Artigo – Conversão de união estável em casamento – Por Mario de Carvalho Camargo Neto

Introdução. 1. Relevância Social da Conversão da União Estável em Casamento. 2. A Constituição e a Legislação. 3. Estado de São Paulo – Corregedoria Geral da Justiça. 4. Comparação com outros Estados. 4.1 Paraná 4.2 Mato Grosso do Sul e Minas Gerais 4.3 Rio de Janeiro. 5. Formas de Conversão de União Estável em Casamento. 5.1 Legalidade das Formas de Conversão, Proposta de Interpretação do Artigo. 1.726 do Código Civil. 5.2 Competência do Juiz de Direito e Competência do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais. 6. Considerações Finais. Bibliografia

Introdução

A Constituição Federal de 1988, que define a família como base da sociedade, reconhece a união estável como entidade familiar, outorga-lhe especial proteção do Estado e prevê que a legislação deverá facilitar sua conversão em casamento.

Todavia, não é clara a forma que a conversão tratada no texto constitucional deve tomar, havendo posicionamentos contraditórios na doutrina jurídica e na prática dos diferentes estados da federação.

Este estudo se propõe a contribuir para a compreensão do tema, analisando alguns de seus aspectos e seus reflexos no Registro Civil das Pessoas Naturais.

1. Relevância Social da Conversão da União Estável em Casamento

No ano de 2000, segundo os dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, 28,6% das uniões entre pessoas com mais de 15 anos de idade no Brasil tinham natureza de união consensual2, sendo que, no Estado de São Paulo, essa proporção era de 23,9%.

Os casamentos perderam espaço para as uniões informais, durante toda a década de noventa e até o ano de 2002, como se constatou pelas Estatísticas do Registro Civil daquele ano3:

A taxa de nupcialidade caiu, no Brasil, durante toda a década de 1990, e se estabilizou de 2001 para 2002. Em 1991 foram registradas 7,5 uniões legais por mil habitantes, e o número caiu para 5,7 por mil em 2001 e 2002. A taxa considera apenas a população em idade de casar, ou seja, com 15 anos ou mais. Sua queda sinaliza que o casamento formal vem perdendo força no país, cedendo espaço às uniões informais.

Porém, de 2002 até 2006, houve crescimento na quantidade de casamentos, o que foi atribuído à formalização das uniões consensuais, como se verificou:

Em 2006, o total de casamentos registrados no Brasil foi de 889.828, 6,5% superior ao total de 2005, mantendo a tendência de crescimento que vem sendo observada no País, desde 2002, e decorrente em parte, da formalização de uniões consensuais4(não destacado no original).

Atribui-se este crescimento, verificado entre 2002 e 2006, ao aumento do número de casais que procuraram formalizar suas uniões consensuais, incentivadas pelo código civil renovado em 2002 e pelas ofertas de casamentos coletivos promovidos desde então, iniciativas que facilitaram o acesso ao serviço de registro civil de casamento sob os aspectos burocrático e econômico5(não destacado no original).


Esses dados constatam que na sociedade brasileira há elevada proporção de uniões informais, seja por razões culturais, seja por motivos econômicos.6 Demonstram, também, que a conversão das uniões consensuais em casamentos é pratica comum que tem aumentado nos últimos anos.

A oficialização das uniões conjugais na forma de casamento civil é fundamental para a melhor elaboração de políticas públicas, pois aproxima da realidade as estatísticas do Registro Civil7, que são mais fácil e imediatamente obtidas.

Sob o aspecto subjetivo, tal oficialização também se revela importante por possibilitar que os envolvidos formalizem sua união e gozem dos direitos e proteções legais conferidos ao casamento.

Cumpre observar que, apesar da proteção outorgada pela Constituição, a união estável não se identifica com o casamento, apresentando diferenças quanto às relações pessoais8, aos direitos patrimoniais9 e sucessórios10, à prova da união11, entre outros aspectos.

Evidencia-se, assim, que, diante das características da sociedade brasileira, há grande relevância social em se facilitar a conversão da união estável em casamento, cumprindo-se o previsto na Constituição Federal e facilitando-se o exercício da cidadania.

2. A Constituição e a Legislação

A Constituição Federal de 1988, com o intuito de proteger a família formada pela união estável, previu em seu artigo 226, § 3º, que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Passaram-se quase oito anos até a legislação tratar da conversão mencionada no dispositivo constitucional, o que ocorreu com a Lei nº 9.278/96, a qual dispunha em seu artigo 8º que: “Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da circunscrição de seu domicílio”.

Parte da doutrina considerou essa disposição “vaga e deficiente”12, por não prever procedimento, o que levou à sua não aplicação em alguns Estados, por falta de norma regulamentadora.

Não foi o ocorrido no Estado de São Paulo, onde a matéria foi regulamentada no mesmo sentido do entendimento de Paulo Martins Carvalho Filho13, que propunha que:

Requerida a conversão e após o processo de habilitação, o Oficial fará o registro do casamento no livro próprio, independentemente dos atos solenes previstos nos arts. 192 a 194 do CC (1533 a 1535 do Código Civil de 2002).

