1) Introdução
O Código Civil de 2002 somente definiu o termo concubinato no artigo 1727, não disciplinando seus efeitos jurídicos. A omissão do Código Civil, no entanto, não significa inexistência das relações concubinárias, tornando-se imprescindível o conhecimento do tema em suas especificidades para lidar com os problemas levados ao Judiciário em razão do fim desses relacionamentos.
1.1) Antigo concubinato puro e impuro
Era comum a distinção doutrinariamente estabelecida entre concubinato puro e impuro. O concubinato puro se referia àquelas pessoas que não casavam por opção, visto não possuir nenhum impedimento legal.
Já o concubinato impuro referia-se às relações entre um homem e uma mulher, que se estabeleciam contrariamente às condições impostas ao casamento, ou seja, materializadas nos impedimentos matrimoniais.
O concubinato impuro pode ser do tipo incestuoso quando ocorrerem impedimentos devido ao parentesco, compreendendo as hipóteses previstas no artigo 1521, incisos I ao V do CC. Além dessas hipóteses, existe a do inciso VII, ou seja, na “relação entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte”, que é chamado por alguns doutrinadores de concubinato “sancionador”. Esse impedimento, conforme explicita Anderson Lopes Gomes, se funda na idéia de que o cônjuge sobrevivente deveria sentir aversão ao assassino de seu consorte, se não sente é porque estava conivente com o crime, portanto, é merecedor de punição. [1]
Por fim, o concubinato impuro abrange a hipótese do concubinato adulterino que ocorre quando a pessoa é casada, mas estabelece assim mesmo relação com uma terceira pessoa.
1.2) União estável e concubinato
Essas definições doutrinárias perderam o sentido com o advento da Constituição Federal de 1988 e principalmente com o Código Civil de 2002, já que o legislador fez questão de estabelecer a diferença entre os termos união estável e concubinato, evitando confusões.
A união estável foi reconhecida como entidade familiar acompanhando a evolução trazida pela Constituição Federal de 1988, sendo disciplinada nos artigos 1723 a 1726 do CC/02 e o concubinato foi definido somente no artigo 1727 do CC/02, referindo-se às relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar.
Importante esclarecer que o conceito exposto no artigo 1727 do CC, merece reparo, por existirem os separados de fato ou judicialmente, impedidos de casar, podendo, no entanto, constituir nova família, sendo essa considerada união estável e não concubinato conforme se depreende da análise do artigo 1723, parágrafo 1º, do mesmo diploma legal.
O surgimento da nomenclatura união estável e essa clara distinção deve-se ao fato da carga pejorativa que envolve a palavra concubinato, referindo-se às relações que ocorrem concomitantemente ao casamento e ligando-se o nome concubina à prostituta e à amante. Assim, a intenção do legislador foi evitar o preconceito em relação à união estável, tendo em vista o seu reconhecimento pelo nosso ordenamento jurídico.
Maria Berenice Dias, enfrentando o assunto, designa as relações concubinárias de famílias paralelas com o intuito de retirar a carga pejorativa da palavra concubinato e conseqüentemente o preconceito da sociedade. Assim como outros autores utilizam os termos famílias simultâneas, uniões dúplices ou múltiplas. [2]
O termo concubinato, portanto, ficou restrito ao antigo concubinato impuro, principalmente a união adulterina, ou seja, aquela que ocorre concomitantemente ao casamento. E enquanto a união estável ganhou amplo espaço no ordenamento jurídico, tendo seus direitos reconhecidos, ao concubinato ainda é negado qualquer tipo de efeito jurídico por boa parte da doutrina e jurisprudência, existindo muitos autores que silenciam diante do tema.
A doutrina inclui no conceito de concubinato a relação que existe simultaneamente a uma união estável anteriormente estabelecida. Conforme Rodrigo da Cunha Pereira, fidelidade é uma espécie do gênero lealdade, impondo-se aos companheiros em atendimento ao princípio jurídico da monogamia. [3] Além disso, o STJ não admite duas relações de união estável simultâneas, daí depreende-se esse raciocínio. [4]
1.3) Subdivisão entre concubinato de boa-fé e má-fé
Dentro do conceito de concubinato estabelecido pelo CC/02 podemos encontrar uma subdivisão doutrinária, entre concubinato de boa-fé e de má-fé. O concubinato de boa-fé é a chamada união estável putativa e ocorre quando uma das partes, geralmente a mulher, ignora o outro relacionamento de seu parceiro, acreditando que está vivendo um relacionamento único, sem perceber que na verdade está vivendo uma união paralela.
A união estável putativa pode ocorrer concomitantemente a um casamento ou a uma união estável anterior e tem como elemento indispensável à boa-fé da companheira. A relação deve conter todos os requisitos necessários da união estável, tais como, publicidade, estabilidade, continuidade e ânimo de constituir família, para que assim sejam reconhecidos seus efeitos jurídicos. Algumas decisões reconhecem todos os direitos de uma união estável ao relacionamento, fazendo analogia com o casamento putativo.
