ARTIGO – Diretiva antecipada de vontade (DAV) ou testamento vital: fazendo sua vontade prevalecer, em caso de inconsciência

* Andréia Paulino Franco

** Letícia Franco Maculan Assumpção

Imagine a seguinte situação: você é acometido por uma doença grave ou sofre um acidente, ficando inconsciente ou em coma. Como orientar familiares e amigos nessas circunstâncias, instruindo-os sobre os procedimentos médicos que gostaria ou não de que fossem realizados? Como fazer sua vontade prevalecer?

A diretiva antecipada de vontade (DAV) veio para resolver tal questão[1]. Também chamada de testamento vital, ela é um documento público, lavrado em cartório de notas, que exterioriza a vontade de uma pessoa, que deve estar, na época da lavratura da escritura, no gozo de suas capacidades mentais, estabelecendo os cuidados, tratamentos e procedimentos médicos e terapêuticos a que deseja ou não ser submetida, caso fique inconsciente por motivo de doença ou acidente.

A diretiva antecipada de vontade (DAV) ou “testamento vital” não deve ser confundida com o testamento. Isso porque o objetivo do testamento é garantir que a vontade do declarante seja observada após a sua morte, enquanto o intuito da DAV é assegurar que a vontade do declarante seja observada enquanto ele estiver vivo, porém inconsciente, preservando assim o seu direito à vida e à morte dignas.

A DAV foi reconhecida como válida pelo Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 1995, de 2012, única norma nacional a tratar do assunto. Ela surgiu da necessidade de se disciplinar a conduta do médico em situações de pacientes em estado terminal, os quais são frequentemente submetidos a medidas que prolongam a sua vida de modo artificial, mesmo contra a sua vontade. A Resolução prevê que, nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de expressar de maneira independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.

Por meio da DAV, é possível registrar, por exemplo, que a pessoa não deseja submeter-se a tratamento para prolongamento da vida de modo artificial. É bom lembrar que a eutanásia – procedimento proibido no Brasil e que ocorre quando o médico induz a morte do paciente – não pode ser requerida por meio da DAV.

Além das questões relativas ao tratamento de saúde, também podem constar da DAV outras declarações envolvendo, por exemplo: recepção ou não de sangue ou órgãos; hospital em que prefere se tratar; onde deseja passar os últimos dias de vida no caso de doença terminal ou irreversível; autorização da violação de domicílio, com justa causa; autorização de utilização de seus óvulos ou sêmen após sua morte para gestação por meio de inseminação artificial; nomeação de tutor para os filhos; disposição sobre o próprio corpo (doação de órgãos, entre outras); orientação sobre exéquias (velório e enterro ou cremação).

É possível também lavrar uma procuração, relacionada à DAV, na qual se pode designar um ou mais representantes que tomem decisões sobre tratamentos em nome da pessoa, quando esta já não estiver mais consciente. Na procuração podem ser incluídos ainda outros assuntos, como cláusulas de representação ordinária e empresarial.

Para realizar o testamento vital, a pessoa deve se dirigir a um tabelionato de notas e apresentar seus documentos pessoais, declarando quais cláusulas deseja incluir. Também é possível solicitar a lavratura documento por meio da plataforma do e-notariado, de modo eletrônico, sem necessidade de deslocamento até o cartório[2]. O documento será apresentado aos médicos pelos familiares ou por quem o declarante indicar, ficando também acessível na Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec) para que qualquer interessado possa solicitar certidão ao cartório de Notas onde foi lavrada a DAV. Em Minas Gerais, a DAV está regulamentada nos arts. 288 a 290 do Código de Normas do Extrajudicial, Provimento Conjunto nº 93/2020, da Corregedoria-Geral de Justiça.

SUGESTÃO DE TEXTO DE DAV

ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE VONTADE QUE FAZ xxxX, NA FORMA ABAIXO:

SAIBAM quantos este instrumento público de escritura virem que, em xxx, nesta cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, no Cartório xxxx,  localizado na Rua xxxx, compareceu perante mim, ·Escrevente·, como Outorgante: xxxx, brasileira, brasileiro, estado civil xxxxxxxxxxxx, profissãoxxxxxxxxxxx, portadora da Carteira de Identidade nº xxxxxxxxx, inscrita no CPF sob o nº xxxxxxxxxxxx, residente e domiciliada XXXXXXXXXX, Bairro XXXXXX, Belo Horizonte, Minas Gerais. A parte é capaz e se identificou como sendo a própria, conforme documentação apresentada, do que dou fé. Reconheço a capacidade da parte declarante para a prática deste ato. Pela parte declarante, xxxxXX, foi dito que, de sua livre e espontânea vontade, sem qualquer sugestão, induzimento ou coação faz a sua ESCRITURA PÚBLICA DE DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE VONTADE, que contém expressamente o seu desejo em relação aos cuidados médicos que almeja receber e a sua vontade quanto (à guarda ou tutela de seu filho menor /ou à pessoa que será responsável pelos cuidados com seus animais de estimação / administração de sua empresa etc), na ocorrência de qualquer enfermidade ou de qualquer acidente que a conduza a uma condição em que não possa se expressar ou que leve à perda de sua razão e consciência, ou ainda que lhe provoque lesões sem perspectiva de cura em reduzido espaço de tempo, nos seguintes termos: 1) que se encontra em gozo de seu perfeito juízo e que sua vontade é que, em caso de necessidade, sejam nomeados como seus curadores, na seguinte ordem, os senhores: xxxxxxxxxx, brasileiro, estado civil xxxxxxxxxxxx, profissão xxxxxxxxxxx, portador da Carteira de Identidade nº xxxxxxxxx, inscrito no CPF sob o nº xxxxxxxxxxxx; xxxxxxxxxx, brasileiro, estado civil xxxxxxxxxxxx, profissãoxxxxxxxxxxx, portador da Carteira de Identidade nº xxxxxxxxx, inscrito no CPF sob o nº xxxxxxxxxxxx, todos residente e domiciliados xxxxxxxxxxxxxx, Belo Horizonte, Minas Gerais; para que, agindo em conjunto ou isoladamente, tomem todas as decisões de sua vida pessoal e pratiquem todos os atos civis e comerciais, inclusive na administração de recursos perante Instituições Financeiras; 2) que, na forma prevista nos art. 1.634, VI, do Código Civil, na falta do outro genitor, ou se o genitor sobrevivo não puder exercer o poder familiar, nomeia para seus filhos, como tutor,  xxxxxxxxxx, brasileiro, estado civil xxxxxxxxxxxx, profissão xxxxxxxxxxx, portador da Carteira de Identidade nº xxxxxxxxx, inscrito no CPF sob o nº xxxxxxxxxxxx; 3) a sua vontade é de essa mesma pessoa seja indicada responsável pelos cuidados com seus animais de estimação / administração de sua empresa, havendo necessidade; 4) que autoriza a aplicação de todas as medidas médicas artificiais de prolongamento da vida, adiamento da morte, ainda que haja pouca perspectiva de cura. Especificamente, autoriza as seguintes medidas: a) Entubação endotraqueal para monitorização da respiração; b) Traqueostomia; c) Quimioterapia anti-neoplásica; d) Radioterapia; e) Amputação de membros; f) Qualquer outra intervenção cirúrgica; g) Hemoterapia; h) Oxigenioterapia; i) Nutrição enteral ou parenteral; j) Diálise peritoneal ou hemodiálise; k) Uso de ressuscitador ou de marca-passo; l) Endoscopias diagnósticas ou terapêuticas. 5) que, da mesma forma,  autoriza internação em Unidade de Tratamento Intensivo – UTI, mas, havendo possibilidade e não havendo prejuízo para o tratamento, prefere permanecer na sua residência, com cobertura de enfermagem de forma contínua; 6) que autoriza também a sedação intermitente ou continuada por via intramuscular ou venosa com o propósito de mitigar dores e incômodos; 7) que aceita receber doação de órgãos e de partes do corpo, inclusive de doador cadáver, se necessário; 8) que, não havendo nenhuma perspectiva de cura e existindo dor ou sofrimento considerável, as pessoas nomeadas no item “1” poderão deliberar sobre o não prolongamento artificial da vida; 9) que não autoriza que seus órgãos e tecidos sejam destinados à doação, mas as pessoas nomeadas no item “1” podem decidir sobre a doação, dependendo das circunstâncias de sua morte; declara ainda que, se necessário for, autoriza ser transplantada; 10) que é seu desejo que seu velório seja uma ocasião alegre, com música adequada à ocasião, flores, com todo o conforto possível para os que vierem a prestar as últimas homenagens; 11) que deseja que seus restos mortais sejam cremados e que suas cinzas sejam lançadas na xxxxxx, próximo à casa onde residiu quando criança; 12) na ocorrência de sua morte precoce, sem que haja precedentes previamente diagnosticados por profissional médico, como, por exemplo: acidente automobilístico, assalto, ingestão de substância que dê causa ao evento morte, que sejam tomadas todas as providências necessárias para a apuração e investigação da autoria, se for o caso; 13) que poderão as pessoas nomeadas no item “1” tomar todas as providências para que seja cumprida a presente declaração de vontade, ficando autorizados expressamente a receber todas as informações dos médicos acerca do diagnóstico ou tratamento referentes à parte DECLARANTE, podendo consultar as documentações médicas; 14) A presente determinação deve prevalecer sobre quaisquer outras decisões de seus familiares, por mais nobres que sejam os sentimentos das pessoas e mesmo que sobrevenha dificuldade de qualquer natureza.  A pedido da nomeada parte, lavrei a presente escritura nos termos e cláusulas em que se acha redigida, a qual, depois de lida e achada conforme, outorgaram, aceitaram e assinam. Ficam arquivados neste Cartório os documentos necessários para lavratura da presente escritura, dentre eles os exigidos pelo Código de Normas de MG.