E complementava, justificando a inexigibilidade de provas da união:

A lei não exige seja o requerimento instruído com prova da união estável, como o contrato, que pode inexistir, ou o reconhecimento judicial; assim se justifica porque a existência da união estável, para os efeitos de sua conversão em casamento, é de interesse exclusivo dos pretendentes.

Todavia, com a edição da lei 10.406/02, Código Civil, a matéria recebeu novo regramento, prevendo-se no artigo 1.726 que “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”.

Diante dessa redação, Álvaro Villaça de Azevedo defende que cessou a competência do Oficial de Registro Civil para recebimento do pedido de conversão de união estável em casamento, devendo este ser direcionado ao Juiz de Direito, que analisará as circunstâncias e decidirá. Havendo deferimento, será determinada a lavratura do assento no Registro Civil, dispensando-se o processo de habilitação para o casamento.

Em que pese o posicionamento do ilustre professor, o código civil realmente dificultou a conversão da união estável em casamento ao exigir a intervenção judicial, pois:

Se duas pessoas solteiras em regra podem se casar livremente, sem qualquer intervenção jurisdicional, não se entende o porquê de duas pessoas que já convivem em união estável também não poderem14.

O caráter complicador da lei e sua aparente inconstitucionalidade foram percebidos pelo legislador nacional, havendo Projetos de Lei15 16 em tramitação na Câmara de Deputados, como o PL 3.005/2003 do deputado Sandes Junior, que propõe a seguinte redação para o mencionado artigo 1.726:

Art. 1.726. A união estável poderá, a qualquer tempo, converter-se em casamento, mediante requerimento conjunto dos companheiros ao Oficial do Registro Civil da circunscrição do seu domicílio.
§1º Ao processo administrativo de conversão de que trata o caput deste artigo aplica-se, no que couber, o procedimento relativo ao registro de casamento religioso realizado sem prévia habilitação.
§2º À conversão em casamento das uniões estáveis de pessoas pobres aplica-se a gratuidade de que trata o parágrafo único do artigo 1.512 deste Código.


Justifica a alteração:

A conversão da união estável em casamento é, assim, imperativo constitucional, e a determinação ao legislador de facilitá-la significa que devem ser removidos os empecilhos que porventura possam dificultá-la, promovendo os meios necessários à simplificação do ato e abrindo mão de formalidades que possam, sem prejuízo do essencial, ser dispensadas.

E finaliza, ressaltando que:

O Poder Judiciário já se encontra abarrotado de processos e os juízes têm questões mais relevantes para resolver do que se envolver numa simples conversão de união estável em casamento. Dadas as notórias dificuldades operacionais que o Judiciário enfrenta, devemos preferir a modalidade de conversão pela via administrativa, que melhor atende ao comando constitucional de facilitação previsto no §3º do artigo 226 da CF/88.

3. Estado de São Paulo – Corregedoria Geral da Justiça

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, na redação dada pelo Provimento CG nº 10/96, posterior à promulgação da Lei 9.278/1996, pelo então Corregedor-Geral, Desembargador Marcio Martins Bonilha, apenas exigiam o pedido perante o oficial de registro, o processo de habilitação e a publicação de editais, com o seguinte texto:

92 A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicilio.
92.1 Recebido o requerimento será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 56 a 79 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento.
92.2 Decorrido o prazo legal do edital, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato de celebração do matrimônio. (…)
92.4 A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil.
92.5. Não constará do assento do casamento, convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do início desta.


Após a entrada em vigência do Código Civil em 2003, a Corregedoria Geral da Justiça reafirmou seu posicionamento de não se exigir reconhecimento judicial para a conversão de união estável em casamento, no Processo CG nº 747/2004, em cujo teor limitou-se a atuação judicial à mera homologação do pedido de conversão junto ao processo de habilitação, entendendo ser esta a melhor interpretação de acordo com a Constituição.

Assim ressaltou o parecer do Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. José Antônio de Paula Santos Neto:

Cogita-se da orientação insculpida no parágrafo 3º do artigo 226 da Magna Carta, segundo a qual, “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão”.
O emprego do vocábulo facilitar induz, por óbvio, no respeito às normas concernentes à comentada conversão, ao entendimento menos oneroso para os conviventes, assim como tão consentâneo à singeleza procedimental quanto possível.


Reconheceu-se a inovação gravosa do Código Civil:

É verdade que o atual Código Civil trouxe, ele próprio, inovação complicadora, ao estabelecer em seu artigo 1726 que depende a focalizada conversão de “pedido dos companheiros ao juiz”.

Porém, afastou-se a inconstitucional complicação por meio de interpretação legislativa:

Esta – e não outra – a correta interpretação que merecem as disposições legais e normativas em apreço, por harmoniosa em relação ao comando do parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição da República, segundo o qual, já sabe, dita conversão será facilitada pelo ordenamento.
Lúcido e pertinente o escólio de Carlos Maximiliano: “Toda prescrição legal tem provavelmente um escopo, e presume-se que a este pretenderam corresponder os autores da mesma, isto é, quiseram tornar eficiente, converter em realidade o objetivo ideado. A regra positiva deve ser entendida de modo que satisfaça aquele propósito; quando assim se não procedia, construíam a obra do hermeneuta sobre a areia movediça do processo gramatical. Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida”.


E concluiu:

Aqui o alvo colimado é de constitucional limpidez: facilitar a transformação da união firme em casamento.