Já o concubinato de má-fé, aquele em que a concubina tem ciência da outra relação anteriormente estabelecida por seu parceiro, é mais difícil de ser reconhecido, sendo, muitas vezes, deixado à margem do Direito de Família. Grande parte da doutrina e jurisprudência alega que não pode ser reconhecido nenhum direito à relação sob pena de infringir o princípio da monogamia.
Segundo Maria Berenice Dias, para ser amparada pelo direito a concubina precisa valer-se de uma inverdade, pois, se confessa, desconfiar ou saber da traição, recebe um solene: bem feito. Assim, são freqüentes as mentiras levadas ao Judiciário. [5]
2) Análise jurisprudencial
Como dito anteriormente, o Código Civil brasileiro apenas definiu o termo concubinato em um único artigo, não estabelecendo seus efeitos jurídicos, assim, verificam-se as mais variadas decisões em nossos Tribunais. Diante das lacunas deixadas pelo legislador, cabe aos profissionais buscarem interpretações em nosso ordenamento jurídico que solucionem os casos concretos apresentados, proporcionando justiça, visto que não há como fugir de uma realidade que se impõe.
2.1) Sociedade de fato
A maior parte das decisões de nossos Tribunais costuma seguir orientação do STJ tratando o concubinato adulterino como sociedade de fato, ou seja, incluído no Direito das Obrigações, aplicando assim, a Súmula 380 do STF: “comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”
A súmula era utilizada para tratar as relações hoje denominadas união estável, isto é, tratava o termo “concubinato” em sentido amplo. Atualmente não é mais utilizada em relação à união estável, visto seu reconhecimento como entidade familiar.
O reconhecimento de uma sociedade de fato é a forma encontrada para impedir que haja violação ao princípio geral de direito que veda o enriquecimento ilícito, o que ocorreria caso não fosse levada em conta à contribuição material e financeira da concubina durante o relacionamento.
Importante destacar que o STJ já se posicionou no sentido de que a contribuição da companheira não precisa ser direta, através de auxílio financeiro, podendo ser também indireta, compreendendo a direção educacional dos filhos, trabalhos domésticos ou serviços materiais de outra ordem e até mesmo a ajuda em termos de afeto, estímulo e amparo psicológico. [6]
A Súmula 380 foi construída pela doutrina e jurisprudência durante a vigência da Constituição de 1946, com o intuito de conferir proteção patrimonial às mulheres abandonadas pelos seus companheiros após anos de convivência afetiva, já que a referida Constituição só protegia as famílias constituídas pelo casamento.
Na opinião do jurista Paulo Luiz Netto Lôbo, o avanço diante da exclusão constitucional, transformou-se em atraso após a Constituição de 1988, tendo em vista o grande defeito da Súmula que é tratar as relações afetivas como relações exclusivamente patrimoniais não regidas pelo Direito de Família. [7]
2.2) Indenização por serviços domésticos prestados
Caso não exista patrimônio a ser partilhado ou não consiga provar sua contribuição, a solução encontrada é pedir indenização por serviços domésticos prestados, orientação também seguida pela jurisprudência do STJ, porém só utilizada em último caso. [8]
Apesar de ser a única solução encontrada em muitos casos, é evidente que esse tipo de indenização trata-se de um recurso vexatório que atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana.
A indenização por serviços domésticos prestados era requerida na união estável antes de surgirem as Leis 8.971/94 e 9.278/96 e o Código Civil de 2002, regulando o assunto e concedendo alimentos à companheira.
Rodrigo da Cunha Pereira afirma: “falar em indenização por serviços prestados seria o mesmo que admitir cobrar por serviços de natureza amorosa e sexual, inadmissível para o Direito.” E ainda, que essa sempre foi uma forma “camuflada” de reivindicar e conceder alimentos para quem dele realmente necessita. [9]
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao concubinato. Trata-se de uma relação amorosa baseada no afeto e não no patrimônio, dessa forma, a indenização por serviços domésticos prestados é uma forma de camuflar o direito a alimentos, visto existir todo um preconceito em torno dessas relações que impede que as concubinas sejam tratadas com dignidade. O concubinato está percorrendo juridicamente o mesmo caminho percorrido pela união estável, antes cercada pelos mesmos julgamentos de ordem moral.
2.3) Decisões inovadoras
Apesar de a jurisprudência apresentar-se em sua maioria conservadora no que diz respeito à concessão de direitos à concubina, podemos observar algumas decisões inovadoras nesse sentido.
O STJ já reconheceu a possibilidade de divisão da pensão previdenciária entre a viúva e a concubina no julgamento do Recurso Especial 742685/RJ. [10] No entanto, o entendimento não tem aplicação uniforme em nossa jurisprudência, inclusive no próprio STJ. [11]
Há ainda uma decisão do referido Tribunal determinando o fracionamento do benefício do seguro de vida, por igual entre a viúva e concubina. [12] No caso concreto, foi demonstrada a situação peculiar de coexistência duradoura do de cujus com duas famílias e prole advinda de ambas as relações. Além disso, houve indicação da concubina como beneficiária do seguro, assim sendo, ficou decidido que não obstante a regra protetora da família impedir a concubina de ser instituída como beneficiária, a situação peculiar demanda solução isonômica, atendendo-se a melhor aplicação do direito.
Algumas decisões equiparam o concubinato à união estável levando em conta os princípios constitucionais, no entanto, ainda são poucas e recentes na jurisprudência. Foi com base no princípio da dignidade da pessoa humana que o TJRS concedeu alimentos à concubina, após demonstração de dependência financeira. [13]
Destaca-se o voto da relatora Desembargadora Catarina Rita Krieger levando em consideração princípios constitucionais como o princípio da razoabilidade e afirmando: “Não se está com isso querendo premiar toda e qualquer relação adulterina, mas sim, diante do caso concreto, avaliar se a relação concubinária não pode ser considerada como um novo núcleo familiar, recebendo, por conseguinte, tratamento equiparado à união estável. O substrato legislativo infraconstitucional que condena a poligamia pode sim ser afastado por princípios constitucionais”.
Importante citar outra decisão proferida pelo TJRS reconhecendo união dúplice, ou seja, o vínculo conjugal concomitantemente ao casamento, que no caso em análise, diante das características foi equiparado à união estável. Conforme exposto no acórdão, a meação transforma-se em “triação”, isto é, os bens adquiridos durante a união dúplice pelo esforço comum da esposa e da companheira devem ser repartidos de forma igualitária entre os três. [14]
2.4) Pensão – decisão do STF
Em relação à pensão previdenciária, merece destaque decisão recente do STF afirmando que a concubina não tem direito a dividir pensão previdenciária com a esposa. O entendimento foi proferido pela 1ª Turma do STF no dia 03 de junho de 2008, ao dar provimento ao recurso extraordinário 397762/BA interposto pelo Estado da Bahia. [15]
Em seu voto, o Ministro relator Marco Aurélio afirma que o concubinato não merece proteção do Estado por conflitar com o direito posto. Segundo o Ministro, a relação não se iguala à união estável que é reconhecida constitucionalmente e apenas gera, quando muito, a denominada sociedade de fato. Em sua opinião, a Constituição Federal não protege o concubinato.
Os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto do relator. Merece destaque o voto do Ministro Lewandowski afirmando que a palavra concubinato, do latim concubere significa “compartilhar o leito”, já a união estável significa “compartilhar a vida.”, ratificando o que foi dito no início do presente artigo quanto à carga preconceituosa que envolve o significado do termo concubinato, que acaba refletindo em seu tratamento.
O Ministro Carlos Ayres Britto apresentou voto divergente, concluindo pela possibilidade do rateio da pensão previdenciária em função das peculiaridades do caso concreto. O Ministro afirma que as duas mulheres tiveram a mesma perda e estariam sofrendo as mesmas conseqüências sentimentais e financeiras. Além disso, segundo ele, o que importa para a C F/88 é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico, já que trata a família de modo protetivo. O Ministro enfatiza o direito à liberdade amorosa e o princípio da dignidade da pessoa humana implicando um traço conceitual mais dilatado para a figura de família.
Importante destacar que no caso em análise, o falecido viveu com a concubina por 37 anos e teve nove filhos, no entanto, a solução encontrada privilegiou a relação matrimonial em detrimento da outra relação, ignorando todas as suas particularidades. Foram deixados de lado os princípios da solidariedade, afetividade, igualdade e, sobretudo, o princípio da dignidade humana que se encontra no ápice do ordenamento jurídico, representando um verdadeiro retrocesso.
3) Novo conceito de família
A família atual não se resume àquela tradicional, representada por um homem e mulher unidos pelo casamento e com filhos oriundos desse relacionamento, ela não se condiciona mais a esse modelo.
A família assumiu uma concepção ampla. Atualmente, são reconhecidas outras formas de se estabelecer uma entidade familiar, os filhos convivem simultaneamente em duas ou mais famílias, devido ao fim da união de seus pais e os laços de afetividade em certos casos sobrepõem os laços sanguíneos.
As relações são de igualdade e respeito mútuo. Não existem mais razões que justifiquem a excessiva ingerência do Estado na vida das pessoas, é preciso proteger e regular sem excessos.
Na verdade, ainda estamos passando por um período de adaptação em relação às transformações ocorridas no Direito de Família. Isso é facilmente observado na doutrina e jurisprudência, onde alguns utilizam os novos conceitos e princípios, enfrentando as questões relativas ao novo modelo familiar, enquanto outros negam as mudanças ocorridas, utilizando justificativas que já se encontram obsoletas diante da nova realidade jurídica e social.
3.1) Família plural
A Constituição Federal, em seu artigo 226, expressamente contemplou como entidade familiar a união estável e a comunidade monoparental, isto é, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, além da família constituída pelo casamento. Surgiu assim, o princípio do pluralismo das entidades familiares que significa o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares.
Alguns autores afirmam que as entidades familiares ali expressas são meramente exemplificativas, por serem as mais comuns, entre eles, podemos citar Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk e Maria Berenice Dias. Apesar de a doutrina majoritária ainda interpretar o artigo 226 como sendo numerus clasus, ou seja, tutelando apenas os três tipos de entidades expressas.