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SUGESTÃO DE PROCURAÇÃO VINCULADA À DAV

PROCURAÇÃO COM CONTEÚDO FINANCEIRO QUE FAZ XXXXXXXXXX, NA FORMA ABAIXO:

SAIBAM quantos este instrumento público de procuração virem que, em XXXXXXXXX (dois mil vinte e um), nesta cidade de XXXXXXXXXX, Estado de Minas Gerais, no CARTÓRIO XXXXXXXXXXXXXX, na Avenida XXXXXXXXX, e-mail: XXXXXXX, compareceu perante mim, Escrevente, como Outorgante: XXXXXXXX, brasileiro, de profissão xxxxxxxx, maior, portador da carteira de identidade nº: xxxxxx, inscrito no CPF xxxxxx, estado civil xxxxxxxx, e-mail xxxxxxxxxxx, residente e domiciliado na Avenida xxxxxx – MG, CEP xxxxxxxx. A parte é capaz e se identificou, conforme documentação apresentada, do que dou fé. E pelo outorgante me foi dito que, na hipótese de ocorrência de qualquer enfermidade ou de qualquer acidente que conduza o Outorgante a uma condição em que não possa se expressar ou que leve à perda de sua razão e consciência, ou ainda que lhe provoque lesões sem perspectiva de cura em reduzido espaço de tempo, conforme vontade já manifestada na escritura de Declaração Antecipada de Vontade lavrada no Cartório xxx, em xxx, livro xxx, folha, xxx, por este instrumento, nomeia e constitui seu bastante procurador: xxxxxxxx, brasileiro, de profissão, maior, portador da carteira de identidade profissional nº: xxxxx, inscrito no CPF XXXXXX, estado civil xxxx, e-mail xxxxxxxxxxx, residente e domiciliado na xxxxxxx- MG, CEP xxxxxx; a quem confere poderes para representar o OUTORGANTE perante representar perante planos de saúde, hospitais, clínicas, médicos, e onde mais preciso for, para fins de negociação, autorização de cirurgias e de outros procedimentos médicos, pagamentos ou qualquer outro ato com conteúdo financeiro; representar perante o banco xxx, com o objetivo de xxxxx; bem como perante a empresa xxxx, podendo ainda representar em quaisquer negócios já concretizados, mas para os quais seja necessária alguma formalidade; representar em quaisquer cartórios, podendo, apresentar, juntar, requerer e retirar documentos, prestar declarações e informações, assinar quaisquer documentos, realizar pagamentos e praticar quaisquer atos que sejam necessários e exigidos o fiel desempenho deste mandato. Assim o disse, do que dou fé, e me pediu este instrumento que lhe lavrei nas minhas notas, tendo sido lido pelo outorgante, que, tendo achado a presente conforme a sua vontade, assina. O nome e dados do procurador foram fornecidos por declaração e conferidos pelo outorgante, que por eles se responsabiliza. A parte outorgante declara sob as penas da lei que o seu estado civil encontra-se inalterado até a presente data. Já estão arquivados neste Cartório os documentos exigidos para lavratura do presente ato, inclusive os documentos exigidos no Art. 189 do Provimento 93/CGJ/2020. EMOLUMENTOS: xxxxxxxx. Eu ___________________________________xxxxxxx – Escrevente, a escrevi. Dou fé. Eu, xxxxxxx – Escrevente, a subscrevo e assino. Sinal público em www.censec.org.br.(A). xxxxxxxxxxx

*Andréia Paulino Franco é comunicadora social formada pela UFMG, publicitária e redatora-revisora parlamentar

**Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada e mestre em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora de Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do RECIVIL. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral.