além desse novo cenário em que pais biológicos acordam para os cuidados com o bebê, há outras modalidades de pais que vêm acumulando algumas vitórias junto ao Judiciário. São os pais adotantes, solteiros ou — e isso é inédito no país! — o pai que educará a criança no âmbito de uma união homoafetiva.
Tanto o pai biológico quanto o pai adotante têm a desvantagem, digamos assim, de não vivenciar o forte lastro da gestação. Estudos mostram, por exemplo, que até mesmo uma cesariana pode abalar, de certa forma, o vínculo natural entre mãe e bebê. Vínculo este que será reconstituído ao longo dos meses, por meio do cuidado, carinho e atenção. Ora, é justamente para estabelecer o que a natureza não propiciou que estes pais necessitam de um tempo maior em casa.
Vale lembrar que o pai biológico ou adotante têm cinco dias úteis de licença previstos em lei. E que as mães adotantes têm, assim como as biológicas, 120 dias de licença. Entretanto, para as mães adotantes, esse período de licença já variou bastante, e estava relacionado à idade: quanto maior a criança, menor o tempo de licença. Mas, também nesse quesito, estão em curso mudanças significativas. Desde 2009, as leis trabalhistas concedem à mãe adotante o período de 120 dias, independentemente da idade da criança. Mas só recentemente a Previdência Social está sendo obrigada a acatar a norma. Esse descompasso já deu muito trabalho às mães. Atualmente, entende-se que a criança de qualquer idade precisa desse tempo inicial com os novos pais.
O “caso semente” que chamou a atenção para a extensão do benefício aos homens foi o do geógrafo Otaviano Eugênio Batista. Solteiro, aos 52 anos adotou João Carlos, com nove anos. Ele é funcionário do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), em Brasília. Ao passar um mês de férias com o filho recém-adotado, percebeu que precisaria de mais um período para conhecer melhor a criança e estabelecer laços. Otaviano, então, fez uso do princípio da isonomia: assim como mães adotantes têm 120 dias de licença maternidade, ele também queria o benefício.
Agora, a mesma lei que obriga a Previdência a pagar os 120 dias, também estende esse benefício a homens que adotam sozinhos. Mas a lei deu ainda mais um passo. A partir da união civil homoafetiva, casais homossexuais também passaram a constituir família oficialmente e adotar crianças. Até então, quando o faziam, era com o nome de um parceiro ou de outro; ou de uma parceira ou outra, no caso de união entre mulheres. Agora o casal homossexual não só adota, como igualmente um deles pode requerer a licença. Casais de mulheres já tiveram acesso com mais facilidade. Faltava, justamente, que casais masculinos conseguissem o intento.
Pois um casal de homens de Gravataí (RS) — junto legalmente por meio de união civil — entrou para a história das conquistas legais masculinas e marcou também o avanço na área do direito homoafetivo no Brasil. Juntos há 17 anos, os dois rapazes levaram três anos para conseguir a adoção e mais dois para obterem o benefício da Previdência. Para eles, um casal de lésbicas foi o exemplo. Elas adotaram um bebê e obtiveram o benefício da Previdência sem problemas. No entanto, por serem homens, tiveram de juntar argumentos. Citaram o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal e alegaram que o benefício previdenciário da licença não é destinado ao pai ou à mãe, mas sim, à criança.
Para se ter uma ideia do avanço que isso representa em termos de direitos iguais e plena cidadania, países como a França ainda estão patinando nessa questão. Lá, os homossexuais franceses brigam, como aqui, pelo direito ao casamento civil — que no Brasil já foi concedido em alguns casos — e pelo direito à adoção legal para casais homossexuais. Temas, aliás, que constaram na pauta das últimas eleições francesas.
Vale lembrar, entretanto, que ainda há muito a se pensar em relação às licenças maternidade e paternidade. Se são concedidas aos homens a partir da falta da mãe, pressupõe-se que essa mãe não pleiteou a licença. Mas quando homens começam a receber o benefício, no cômputo geral, é fácil imaginar, a Previdência terá de desembolsar mais valores. A questão é: ela aguenta? Pelo sim, pelo não, a lei está aí, favorecendo homens, mulheres e, principalmente, as crianças.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.
Fonte: Conjur