Seguindo a primeira corrente, Paulo Luiz Netto Lôbo analisa o princípio da pluralidade familiar em sua profundidade, afirmando que a exclusão de certos tipos familiares não está na Constituição, mas sim na interpretação que lhe é dada. [16]
O referido autor fundamenta o entendimento de que as entidades familiares expressas na Constituição Federal são meramente exemplificativas através de três preceitos constitucionais. Entre eles, o artigo 226, caput, que não estabelece qualquer limite ao conceito de família, protegendo qualquer constituição familiar.[17]
O autor cita ainda o artigo 226, parágrafo 4º, possuindo o termo “também” sentido de inclusão e o parágrafo 8º, valorizando a realização pessoal de cada membro da família e não a família institucionalizada como no passado. [18]
Assim, a interpretação da Constituição Federal no seu conjunto de artigos mostra a tendência de inclusão e respeito às diferentes formas de constituição familiar.
3.2) Família Eudemonista
Ressalta-se a tendência de se valorizar o indivíduo, ou seja, os componentes que integram a família em detrimento do grupamento familiar em si trazida pela CF/88. Esse entendimento encontra respaldo no citado artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal.
Foi consagrado assim, o princípio eudemonista, segundo o francês Andrée Michel. [19] Nessa concepção o indivíduo não pensa que existe para a família e o casamento, mas que a família e o casamento existem para seu desenvolvimento pessoal.
A mudança de paradigma se deve à ampliação do conceito de entidade familiar, não se restringindo somente àquelas formadas pelo casamento, não há mais a proteção da instituição em si. A família adquiriu função instrumental para melhor realização dos interesses afetivos de seus componentes, conforme leciona Guilherme Calmon Nogueira da Gama. [20]
Dessa forma, o indivíduo tem liberdade para escolher o arranjo familiar que melhor atenda a sua realização pessoal, já que sua dignidade é o valor principal e não a instituição escolhida em si, essa é apenas um meio para sua realização.
Deve-se interpretar o princípio eudemonista em conjunto com o princípio da solidariedade, que traz em si um sentido ético de respeito ao outro e não como um princípio baseado no egoísmo. Não se trata da busca hedonista pelo prazer individual, que transforma o outro em instrumento de satisfação e sim da proteção da dignidade de cada um dos componentes e de todos em conjunto.
3.3) Ampliação do conceito de entidade familiar
No conceito pluralista de família do artigo 226 estariam implicitamente incluídas as relações concubinárias e ainda, as uniões homossexuais, a união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva sem pai ou mãe que o chefie, como exemplo, irmãos que vivem juntos, entre outros, desde que apresentem os requisitos de afetividade, ostensibilidade e estabilidade conforme preceitua Paulo Luiz Netto Lôbo. [21]
Acompanhando a tendência de inclusão, podemos citar a Lei Maria da Penha, Lei 11.340 de 2006. Seu artigo 5º, inciso III, identifica família para proteção legal como qualquer relação íntima de afeto.
O STJ também sustentou a tese de inclusão contida no artigo 226 da Constituição federal em dois importantes julgados. Em um dos julgamentos, incluiu as pessoas solteiras no conceito de entidade familiar da Lei 8.009/1990 devendo o manto da impenhorabilidade proteger os bens móveis guarnecedores de sua residência. [23] O fundamento do julgado para ampliar o conceito do artigo 226, parágrafo 4º, foi a leitura da expressão “também” como inclusiva. Em outro julgado, o STJ fez interpretação semelhante, incluindo irmãos solteiros que vivem em imóvel comum no conceito de entidade familiar. [24]
Não é justo reconhecer o princípio do pluralismo constitucional, ampliando o conceito de entidade familiar desde que preenchidos certos requisitos para uns e negar para outros baseado apenas em um juízo moral de valoração, visto que infringiria o princípio da igualdade. Na maioria dos casos concretos levados ao Judiciário, as relações concubinárias preenchem os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensibilidade, merecendo, portanto, proteção jurídica como entidade familiar.
3.4) Natureza Jurídica
Como dito anteriormente, o concubinato possui natureza jurídica de entidade familiar, desde que preencha os requisitos da afetividade, ostensibilidade e estabilidade, observados no caso concreto.
Dentro do conceito de entidade familiar, alguns doutrinadores e até mesmo decisões recentes o equipararam à união estável, caso preenchidos os requisitos expostos no artigo 1º da Lei 9.278/1996 e artigo 1723 do Código Civil de 2002, ou seja, convivência duradoura, pública e contínua estabelecida com objetivo de constituição de família.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias afirma: “Agora, para a configuração da união estável, basta identificar os pressupostos da lei, entre os quais não se encontra nem o direito à exclusividade nem o dever de fidelidade. Assim, imperioso que se cumpra à lei, que se reconheça a união estável quando presentes os requisitos legais a sua identificação, ainda que se constate a existência de relacionamentos concomitantes.” [25]
No entanto, essa equiparação ignora o dever de lealdade existente na união estável. Observando o artigo 1726 do Código Civil e artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, ambos falam a respeito da possibilidade de conversão da união estável em casamento, assim, não seria possível a conversão se existisse qualquer impedimento. Além disso, o artigo 1724 do Código Civil fala do dever de lealdade que seria um gênero da espécie fidelidade, segundo parte da doutrina. E ainda existe o artigo 1723, parágrafo 1º, que diz que a união estável não se constituirá no caso dos impedimentos do artigo 1521 do CC/02.
Assim, a união estável e concubinato não podem ser equiparados, são institutos diferentes cada um com suas particularidades, merecendo tratamento diferente e adequado às suas características, tendo sido, inclusive, diferenciados no CC/02.
Mais adequado o entendimento do jurista Paulo Luiz Netto Lôbo ao afirmar que cada entidade familiar submete-se a estatuto jurídico próprio, em virtude de sua constituição e efeitos específicos, não estando assim equiparada ou condicionada aos requisitos da outra. [26] Ainda, segundo o autor, quando a legislação infraconstitucional não cuida de determinada entidade, ela é regida pelos princípios e regras gerais do direito de família aplicáveis e pela contemplação de suas especificidades.
Deve-se aplicar às relações de concubinato todos os efeitos próprios da família, ou seja, todos os princípios e normas próprios da convivência familiar, vinculada à solidariedade de seus componentes e as demais normas que se aplicam especificamente em função de alguma característica de outra entidade familiar não poderão ser aplicadas.
4) Argumentos contrários
Nesse ponto, serão expostos os principais argumentos utilizados pela doutrina e jurisprudência para negar efeitos jurídicos ao concubinato e os motivos pelos quais esses se encontram enfraquecidos diante do atual ordenamento jurídico e realidade social.
4.1) Princípio da Monogamia
Conforme assevera Rodrigo da Cunha Pereira, seria um paradoxo para o Direito proteger duas relações concomitantemente, visto que destruiria toda a lógica do nosso ordenamento jurídico, que gira em torno do princípio da monogamia que se trata de um princípio jurídico ordenador. [27] Esse é o principal argumento utilizado por aqueles que negam qualquer efeito jurídico às relações concubinárias.
O princípio não está expresso na Constituição Federal nem mesmo em nossa legislação ordinária, porém essa apresenta vários artigos que demonstram a exigência da monogamia, como exemplo, o artigo 235 do Código Penal que condena a bigamia e os artigos 550; 1521, VI; 1548, II; 1572; 1573, I; 1723, parágrafo 1º e 1727, todos do Código Civil. Além disso, dizem os estudiosos que a observação do princípio advém da interpretação sistemática das normas constitucionais.
Importante frisar que o princípio da monogamia aqui é interpretado no sentido da proibição da proteção de duas relações concomitantemente, uma amparada pelo Direito de Família e outra não, ou seja, não diz respeito somente ao estabelecimento de duas relações matrimoniais. O que se enfatiza é que uma das relações não poderia ser reconhecida pelo ordenamento jurídico em função da existência da relação anterior.
Não se pode negar que a monogamia é elemento estrutural das relações no mundo ocidental. O fator relevante para o surgimento da monogamia foi de ordem econômica. No estudo da história, observa-se que nas sociedades antigas o sistema monogâmico era o mais favorável, visto que permitia a segurança na transmissão da herança e a certeza da paternidade.
Alguns doutrinadores afirmam que o modelo monogâmico ainda é o que melhor atende às aspirações da sociedade contemporânea, sendo responsável pela existência digna ao garantir um mínimo de estabilidade nas relações.
4.1.1) Monogamia restrita à mulher
Friedrich Engels afirma que a monogamia estrutural da família ocidental desde períodos remotos trata-se de uma monogamia para a mulher, uma vez que para o homem a poligamia continua a ser aceita, permanecendo viva até hoje. [28]
Com o mesmo entendimento, Carlos Eduardo Pianoviski Ruzyk diz que a monogamia se coloca historicamente endógena para o homem e endógena e exógena para a mulher. O autor afirma: “A monogamia endógena consiste na existência de uma única relação de conjugalidade no interior de uma mesma estrutura familiar. Ela não exclui a possibilidade de conjugalidades múltiplas, desde que exteriores à estrutura monogâmica constituída. Difere, pois, de uma monogamia também exógena, que implica a vedação absoluta do relacionamento sexual com outros indivíduos que não aquele com o qual se constitui a conjugalidade”. [29]
Como todos sabem as relações extraconjugais não são exclusivas dos homens. O que se discute é que enquanto as relações masculinas são toleradas e algumas vezes, até incentivadas, a situação da mulher é bem diferente, sofrendo violenta repressão social.
Isso demonstra que o princípio da monogamia não tem caráter absoluto, já que a sociedade acaba relativizando-o em relação aos homens. O peso diferente em relação aos homens e mulheres está ligado à cultura da sociedade que apresenta muitos vestígios do modelo patriarcal, no qual o homem exercia poder absoluto.
