BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE VALIDAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DECLARADA INCOMPLETA POR FALTA DE ASSINATURA
Por Felipe Leonardo Rodrigues
Entende-se por escritura pública a interpretação formal ou instrumental de ato ou negocio jurídico, feita por notário público, a pedido das partes interessadas, em consonância com os preceitos legais1.
Escritura pública – por trata-se de ato solene – deve conter os requisitos obrigatórios, para então ventilar seus efeitos no mundo jurídico.
Dentre os requisitos necessários, está à obrigatoriedade de colher as assinaturas das partes presentes ao ato, conforme determina o inciso VII, § 1º, art. 215, do Código Civil Brasileiro, que dispõe in verbis:
Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.
§ 1º Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:
(…)
VII – assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato. (Itálico nosso).
(…)
Como se extrai da interpretação lógica deste inciso consoante com o seu caput e parágrafo, as assinaturas das partes comparecentes ao ato notarial é requisito solene exigido por lei, que simboliza o consentimento emitido, ou seja, é a manifestação de vontade livre de qualquer coação, induzimento ou constrangimento.
Paulo Roberto G. Ferreira2, Tabelião de Notas, leciona que:
“Não se admite ato notarial sem consentimento, salvo a exceção feita à ata notarial3”.
Na eventual falta de assinatura de uma das partes envolvidas no ato notarial, as Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, precisamente no item 26.1, prevê que:
“Na ausência de assinatura de uma das partes, o tabelião declarará incompleta a escritura, consignando as assinaturas faltantes; pelo ato serão devidos emolumentos e custas, ficando proibido o fornecimento de certidão ou traslado sem ordem judicial” (Itálico nosso).
Dessa forma, confirmada a vontade de uma das partes em não celebrar a escritura, o ato torna-se incompleto por força normativa, cuja eficácia fica suspensa no plano da teoria do fato jurídico, não tendo os seus efeitos ventilados no mundo jurídico.
Aliás, para nós, esse ato notarial não é anulável nem nulo, uma vez que não preteriu solenidade que a lei considera essencial para a sua validade, consoante estabelece o art. 166, V, do Código Civil Pátrio, isto é, para ser nulo, o instrumento público teria que transitar incompleto no trafego jurídico.
Ademais, haveria nulidade do ato notarial, se p. ex., houvesse à ausência de advogado na ocasião da lavratura da escritura pública de divórcio ou não sendo ela lida perante as partes, a teor do art. 166, inc. V do Código Civil.
Vale notar, que o ato notarial nulo não é possível de convalidação, cf. prevê o art. 169 do Código Civil, o qual merece transcrição:
“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. (Itálico nosso).
Feita estas considerações, a falta de assinatura de uma das partes na escritura pública por si só torna o ato notarial incompleto, exceto se do próprio ato consignar tal exigência.
Visualizando um caso concreto, a parte vendedora assina a escritura e a parte compradora se recusa a assinar por motivos alheios ao negócio celebrado. Meses depois a parte compradora manifesta a vontade de convalidar o ato declarado incompleto por falta de sua assinatura. Pergunta-se: é possível a lavratura de uma nova escritura de ratificação do negócio pendente de aperfeiçoamento?
A resposta não é das mais fáceis, não obstante as normas de serviço paulista nada mencionar a respeito, cremos pela possibilidade da ratificação de escritura pública declarara incompleta, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço; ou se a assinatura faltante for do vendedor, este assinará a escritura de ratificação, inclusive dando quitação do preço.
Se a parte compradora ou vendedora – de livre e espontânea vontade – deseja validar o ato notarial declarado incompleto, não percebemos vedação nesse sentido.
Corrobora o nosso entendimento, alguns itens do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná, que prevêem expressamente a possibilidade de validação do ato declarado incompleto:
11.2.9.4 – Em casos excepcionais a escritura anteriormente declarada incompleta poderá ser ratificada, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço.
11.2.9.5 – Para a convalidação da escritura o notário deverá lavrar escritura de ratificação, aproveitando o ato praticado, sendo que a parte que não compareceu na data designada para assinatura deverá assumir a responsabilidade civil e criminal pelas declarações inseridas na nova escritura.
11.2.9.6 – Havendo qualquer dúvida ou não podendo entrar em contato com a parte vendedora, o notário deverá abster-se de lavrar a escritura de ratificação, sob pena de responsabilidade.
11.2.9.7 – O notário deverá anotar a lavratura da escritura de ratificação junto à escritura anteriormente declarada incompleta, revalidando o ato. (Itálico nosso).
Outra questão não menos tormentosa, trata-se do princípio da unicidade do ato notarial. Por ele, ato deve conter uma unicidade de contexto, tempo e lugar4. A nosso ver, tal princípio – no presente caso – dever ser aplicado de forma mitigada por suas peculiaridades, uma vez que os elementos formadores do ato foram observados no ato declarado incompleto, sendo o mesmo aperfeiçoado com a subscrição da assinatura (leia-se consentimento) na escritura validadora.
Sem mais delongas, para concluirmos, algumas cautelas devem ser tomadas:
i) o tabelião que declarou incompleto o ato notarial originário deve lavrar a nova escritura de validação, em razão de obter elementos que balizem o novo ato notarial; bem como proceder a devida anotação à margem do ato originário das informações da escritura de validação do negócio;
ii) o notário deve individualizar e especificar a assinatura faltante.
iii) o tabelião não poderá alterar as cláusulas da escritura originária;
iv) o ato notarial tornado sem efeito não é passível de convalidação ou ratificação;
v) no registro, a parte interessada, deve apresentar as duas escrituras (a originária e a ratificadora), ocasião em que o Registrador Imobiliário analisará os atos notariais, em especial, o motivo que levou o tabelião a declará-la incompleta. Convicto do aperfeiçoamento e demais elementos da escritura, o Oficial registrará as escrituras num só registro.
Referências:
1MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática dos Atos Notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
2FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger Ferreira em co-autoria com Francisco José Cahali, Antonio Herance Filho e Karin Regina Rick Rosa. Escrituras Públicas – Separação, Divórcio, inventário e Partilha Consensuais. São Paulo: RT, 2007.
3Na recusa imotivada do solicitante em assinar a ata notarial, o tabelião portará por fé tal circunstância e subscreverá o ato, perfectibilizando-o, já que tal falece de outorga.
4Idem.
Fonte: Colégio Notarial do Brasil