Esse parecer foi acolhido pela Corregedoria Geral da Justiça e recebeu força normativa, ficando determinado que:

Ante a redação do artigo 1.726 do Código Civil, que os pedidos de conversão de união estável em casamento sejam sempre submetidos ao Juiz Corregedor Permanente do Oficial incumbido da habilitação, sem prejuízo do disposto nos subitens 91.1 a 91.5 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da justiça, até que advenha a ampla reformulação destas, já em adiantado estudo, para definitiva adequação as inovações legislativas.

A referida reformulação ampla das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça foi realizada pelo Provimento CG nº 25/2005, entretanto, nada foi alterado no tocante à conversão da união estável em casamento, mantendo-se a desnecessidade de justificação judicial, a exigência de processo de habilitação, publicação de editais e homologação do juiz corregedor permanente, com o seguinte texto:

87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes ao Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais de seu domicílio.
87.1 Recebido o requerimento será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste capitulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento.
87.2 Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente.


Todavia, a exigência de homologação pelo Juízo Corregedor Permanente, que pode ser dispensada para os casamentos, foi considerada complicadora e contrária ao dispositivo constitucional, o que levou à alteração das Normas de Serviço pelo Provimento CG nº 14/200617.

Na brilhante decisão do Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. Roberto Maia Filho, a qual deu ensejo ao referido provimento, argumentou-se:

Inequivocamente, quem parte do estado de solteiro para o casamento, percorre distância maior do que aquele que, já vivendo em união estável, pretendente sua mera conversão em matrimônio. Assim, nada justifica que, na primeira hipótese (casamento direto), haja facilitação (com a possibilidade de dispensa da manifestação judicial), inexistente no segundo caso (conversão de união estável).
Haveria patente desarmonia em tal situação, até mesmo porque a mera conversão, enquanto transformação de algo que já existe, dispensa o evento solene (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, capítulo XVII, item 87.3) previsto para o caso do matrimônio, que, por seu turno, dá origem a uma situação inteiramente nova.


Reconheceu-se que, diante da determinação constitucional, o procedimento de conversão de união estável em casamento não poderia ter maior complexidade do que o casamento direto:

Note-se haver determinação constitucional para a facilitação da conversão de união estável em casamento (artigo 226, § 3°, da Carta Magna), o que jamais permitiria ter este procedimento maior complexidade e demora superior, em relação àquele relativo à habilitação direta para o matrimônio.
De fato, o emprego do vocábulo facilitar induz, por óbvio, no que diz respeito às normas concernentes à comentada conversão, ao entendimento menos oneroso para os conviventes, assim como tão consentâneo à singeleza procedimental quanto possível.
Em se interpretando literalmente o artigo 1.726 do Código Civil, em descompasso com o mandamento contido na norma constitucional, nada teria sido facilitado.


Foram alteradas as Normas de Serviço, passando o capítulo XVII a ter a seguinte redação, vigente até hoje:

66. O Juiz Corregedor Permanente, tendo em vista o número de procedimentos de habilitação existentes na Comarca, poderá por portaria determinar que a homologação será necessária apenas nos casos onde o Oficial Registrador antevir questões relativas à identificação da presença de impedimentos ou causas suspensivas, bem como na hipótese de segundas núpcias quando não atingida a maioridade civil. (…)
87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio.
87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste CAPÍTULO, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento.
87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, salvo se este houver editado portaria nos moldes previstos no item 66 supra.


Verifica-se que, de acordo com o entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, com base em interpretação teleológica e constitucional, não se exige procedimento judicial para conversão de união estável em casamento. Pelo contrário, nos moldes atuais, é possível a dispensa até mesmo da mera homologação pelo Juízo Corregedor Permanente no processo de habilitação.

Requerida a conversão ao Oficial de Registro Civil, exige-se prévia habilitação de casamento e publicação de editais de proclamas, bem como superação dos impedimentos e adoção de regime de bens. O assento, por fim, deve ser lavrado no Livro B, sem que haja celebração ou solenidades:

87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio.
87.4. O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no Livro “B”, exarando-se o determinado no item 81 deste CAPÍTULO, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento.
87.5. A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil.


Observa-se, porém, que a Corregedoria Geral da Justiça proíbe, em qualquer hipótese, que conste do assento de casamento a data do início da união estável, não se prestando o registro como prova da duração da união para fins de produção de efeitos em período anterior à conversão em casamento.

87.6. Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do início, período ou duração desta.

4. Comparação com outros Estados da Federação

Após análise do procedimento adotado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, passa-se a tratar dos provimentos e normas de Corregedorias Gerais de Justiça de outros estados da federação, para melhor compreensão de como a matéria tem sido tratada.

Optou-se por analisar a situação dos Estados vizinhos a São Paulo.

4.1 Paraná

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná, no capítulo 15, seção 7, de seu Código de Normas, prevê procedimento muito semelhante ao do Estado de São Paulo.

Segundo o regulamento, a conversão de união estável em casamento deve ser por requerimento direcionado ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, no qual obrigatoriamente menciona-se a data de início da união, devendo ser acompanhado de declaração de inexistência de impedimentos:

15.7.1 – A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes ao oficial do registro civil das pessoas naturais de seu domicílio.
15.7.1.1 – Cumpre aos conviventes apresentar requerimento acompanhado de declaração de que mantêm união estável e de inexistência de impedimentos para o matrimônio.
15.7.1.2 – No requerimento será indispensável a indicação da data do início da união estável.


Recebido o requerimento, devem ser cumpridas as formalidades do processo de habilitação e da publicação de editais de proclamas, não sendo dispensadas vista do Ministério Público e homologação pelo juiz. Superados os impedimentos, o assento é lavrado no Livro B, independentemente de celebração e solenidades, sujeitando-se o casamento ao regime de bens escolhido e às normas de ordem pública:

15.7.2 – O requerimento e os documentos serão autuados como habilitação, observando o disposto na seção 5 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento.
15.7.3 – Após a expedição dos editais de proclamas e certificadas as circunstâncias, abrir-se-á vista da habilitação ao Ministério Público, para análise do aspecto formal, com posterior encaminhamento ao juiz da vara de registros públicos, para homologação.
15.7.4 – Decorrido o prazo legal do edital e observadas as disposições do item anterior, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio.(…)
15.7.6 – A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil, bem como ficarão sujeitos a todas as normas de ordem pública pertinentes ao casamento.
15.7.6.1 – O regime de bens será indicado na respectiva declaração dos companheiros e, se não houver prévia estipulação, prevalecerá, no que couber, o regime da comunhão parcial.


Embora preveja a obrigatoriedade de se declarar a data de início da união, as normas do Paraná proíbem que esta circunstância conste da certidão expedida, não servindo como prova da duração de tal união para fins de produção de efeitos em período anterior à conversão em casamento:

15.7.7 – Não constará da certidão de casamento, oriundo da conversão da união estável, a data do início desta.

4.2 Mato Grosso do Sul e Minas Gerais

As Corregedorias Gerais da Justiça dos Estados do Mato Grosso do Sul e de Minas Gerais, de forma muito semelhante, prevêem procedimento perante o Juiz de Direito para a conversão da união estável em casamento.

Segundo o Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (CN/CGJ-MS) e o Provimento Nº 133/CGJ/2005 (Prov. 133/CGJ-MG) da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais, a conversão de união estável em casamento deve ser requerida ao Juiz de Direito competente:

(CN/CGJ-MS)Art. 670. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes ao juiz competente e assento no registro civil.

(Prov. 133/CGJ-MG) Art. 1º. A conversão da união estável em casamento será procedida mediante pedido ao Juiz de Direito.


O pedido deve ser instruído com os documentos necessários ao processo de habilitação, e ficam dispensados os proclamas e os editais:

(CN/CGJ-MS) art. 670 § 1°. O pedido inicial será instruído com a certidão de nascimento ou documento equivalente e, se for o caso, autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estejam os conviventes, ou autorização judicial. Deverá constar, ainda, a opção quanto ao regime de bens e ao sobrenome.
§ 7°. Ficam dispensados os proclamas e os editais.

(Prov. 133/CGJ-MG) Art. 1º § 1º O pedido inicial será instruído com a certidão de nascimento ou documento equivalente (art. 1.525, I, do Código Civil) e, quando for o caso, autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estejam os conviventes, ou autorização judicial (art. 1.525, II, do Código Civil), devendo constar, ainda, a opção quanto ao regime de bens e ao sobrenome.
Art. 5º. Os proclamas e os editais ficam dispensados.


A participação de representante do Ministério Público é obrigatória. Audiência para a apuração dos elementos constitutivos da união estável é designada:

(CN/CGJ-MS) art. 670 § 2°. A participação do representante do Ministério Público é obrigatória.
§ 3°. O Juiz designará audiência para ouvir os requerentes e, no mínimo, duas testemunhas.
§ 4°. Na audiência o Juiz verificará se estão presentes os requisitos do art. 1.723, do Código Civil. Verificará, ainda, se não ocorrem os impedimentos previstos no art. 1.521, do referido código. Não se aplicará o disposto no inciso VI, desse artigo, se a pessoa casada achar-se separada de fato ou judicialmente.

(Prov. 133/CGJ-MG)Art. 2º. É obrigatória a participação do representante do Ministério Público no procedimento de conversão da união estável em casamento.
Art. 3º. O Juiz de Direito designará audiência para ouvir os requerentes e, no mínimo, duas testemunhas – não impedidas ou suspeitas, verificando se estão presentes os requisitos do art. 1.723 e se não ocorrem os impedimentos previstos no art. 1.521 do Código Civil.
§ 1º Não se aplicará o disposto no inciso VI do artigo 1.521 do Código Civil, se a pessoa casada achar-se separada de fato ou judicialmente.


É possível dispensar-se a audiência, caso os requerentes declarem a inexistência de impedimentos e comprovem a união estável. A qualquer pessoa que saiba da existência de algum impedimento é permitido intervir no feito:

(CN/CGJ-MS) Art. 670 § 5°. Poderá a audiência ser dispensada se os requerentes declararem a inexistência dos impedimentos acima e comprovarem a união estável mediante prova documental.
§ 6°. Qualquer pessoa que souber da existência de algum dos impedimentos previstos no art. 1.521, do Código Civil, poderá intervir no feito.

