O Código Civil de 1916, nascido sob a influência da Revolução Francesa, adotava os valores do “Estado Liberal”.
O marido era o chefe da sociedade conjugal, função que exercia com a colaboração da mulher. No exercício dessa atividade, cabia ao marido prover a manutenção da família. A obrigação de sustentar a mulher, cessava para o marido, quando ela abandonava a habitação conjugal, e a este recusava voltar.
Até a entrada da Constituição Federal de 1988, no nosso ordenamento jurídico, esses valores citados, estavam definidos no Código Civil de 1916.
Porém a chegada do Estado Social, Democrático de Direito, agrega novos valores, ao nosso ordenamento jurídico. A dignidade da pessoa humana, como valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida; também a igualdade entre homens e mulheres.
A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no novo texto constitucional total aplicabilidade em relação ao planejamento familiar, considerada a família célula da sociedade.
O princípio da igualdade constitucional (artigo 5 da CF), assegura a todos os cidadãos o direito de tratamento idêntico pela lei.
A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição Proclama. Portanto, cabe ao intérprete, aplicar a lei, de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.
“O princípio isonômico revela a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas”. (STF – 2ª. T. Ag.207.130-1/SP – rel. Min Marcos Aurélio.
Afirma o artigo 5, I, da CF, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
A interpretação desse dispositivo torna inaceitável a discriminação em razão do sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem e a mulher, aceitando-o, porém, para atenuar os desníveis.
A CF nos arts. 7, inciso XVIII e XIX; 143, parágrafo 1 e 2, 202, I e II, prevê tratamentos diferenciados, de igual forma o legislador infraconstitucional poderá atenuar os desníveis no tratamento em razão do sexo; porém, jamais beneficiando um deles.
Em virtude da ótica constitucional, o atual Código Civil, em vários dispositivos estabelece: o casamento, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, (art.1.511), que homem e mulher são responsáveis pelos encargos da família (art. 1.565), que a sociedade conjugal será exercida em colaboração, pelo marido e pela mulher (art.1.567), que os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, para o sustento da família e educação dos filhos (art.1.568), enfim a igualdade entre o homem e a mulher presente na legislação infraconstitucional.
Obviamente todos os dispositivos citados se aplicam a união estável, que também é uma forma de constituir família.
Portanto, não mais possível atribuir somente ao marido ou companheiro, o sustento da família. Os cônjuges e companheiros, na proporção de seus bens e dos rendimentos, assumem mutuamente os encargos da família.
No caso de dissolução da sociedade conjugal ou da união estável, a regra para estabelecer alimentos entre o casal, obviamente deverá atender o princípio constitucional da igualdade, entre homens e mulheres, artigo 5, inciso I, da CF.
Os alimentos entre cônjuges e companheiros, fundamenta na mútua assistência, e entre parentes na solidariedade. Destarte, não se exaurindo o vínculo entre parentes, os alimentos são permanentes, irrenunciáveis.
Entre cônjuges e companheiros a situação se modifica. Marido e mulher, ou mesmo companheiros, não são parentes, são consortes companheiros, enquanto durar a comunhão de vida. Daí que, quando do fim da comunhão de vida, os alimentos poderão ser determinados entre o casal de forma consensual ou pelo juiz condutor do feito.
Importante consideração: o direito de pleitear alimentos é devido ao homem e a mulher.
A mulher que desfruta de condições físicas e mentais para o trabalho, deve concorrer para o seu sustento e da prole. De igual forma o homem.
Exercício de profissão determina condições próprias de subsistência.
Porém, atenuando os desníveis que a igualdade constitucional pode ensejar, exemplificaria a situação da mulher, que sempre exerceu a função “do lar”, que manteve um vínculo de dependência com o marido ou companheiro, não se profissionalizando. Em situações dessa natureza, os alimentos devem ser fixados e mantidos, pois estão inseridos no direito à vida, o mais fundamental de todos os direitos. Cabe ao Estado assegurar o direito à vida em sua dupla acepção: o direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.
Outro fato importante: vale a dispensa dos alimentos, ou renúncia, quando da dissolução da sociedade conjugal? A minha resposta é afirmativa. Na interpretação civil-constitucional, o artigo 1.707, do Código Civil, veda a renúncia ao direito a alimentos, somente entre parentes. Essa ilação é fruto das seguintes premissas: os alimentos fixados entre parentes se fundamenta na solidariedade, e via de regra não se exaure. Já os alimentos entre cônjuges e companheiros se alicerça na mútua assistência; e terminada a união, cessa o fundamento para os alimentos. O ex-cônjuge, ou ex-companheiro, necessitando de alimentos deverá pleitear de seus parentes, os quais sejam: ascendentes, descendentes e colaterais, de 2. grau,( artigos 1.696 e 1.697, do Código Civil).
Portanto, alimentos após a dissolução da sociedade conjugal, somente na hipótese de já estar avençado pelas partes ou fixado pelo Juízo da Família, quando da separação judicial, extrajudicial ou divórcio.
De igual forma, alimentos uma vez pactuado pelo casal, ou mesmo fixado pelo Juízo, quando da separação ou divórcio, ocorrendo a exoneração dos mesmos,( artigo 1.699 do Código Civil), não podem ser restabelecidos à pretexto de hipossuficiência econômica, ou mesmo doença. Mais uma vez insisto, aos parentes é que deve o ex-cônjuge ou ex-companheiro, buscar alimentos.
O STJ entendeu:
“Ser válida e eficaz a cláusula de renúncia a alimentos constante da separação judicial, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo, porém, se quando da dissolução da separação judicial, as partes pactuaram pela renúncia aos alimentos, não mais ocorrerá a possibilidade de obtê-los, por ilegitimidade ativa. (REsp. 701.902/SP, Rela. Mina. Nancy Andrighi, 3ª, Turma, 15.09.2005).
Há dois projetos no Congresso Nacional, no sentido de inserir no artigo 1.707 do CC, que “os alimentos são renunciáveis na separação judicial, divórcio e dissolução da união estável”. Portanto, a “irrenunciabilidade”somente terá aplicabilidade nos casos que envolvam o “parentesco”.
Assim, a interpretação do Direito Civil sob a ótica da Lei Maior e dos princípios que norteiam o atual Código Civil, socialidade, eticidade e a operabilidade, devem ser aplicados para todo o ordenamento jurídico civil.
Termino ressaltando, há de ser acolhida a autonomia da vontade privada das partes com os padrões mínimos, socialmente reconhecidos, de lealdade e lisura para a proteção de ambas as partes.
A segurança jurídica estruturada pela boa-fé objetiva e a função social deverão ser delimitadores da autonomia das partes.
Bibiliografia:
Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, 6ª. Edição, editora Atlas, 2005 – São Paulo – SP.
Maria Luiza Povoa Cruz, Separação Divórcio e Inventário Por Via Administrativa, 2ª. Edição, Editora Del Rey, 2007, Belo Horizonte – MG.
Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza da 2ª Vara de Família e Sucessões de Goiânia e presidente do IBDFAM-GO.
Fonte: IBDFAM