4.1.2) Crise no sistema monogâmico
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho anuncia uma crise patente no sistema monogâmico brasileiro. Ele acredita que a legislação vem acentuando a crise no âmbito constitucional e infraconstitucional, através do reconhecimento expresso de outras entidades familiares, dentro de uma perspectiva pluralista; da possibilidade da dissolução do vínculo do casamento, com o divórcio e do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, mostrando que a situação do casamento exclusivo, monogâmico e indissolúvel, com filhos havidos na relação de conjugalidade, mesmo no contexto jurídico, vem decrescendo. Além disso, o autor destaca a nítida preferência pelas uniões livres e o surgimento de outros arranjos familiares menos usuais. [30]
Outra forma de fragilização da monogamia ocorreu com o advento da Lei n.º 11.106/2005, abolindo do Código Penal a figura do adultério que não é mais considerado crime. A lei surgiu acompanhando a tendência da doutrina e jurisprudência no sentido da descriminalização, pois não cabe ao Estado meter-se na esfera íntima dos cônjuges. Isso demonstra um menor grau de reprovação pela sociedade brasileira em relação à conduta adulterina.
O adultério ainda está expresso no Código Civil em seu artigo 1573, inciso I, como motivo para pedido de separação judicial. No entanto, existe a tese de que não existe mais separação judicial com culpa, aceita por doutrinadores como Luiz Edson Fachin, Maria Berenice Dias e Rodrigo Pereira da Cunha. [31]
Eles argumentam que a discussão da culpa é inútil, pois sua prova não produz nenhum efeito jurídico relevante na divisão patrimonial, guarda dos filhos e alimentos. Ademais, o sistema é contraditório porque na separação judicial admite-se discussão de culpa, já no divórcio que é um pedido maior não se admite culpa e por fim, a discussão da culpa viola o princípio da dignidade da pessoa humana. [32]
Rodrigo da Cunha Pereira, não obstante seu posicionamento citado anteriormente, consegue vislumbrar uma relativização do princípio da monogamia. O autor diz que é possível ferir o princípio para fazer justiça, recorrendo a um valor maior que é o da prevalência da ética sobre a moral. [33]
Conclui dizendo: “Se o fim dos princípios jurídicos é ajudar a atingir um bem maior, ou seja, a justiça, esse paradoxo do concubinato adulterino deve ser resolvido, então, em cada julgamento, e cada julgador aplicando outros princípios e a subjetividade que cada caso pode conter é quem deverá aplicar a justiça, dentro de seu poder de discricionaridade. Assim, estaremos preservando o princípio jurídico da monogamia, eixo gravitacional sob o qual todo o Direito de Família está estruturado”. [34]
Por fim, os institutos do casamento e união estável putativos, essa explicitada no início do presente artigo, também ferem a lógica do sistema monogâmico, tendo em vista o reconhecimento de efeitos jurídicos a duas relações concomitantemente, independente das razões.
4.1.3) Ponderação de princípios
Considerando o princípio da monogamia como princípio constitucional, conforme alguns doutrinadores, não se podem negar direitos à concubina baseado apenas nesse argumento, tendo em vista além de sua relativização, a existência de outros princípios aplicados às relações concubinárias. Importante lembrar, que no caso de conflito entre princípios, deve-se utilizar a técnica da ponderação que está associada ao balanceamento de interesses, bens, valores ou normas.
Dessa forma, deve-se ponderar o princípio da monogamia de um lado e o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade, da igualdade e liberdade de outro e analisar se no caso concreto, o princípio da monogamia seria capaz de prevalecer, ignorando os demais.
4.2) Argumentos de ordem moral
Acredita-se que a inclusão do concubinato no conceito de entidade familiar produzindo efeitos jurídicos destruiria a lógica do sistema monogâmico e acabaria gerando grande instabilidade nas relações familiares, incentivando a proliferação das relações concubinárias. Esse era o mesmo argumento anteriormente utilizado para não permitir efeitos jurídicos à união estável.
No entanto, já foi demonstrado que mesmo havendo a exclusão do concubinato do nosso ordenamento jurídico devido ao princípio da monogamia, as relações não deixam de existir e conforme dados sociais e históricos, em grande quantidade. O que ocorre é que devido a inúmeros preconceitos, a única que sofre as conseqüências da exclusão jurídica é a mulher. O homem que também foi infiel, ou seja, infringiu o princípio da monogamia permanece ileso.
Conforme leciona Maria Berenice Dias, o indivíduo forma um núcleo familiar fundado no afeto, na maioria das vezes com vasta prole, mantendo o relacionamento de maneira estável e pública, existindo, inclusive, uma dependência econômica da concubina. E um dia, se ele, por qualquer motivo, resolve abandonar aquela família, não lhe prestando nenhuma espécie de assistência ou manutenção, recebe a chancela jurídica para cometer tal abuso. [35]
Ao contrário do que pregam, se forem reconhecidos direitos ao concubinato, não haverá estímulo, mas sim mais responsabilidade na formação de famílias paralelas. Isso poderia coibir muitos homens, já que pensariam em uma futura divisão patrimonial com a concubina.
Além disso, a família original que muitas vezes, sabe da relação concomitante, mas finge não saber, passaria a não aceitar tal situação. Não é tão simples assim manter duas famílias estáveis ao mesmo tempo, dando publicidade, tendo convívio intenso e dando suporte financeiro para ambas sem que o relacionamento seja descoberto.
O que ocorre é que por conveniência ou qualquer outro motivo pessoal, a esposa ou companheira da família original ignora o fato, até mesmo por ter ciência que a família paralela não possui os mesmos direitos da original.
4.3) Código Civil é omisso quanto ao concubinato.
O Código Civil atual entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, seu projeto original data de 1975, ou seja, tramitou pelo Congresso antes mesmo de ser promulgada a atual Constituição. Assim sendo, teve que sofrer diversas emendas para vigorar no novo sistema jurídico. O Código também foi responsável por importantes modificações no Direito de Família, eliminou as expressões preconceituosas, disciplinou o instituto da união estável, incorporou orientações pacificadas pela jurisprudência, como exemplo, não mais determinar a exclusão compulsória do sobrenome do marido do nome da mulher, além de conceder direito a alimentos mesmo ao cônjuge culpado pela separação.
No entanto, a lei sofre inúmeras críticas por parte da doutrina, em função da não incorporação de algumas inovações constitucionais, como a localização topográfica e as poucas disposições acerca da união estável, o que dá a impressão de estar em posição hierarquicamente inferior ao instituto do casamento. Além de não disciplinar as demais entidades familiares, deixando, portanto, de observar o princípio do pluralismo familiar.
Assim, torna-se imprescindível a interpretação do Código em face dos princípios constitucionais, visto que esse não pode mais sustentar uma pretensão de completude. A Constituição é o fundamento de todo o ordenamento jurídico. Não existe a possibilidade de separar Código Civil e Constituição Federal como se fossem duas legislações autônomas.
Como ensina Gustavo Tepedino, cabe ao intérprete e não ao legislador a tarefa de integração do sistema jurídico e essa tarefa há de ser realizada em consonância com a legalidade constitucional. É a chamada “eficácia horizontal dos direitos fundamentais” envolvendo a aplicação das normas constitucionais às relações privadas, onde se contrapõem a autonomia da vontade e a efetivação dos direitos fundamentais. [36]
Ainda segundo o autor, as normas constitucionais não sufocam a vida privada e suas relações civis, ao contrário, dão maior eficácia aos institutos codificados, revitalizando-os, mediante nova tábua axiológica. [37]
Além disso, é evidente que a realidade social é dinâmica e que por mais que o legislador se esforce não consegue prever todas as situações que exigem tutela jurídica, devendo o intérprete recorrer aos princípios.
Diante da omissão do legislador, as lacunas devem ser preenchidas pelo juiz, que não pode negar proteção jurídica nem deixar de assegurar direitos sob a alegação de ausência de lei. É o que se chama de non liqued, previsto no artigo 4º da LICC e 126 do CPC. A ausência de lei não quer dizer ausência de direito ou proibição, nem impede que se extraiam efeitos jurídicos de determinada situação fática.
Ante todo o exposto, o argumento de que o Código Civil não atribuiu efeitos jurídicos ao concubinato utilizado por grande parte da doutrina e jurisprudência para negar direitos à concubina encontra-se ultrapassado. Diante da omissão do legislador em tratar as relações concubinárias, deve-se recorrer aos princípios constitucionais. Importante frisar que houve uma omissão e não proibição no que diz respeito ao concubinato. Valer-se somente do Código para analisar as relações concubinárias acaba gerando inúmeras injustiças devido à falha na forma de interpretação.
4.4) Artigos do Código Civil proíbem o concubinato.
Alguns juristas afirmam que o Código Civil de 2002 não é omisso em relação ao concubinato, mas sim proíbe expressamente a relação. Os que fazem essa afirmação se reportam ao artigo 550 do CC que impede a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice, podendo essa ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
Há também o artigo 1642, inciso V, autorizando o cônjuge, qualquer que seja o regime de bens, a reivindicar os bens doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que eles não foram adquiridos pelo esforço comum deles, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos e por fim, o artigo 1801, inciso III do CC, estabelecendo que não podem ser nomeados herdeiros nem legatários o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos.