(Prov. 133/CGJ-MG)Art. 3º§ 2º A audiência poderá ser dispensada se os requerentes declararem de próprio punho a inexistência dos impedimentos mencionados e comprovarem a união estável mediante prova documental.
Art. 4º. Qualquer pessoa que souber da existência de algum dos impedimentos elencados no art. 1.521 do Código Civil poderá intervir no feito.


Homologada a conversão, é expedido mandado para registro no Livro B-Auxiliar da serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais. Caso haja fixação do termo inicial da união estável, este é válido para todos os efeitos e deve, obrigatoriamente, constar do assento lavrado, o qual serve como prova:

(CN/CGJ-MS) Art. 670 § 8°. O Juiz, a requerimento dos conviventes, poderá fixar o termo inicial da união estável, para todos os fins.
§ 9°. Homologada a conversão o Juiz expedirá mandado para registro no Livro B-Auxiliar.
Art. 670-A. Do assento constará obrigatoriamente tratar-se de conversão de união estável em casamento. No caso de haver decisão judicial fixando o termo inicial, deverá constar também do assento essa data.
Art. 6º. O Juiz de Direito, a pedido dos requerentes, poderá fixar o prazo a partir do qual a união estável restou caracterizada.

(Prov. 133/CGJ-MG)Art. 7º. Homologada a conversão (art.1726 do Código Civil) o Juiz de Direito expedirá mandado para que o competente Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais proceda ao assento no Livro “B – Auxiliar”. § 1º Do assento constará obrigatoriamente tratar-se de conversão de união estável em casamento.
§ 2º No caso de haver decisão judicial fixando o termo inicial, deverá constar também do assento esta data.


4.3 Rio de Janeiro

No Estado do Rio de Janeiro, o Provimento CGJ nº 20/2000 prevê pedido perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, dispensa os editais de proclamas e determina a fixação do início da união estável, ao qual retroagem o registro e seus efeitos. Apesar de o mencionado provimento ter redação anterior ao Código Civil, é interessante conhecer seu teor:

Art. 1o. – A conversão de que trata o art. 8o. da Lei 9.278/96 far-se-á perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais da Circunscrição do domicílio dos conviventes, mediante declaração voluntária de ambos, do tempo de duração efetiva de vida em comum, apresentando-se os seguintes documentos:
I – Certidão de nascimento ou prova equivalente;
II – declaração do domicílio atual dos conviventes;
III – declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou estranhos, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que obste a conversão;
IV – Certidão de óbito do cônjuge falecido, da anulação do casamento anterior ou certidão de casamento com averbação da sentença de divórcio, se for o caso.
Parágrafo Único – A simples declaração dos interessados concernente ao tempo de duração da convivência supre a necessidade de sua comprovação.
Art. 2o. – O Oficial do Registro, à vista dos documentos exigidos e independentemente do edital de proclamas, lavrará o assento de casamento, devendo constar a data indicada como início da vida em comum.
Parágrafo Único – O assento, lavrado no Livro B, retroagirá seus efeitos à data do início da união, ou à data da cessação dos impedimentos legais.
Art. 3o. – Será expedida certidão de casamento, na qual não se mencionará a circunstância de tratar-se de conversão da união estável em casamento, devendo tal designação constar apenas do respectivo assento.


5. Formas de Conversão de União Estável em Casamento

Duas são as formas apresentadas para a conversão de união estável em casamento: a administrativa e a judicial.

A conversão administrativa é requerida perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais; submete-se ao processo de habilitação, que, salvo se dispensado, passa por vista do representante do Ministério Público e é homologado pelo juiz; depende de publicação de edital de proclamas; e seu assento é lavrado, sem que conste a data de início da união estável, não servindo o registro como prova da duração desta.

A conversão judicial é requerida perante o Juiz de Direito e depende de verificação da existência de união estável, por meio de procedimento que prevê juntada de provas e designação de audiência e que permite intervenções. Uma vez homologada, o juiz de direito determina sua lavratura ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, independentemente de habilitação ou publicação de edital de proclamas, devendo constar do assento a data de início da união estável, caso tenha sido fixada. O registro do início da união poderá servir como prova para todos os efeitos.

5.1 Legalidade das Formas de Conversão, Proposta de Interpretação do Artigo 1.726 do Código Civil.

Sob perspectiva interpretativa, evidencia-se que ambas as formas de conversão são legais e estão de acordo com os ditames constitucionais.

O artigo 1.726 do Código Civil prevê que “a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil”.

Procede-se à interpretação desse dispositivo na forma proposta pelo jurista Karl Larenz18 em sua obra “Metodologia da Ciência do Direito”.

Inicia-se pela averiguação do sentido literal do termo ou dispositivo, por se constituir “no ponto de partida e, ao mesmo tempo, determina[r] o limite da interpretação”19.

O sentido literal do artigo em análise é claro: o pedido de conversão deve ser feito ao juiz.

Todavia, o sentido literal não é unívoco e deixa margem para uma diversidade de interpretações, tornando-se decisivos outros critérios de interpretação.

Segue-se à verificação do contexto significativo do dispositivo e sua concordância material com as demais normas.

Busca-se esclarecer qual seria o significado de se direcionar o pedido ao Juiz de Direito; qual seria a atuação desse juiz; e qual seria a natureza da função por ele desempenhada.

Vislumbram-se duas possibilidades: 1. O juiz deve simplesmente homologar o pedido de forma análoga ao que prevê o artigo 1.526 do Código Civil para os processos de habilitação para casamento20; 2. O juiz apura a existência da união estável em procedimento análogo à justificação prevista nos Artigos 861 e seguintes do Código de Processo Civil21.

Essas possibilidades fazem parte das formas de conversão apresentadas anteriormente. Ambas são casos de jurisdição voluntária, em que o juiz exerce função administrativa. São possíveis no contexto apresentado e parecem se harmonizar com as demais normas.

É necessário, entretanto, analisar-se a intenção reguladora e o escopo do dispositivo em questão.

Direcionar-se o pedido ao Juiz tem, aparentemente, o escopo de conferir maior segurança ao resultado, vez que “a matéria estará sob os cuidados do Poder Judiciário, que tomará todas as cautelas para evitar eventuais simulações”22.

No entanto, a intenção reguladora está estampada na Constituição Federal, que determina que a lei facilitará a conversão da união estável em casamento.

Uma conclusão apressada poderia entender que somente a forma mais simples de conversão seria possível, pois a interpretação conforme a constituição não permitiria elementos complicadores.

Todavia, uma análise mais cautelosa percebe que há diferença entre a conversão em casamento, a qual produz efeitos a partir de então, e o reconhecimento da união estável no período anterior a tal conversão, o qual produz efeitos a partir de uma determinada data.

Por esta interpretação, pode-se concluir que ambas as possibilidades estão de acordo com o dispositivo legal, observando-se o seguinte:

Para mera conversão de união estável em casamento deve prevalecer a facilitação prevista na constituição e o procedimento mais simples, bastando homologação análoga ao previsto no artigo 1.526 do Código Civil.

Para a verificação da união estável, com conseqüente reconhecimento de efeitos jurídicos em período anterior à conversão, faz-se necessária maior segurança, cabendo ao juiz garanti-la por meio de procedimento análogo à justificação prevista nos artigos 861 e seguintes do Código de Processo Civil.

5.2 Competência do Juiz de Direito e Competência do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais

Nos casos apresentados, a competência atribuída ao Juiz de Direito é para o desempenho de função administrativa.

Seja no caso da mera homologação análoga à prevista no artigo 1.526 do Código Civil, seja no caso de verificação da união estável de forma análoga à justificação prevista nos artigos 861 e seguintes do Código de Processo Civil, está-se diante de procedimento de jurisdição voluntária: constitutivo, no caso da homologação; probatório e constitutivo, no caso da justificação23.

A jurisdição voluntária é função substancialmente administrativa, exercida subjetivamente pelos órgãos jurisdicionais. Assim ensina Piero Calamandrei24:

Só a jurisdição chamada contenciosa é jurisdição, enquanto que a jurisdição chamada voluntária não é jurisdição, senão que é administração exercida por órgãos judiciais.

Atribuir-se competência ao Juiz de Direito para a prática de tais atos é questão de opção legislativa, sendo certo que tal atribuição poderia se dar de maneira diversa, pois os atos de jurisdição voluntária são de:

natureza administrativa que poderiam ser desempenhados por órgãos da Administração Pública, conforme a conveniência política e sem ofensa ao princípio monista de jurisdição, representado pela garantia da inafastabilidade de apreciação de lesão ou ameaça de direito pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF)25.

Desta forma, atribuir-se competência ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para a verificação da existência da união estável que se converte em casamento, inclusive para estabelecimento do momento de início de tal união, é possível e desejável.

Essa medida facilitaria sobremaneira o acesso da parcela da população que vive em união informal ao registro de casamento, sem que, no entanto, houvesse qualquer prejuízo à segurança do ato. Ao Oficial de Registro, que é profissional do Direito, dotado de fé pública, competiria, por meio de procedimento apropriado (habilitação ou apresentação de provas), verificar a legalidade do que é pedido e avaliar a possibilidade do registro.

Respeitar-se-ia, neste caso, o princípio da legalidade, ao qual estão submetidos os Oficiais de Registro. De acordo com a definição dada por Afrânio de Carvalho, tal princípio significa que a atuação do Registrador constitui:

(…) mecanismo que assegure, tanto quanto possível, a correspondência (…) entre a situação registral e a situação jurídica (…). Esse mecanismo há de funcionar como um filtro que, à entrada do registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha da lei.26

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo deu importante passo neste sentido, ao possibilitar que o Juiz Corregedor Permanente dispensasse sua homologação nos processos de habilitação de casamento, inclusive nos casos de conversão de união estável.

6. Considerações Finais

Jamais poderia a lei mencionar que quem vive em união estável, por tanto tempo ou diante de certas circunstâncias, seja casado. Ninguém pode ser obrigado a casar, mormente por determinação legal ou judicial.27

Porém, diante da grande proporção de uniões informais na sociedade brasileira e da atual conjuntura jurídica, a facilitação da conversão da união estável em casamento é medida de grande relevância, pois: permite a formalização de uniões e regularização dos direitos; possibilita a melhor elaboração de políticas públicas; e desonera o poder judiciário.

Seria desejável que a competência para a conversão fosse atribuída ao Oficial de Registro Civil, que, mais próximo da população, seria capaz de tornar o procedimento mais simples e célere.

Esta, entretanto, não é a realidade da legislação vigente, que mantém a competência do Juiz de Direito, mas o faz sem determinar qual seja sua atuação nas conversões de união estável em casamento.

De acordo com o exposto anteriormente, duas possibilidades foram extraídas da regulação; ambas de acordo com a lei e com a constituição, mas voltadas para finalidades diferentes: 1. Destinada à simples conversão em casamento – a atuação do juiz se limita à homologação do procedimento de forma análoga ao previsto para as habilitações de casamento no artigo 1.526 do Código Civil; 2. Destinada à prova da existência e da duração da união – a atuação do juiz é de verificar a existência da união estável e a data de seu início de forma análoga à justificação prevista no artigo 861 do Código de Processo Civil.

Propõe-se que ambas sejam aplicadas da seguinte forma:

1. Para a simples conversão de união estável em casamento, deve-se cumprir o ditame constitucional, garantindo-se o procedimento mais simplificado possível.

Nesses casos, o requerimento deve ser feito junto ao Oficial de Registro Civil, que, para verificar a superação dos impedimentos (1.723, §2º do Código Civil) e o regime de bens a ser adotado no casamento, inicia processo de habilitação, o qual deve ser submetido à homologação do juiz de direito na mesma forma do previsto no artigo 1.526 do Código Civil28, e publica edital de proclamas.

Uma vez habilitados os requerentes, deve-se registrar a conversão de união estável em casamento, prescindindo-se da celebração e das solenidades previstas nos artigos 1.533 ao 1.535 do Código Civil. Do assento não deve constar data de início da união estável, não servindo este como prova da existência e da duração da união em período anterior à conversão.

Observa-se que esse procedimento respeita a lei e os ditames constitucionais, facilitando a conversão em casamento, porém, não traz grandes benefícios, caracterizando-se, a rigor, como um casamento sem celebração. Não há reconhecimento de efeitos à união anterior ao registro, não é estabelecida data de seu início, tampouco é gerado qualquer tipo de prova de sua existência e duração.

2. Para a conversão em casamento com reconhecimento da data de início da união estável, deve o pedido ser direcionado ao Juiz de Direito, que apurará o fato de forma análoga à justificação prevista nos artigos 861 e seguintes do Código de Processo Civil.

Homologado o pedido, o Juiz deve determinar ao Oficial de Registro Civil que lavre o assento da conversão da união estável em casamento, do qual deve constar a data de início de tal união, apurada no procedimento de justificação.

Este procedimento, ao contrário do previsto na constituição, dificulta a conversão, porém, permite que do assento conste a data fixada para início da união estável, servindo o registro como prova de sua existência e duração, o que possibilita e dá segurança à produção de efeitos de tal união no período anterior ao casamento.

Diante disso, deve-se utilizar a primeira forma em casos de mera conversão, servindo a segunda para casos em que se deseje fixar e registrar o início da união estável, reconhecendo-se seus efeitos no período anterior à conversão.

Propõe-se, por fim, que seja possibilitada a averbação da data de início de união estável à margem do assento de sua conversão em casamento, caso venha a ser reconhecida e fixada em procedimento de justificação perante Juiz de Direito, posteriormente à lavratura do registro.

Apesar de não estar prevista legalmente, averbação de tal teor é possível, vez que:

Existe a possibilidade de outras averbações, entendidas como quaisquer alterações posteriores do assento, ainda que não previstas em lei,29.

Tal medida viabilizaria que, à margem dos assentos das uniões estáveis já convertidas em casamento, fossem averbadas as datas de início de tais uniões caso fixadas posteriormente, o que serviria como prova e lhes daria maior segurança.

Possibilitaria, também, que, mesmo nos casos em que se deseje reconhecer e registrar a data de início da união estável, não fosse necessário aguardar a fixação de tal data em procedimento mais complexo para que se realizasse a conversão.

Nestes casos, utilizar-se-ia o procedimento mais simples para conversão da união estável em casamento, pedindo-se, em procedimento de justificação, a fixação da data de início da união, o que seria averbado à margem do assento da conversão.

Parece ser esta a interpretação que melhor atende à sociedade brasileira, cumpre os ditames constitucionais e aproxima o Registro Civil da população, aprimorando sua atividade como instituição voltada ao exercício da cidadania.

Notas

1IBGE. Censo 2000 – Tendências Demográficas. Tabela 6. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/tendencias_demograficas/tabela06.pdf . Acesso em: 28 de setembro de 2008.
2O IBGE considera União Consensual a situação em que a pessoa que vive ou viveu em companhia de cônjuge com quem não contraiu casamento civil ou religioso.
3IBGE. Estatísticas do Registro Civil de 2002. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/17122003registrocivilhtml.shtm. Acesso em: 02 de outubro de 2008.
4IBGE. Estatísticas do Registro Civil de 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2006/default.shtm. Acesso em 02 de outubro de 2008.
5IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais, Uma análise das Condições de Vida da População Brasileira 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2008/indic_sociais2008.pdf. Acesso em: 07 de outubro de 2008.
6Resta claro que foi grande o acerto da Assembléia Constituinte de 1988 ao proteger a família formada pela união estável. Próximo daquele ano, em 1991, a proporção de uniões consensuais era de 18,4% no Brasil e de 14,4% em São Paulo. (IBGE. Censo 2000. Op. Cit.).
7“Em relação aos casamentos, por exemplo, é sabido que uma parcela significativa da nossa população ainda não oficializa as uniões através do casamento civil, tanto em virtude de fatores culturais quanto econômicos. O mesmo é válido para as separações. Em verdade, até mesmo os nascimentos e óbitos padecem de altos níveis de sub-registro que, não raro, podem até mesmo comprometer o valor da informação que se presta para a elaboração de políticas públicas. (CORRÊA, Humberto. O estado civil do campineiro – Análise dos dados do Registro Civil. Disponível em: http://www.arpensp.org.br/principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url= noticia_mostrar.cfm&id=3352. Acesso em: 27 de setembro 2008.)
8Artigo 1724 e Artigo 1566 do Código Civil.
9Artigo 1725 e Artigos 1639 e seguintes do Código Civil.
10Artigo 1790 e Artigos 1829 a 1832 do Código Civil.
11Artigo 1543 e seguintes do Código Civil.
12CAVALCANTI, Lourival Silva. União Estável. São Paulo: Saraiva 2003, p.153.
13CARVALHO FILHO, Paulo Martins. Lei nº 9.278 (de 10 de maio de 1996). A União Estável, RT 734.
14DONOSO, Denis. Comentários aos dispositivos que tratam da união estável no Código Civil. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/23692. Acesso em: 27 de setembro de 2008.
15Projeto de Lei 6149/2005 da Deputada Laura Carneiro, propõe o acréscimo de um parágrafo ao artigo 1.726 com a seguinte redação: “Parágrafo único. Se os interessados comprovarem a união estável, o oficial providenciará sua conversão em casamento civil, dispensando qualquer ritual ou cerimônia (NR).”
16Projeto de Lei 2285/2007 do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, dispõe sobre o Estatuto da Família, prevendo, em matéria de conversão de união estável, que: “Art. 67. A união estável pode converter-se em casamento, mediante pedido formulado pelo casal ao oficial de registro civil, no qual declarem que não têm impedimentos para casar e indiquem o regime de bens que passam a adotar, dispensada a celebração. Parágrafo único. Os efeitos da conversão se produzem a partir da data do registro do casamento.”
17Projeto de Lei 2285/2007 do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, dispõe sobre o Estatuto da Família, prevendo, em matéria de conversão de união estável, que: “Art. 67. A união estável pode converter-se em casamento, mediante pedido formulado pelo casal ao oficial de registro civil, no qual declarem que não têm impedimentos para casar e indiquem o regime de bens que passam a adotar, dispensada a celebração.
18LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
19Segundo a proposta de Karl Larenz a interpretação deve seguir os seguintes critérios: sentido literal; contexto significativo; intenção reguladora e escopo; critérios teleológico-objetivos; e interpretação conforme a constituição. Ressalte-se que não são critérios justapostos sem inter-relação, tampouco há hierarquia entre eles, indicando-se a ordem apenas por questões metodológicas. (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Op. Cit. p.485).
20Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial do Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo juiz.
21Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.
Art. 862. Salvo nos casos expressos em lei, é essencial a citação dos interessados.
Parágrafo único. Se o interessado não puder ser citado pessoalmente, intervirá no processo o Ministério Público.
Art. 863. A justificação consistirá na inquirição de testemunhas sobre os fatos alegados, sendo facultado ao requerente juntar documentos.
Art. 864. Ao interessado é lícito contraditar as testemunhas, reinquiri-las e manifestar-se sobre os documentos, dos quais terá vista em cartório por 24 (vinte e quatro) horas.
Art. 865. No processo de justificação não se admite defesa nem recurso.
Art. 866. A justificação será afinal julgada por sentença e os autos serão entregues ao requerente independentemente de traslado, decorridas 48 (quarenta e oito) horas da decisão.
Parágrafo único. O juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, limitando-se a verificar se foram observadas as formalidades legais.
22Azevedo, Álvaro Villaça. Comentários ao Código Civil. Op. Cit. p. 278.
23GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna. Disponível em: http://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2004/livrojurisdicaovoluntariamoderna.htm. Acesso em: 07 de outubro de 2008.
24CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. Bookseller, p. 155.
25VALADÃO, Rodrigo Borges. A Natureza Jurídica do Procedimento de Inventário e a Sistemática Adotada Pelo Código De Processo Civil. Disponível em: http://www.justicavirtual.com.br/artigos/art41.htm. Acesso em: 07 de outubro de 2008.
26CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro: Frense. 1977. p. 268.
27AZEVEDO, Álvaro Villaça. Comentários ao Código Civil. Op. Cit. p. 278.
28Ressalta-se, mais uma vez, que a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo já possibilitou a dispensa desta homologação, medida que não afronta princípios constitucionais e possibilita a desoneração do judiciário.
29SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006. p. 161.

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*Mario de Carvalho Camargo Neto é Mestre em Direito Político Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Sede Da Comarca de Capivari-SP. E-mail: mariocamargo@gmail.com.

Fonte : Assessoria de Imprensa