Segundo Anderson Lopes Gomes, os dispositivos acima citados devem ser repensados ou reinterpretados de acordo com o princípio da pluralidade familiar e da dignidade da pessoa humana sob pena de incorrermos em inconstitucionalidade. Segundo o autor, se as doações não ferirem plenamente a dignidade do cônjuge ou companheiro do doador, não há razão para impedi-las, pois acabaria infringindo a dignidade do concubino. Cita ainda, exemplos de cônjuges que detêm grande patrimônio, de forma que a doação por um cônjuge de um bem ao concubino não representaria perda considerável para o outro cônjuge. [38]
Na opinião do doutrinador José Francisco Basílio de Oliveira, a regra do artigo 1801 do CC/02, encontra-se derrogada pelo novo ordenamento jurídico constitucional. O autor afirma que a entidade familiar instituída pelo artigo 226, parágrafo 3º, da CF, não está restrita à união estável, assim o concubinato adulterino, desde que revestido dos requisitos que caracterizam a união estável, merece proteção do Estado. E por fim, que a vedação da lei civil somente deve remanescer para os casos de mancebia do homem casado, ou ligações para fins sexuais. [39]
Na realidade, os referidos dispositivos do Código Civil não se encontram derrogados, são regras que protegem o patrimônio familiar e merecem permanecer no Código sob pena de dar margem a fraudes e dessa forma sim, violarem o princípio da dignidade humana. Caso não existissem, poderia haver doação à concubina ou até mesmo sua nomeação como herdeira, sem se observar se a relação possui os requisitos para ser caracterizada como entidade familiar, ferindo assim os direitos da família original. Em nenhum momento os referidos artigos negam efeitos jurídicos ao concubinato enquanto entidade familiar.
5) Conclusão
Os efeitos jurídicos das relações concubinárias devem ser reconhecidos expressamente, visto serem relacionamentos presentes em nossa realidade social. Seus componentes não podem depender de decisões que se baseiam em argumentos de ordem moral, não observando os princípios constitucionais e o ordenamento jurídico como um todo, o que acaba gerando injustiças e tratamentos desiguais.
O artigo 226 da CF ampliou o conceito de entidade familiar, assim, todas as entidades que apresentam como característica a afetividade, ostensibilidade e estabilidade devem ser reconhecidas, merecendo proteção jurídica, incluídas aí as relações concubinárias.
Não podemos esquecer que diante da omissão do Código Civil em disciplinar o concubinato, devemos recorrer à Constituição Federal e seus princípios. Não há dúvidas que princípios constitucionais, tais como, o princípio da solidariedade, da afetividade, da igualdade e liberdade, principalmente o princípio da dignidade humana regem esses relacionamentos.
O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser observado, por estar no ápice do nosso ordenamento jurídico. É claro que esse princípio, como os demais, comporta restrições, mas elas não podem ultrapassar o limite intangível imposto pela dignidade humana, ou seja, não podem atingir o seu núcleo que é representado pelo mínimo existencial.
Assim, se a concubina dependeu financeiramente de seu parceiro durante anos, de certa forma, a esposa já dividia recursos financeiros com a mesma, portanto, negar qualquer efeito jurídico à relação, acabaria atingindo o mínimo existencial da concubina. Muitas acabariam sem possibilidade de sustento, já que após anos de relacionamento e dedicação à vida doméstica, não conseguiriam mais ingressar no mercado de trabalho.
Em nome do princípio da afetividade que vem redefinindo as relações familiares, não podemos ignorar os laços de afeto que constituem o concubinato, sendo somente esse elemento capaz de manter seus componentes juntos por anos, não existindo nenhum dever legal expresso como existe em relação a outras entidades familiares.
É uma hipocrisia falar que o concubinato se constitui somente com objetivo patrimonial, visto que as concubinas ainda encontram grande dificuldade em obter quaisquer direitos. Claro que essa afirmação não pode ser feita sem ressalvas, muitas relações são estabelecidas com base em interesses patrimoniais ou privilégios financeiros mesmo que momentâneos, no entanto, a hipótese não se restringe às relações concubinárias.
O princípio da solidariedade também deve ser destacado. As uniões são mantidas por anos, havendo assistência mútua entre seus componentes, não só em termos financeiros, mas também em relação a afeto e apoio psicológico, há uma troca.
Por fim, em nome do princípio da igualdade e liberdade, o Estado não tem o poder de interferir na vida dos indivíduos estabelecendo qual relacionamento afetivo é o mais conveniente e ainda, caso os indivíduos não obedeçam a suas estipulações não lhe é dado o direito de excluí-los e deixá-los a margem do Direito.
Dessa forma, as relações concubinárias devem ser reconhecidas, tendo seus assuntos tratados no Direito de Família. A Vara de Família deverá ser competente para processar e julgar ações dessa natureza, mesmo porque no concubinato pode haver conexão ou continência com assuntos já reconhecidamente de direito de família.
Deve ser assegurado o direito a alimentos caso se comprove necessidade, em vez de indenização por serviços domésticos prestados, não havendo mais sentido para a manutenção dessa humilhação. E por fim, o direito à partilha dos bens adquiridos na constância da relação, havendo participação direta ou indireta na obtenção dos mesmos.
Só é preciso respeitar a meação da esposa, protegida por lei e a meação do varão deverá ser dividida com a concubina, não obstante no período da união dúplice ter havido a construção do patrimônio por três pessoas e não apenas duas. O mesmo se aplicando em relação a uma união estável anteriormente constituída, a parte devida à companheira deve ser respeitada por ser um direito expresso em lei.
As concubinas não podem ser condenadas à invisibilidade por conta de sua escolha, a relação envolve outras pessoas e seria um absurdo que as conseqüências deste ato atingissem somente uma parte, como uma espécie de punição.
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