As novidades tecnológicas pipocam tão rapidamente que nos deixam atônitos. A Apple acaba de apresentar seu novo iPhone com tecnologia de reconhecimento facial que desbloqueia o aparelho e aprova pagamentos. As máquinas já possuem até “capacidade cognitiva”, a inteligência artificial entre outras novidades, detecta se o cidadão está feliz, com saúde e até qual sua “orientação sexual”.
Não temos ideia de onde vamos parar com a tecnologia, mas uma coisa é certa, nenhuma atividade econômica está livre de seus impactos. Quem viver olhando para o agora, não viverá o amanhã. Infelizmente, isto é o que pode acontecer com a milenar profissão notarial em nosso país.
Há cerca de cinco anos discutimos no seio do Colégio Notarial do Brasil a possibilidade de assinatura de escrituras remotamente pelas partes, a despeito de já haver esta previsão em alguns códigos de normas estaduais, ou seja, o uso de assinaturas digitais e videoconferência.
Discorramos a seguir sobre alguns pontos que norteiam a questão:
As assinaturas digitais no Brasil estão equiparadas às manuscritas, sendo o próprio Colégio Notarial do Brasil uma “autoridade certificadora”, tendo investido grandiosa quantia e incentivado fortemente os notários a serem “instalações técnicas”. Além das assinaturas digitais, as eletrônicas em geral (biometria e comportamentais) já são largamente utilizadas pelos poderes públicos e a iniciativa privada.
O artigo 215 do Código Civil prevê como requisitos da escritura pública, entre outros; o reconhecimento da identidade, capacidade e manifestação clara das partes.Analisando cada um destes requisitos, quero crer que não se possa mais duvidar da tecnologia para identificação de pessoas. No caso do tabelião na confecção do cartão de assinatura, já é comum usar de meios digitais de identificação, tais como foto, impressão digital, voz, assinatura eletrônica, etc., todas tecnologias que permitem a perfeita identificação remota. Com relação à capacidade civil e também à livre manifestação de vontade, não posso imaginar que, haja dúvida de que uma conversa por vídeo conferência ou mesmo somente por voz não seja suficiente para preencher este requisito.
Sobre este tema, aqueles que se colocam contra alertam para a possibilidade de que o usuário possa estar sendo “coagido” no momento da assinatura.
Querendo pautar um remoto e raro caso de exceção para barrar o uso de tecnologia remota de identificação. Ora, nenhum ato notarial é instantâneo, todos têm um ritual preparatório e solene. Portanto, um “suposto” caso de coação deveria ser de um artífice cinematográfico, com coação ou “sequestro” prolongado. E neste “suposto” caso, imaginemos ainda a questão do pagamento do negócio, a entrega do bem, num contexto condizente somente com enredo ficcional.
E ainda, supondo um “hipotético” caso de vício de consentimento, tem-se pacífica a jurisprudência da nulidade do ato, que prejudicaria principalmente o adquirente que certamente seria, no mínimo, conivente com a fraude. Ou seja, dito argumento não sobrevive ao mais raso pensamento lógico e jurídico.
Impor restrição à assinatura remota de escritura fere a fé pública notarial. Não posso acreditar que, sabendo o tabelião que irá responder com seu patrimônio e até a perda de delegação, não usará de toda cautela para distinguir os casos em que possa aplicar a tecnologia da assinatura remota de escritura. E cá entre nós, são vários os casos, como por exemplo, em que clientes já pagaram e detêm a posse do imóvel, restando apenas assinar a escritura definitiva, advogados assistentes em inventários e divórcios, requerimentos de atas notariais e outros tantos casos onde o “risco” de fraude é praticamente nulo.
As tecnologias de telepresença permitem que se tenham ambientes onde o fato de pessoas encontrarem-se em locais distintos, não deixam a menor dúvida sobre a avaliação da voluntariedade e análise de capacidade intelectual, cognitiva e psicológica. Não é à toa que nem o direito processual penal, com seu rigorosíssimo ritual, abriu mão do uso da vídeo-audiência.
Outro argumento em sentido contrário é aquele baseado na resolução da União Internacional do Notariado que entende que somente perante um notário é possível colher assinatura e consentimento em escrituras públicas. Incialmente, é preciso que se esclareça que o notariado brasileiro se difere em muito ao internacional no quesito de delegação da fé pública pelo notário. Ou seja, os atos notariais praticados nos demais países são personalíssimos, não havendo “cartórios” com dezenas ou centenas de escreventes como no Brasil – a propósito, fato que causa estranheza aos demais -. Por isso, o número de notários é milhares de vezes maior que no Brasil, cidades como Roma, Madrid ou Buenos Aires, por exemplo, possuem mais de mil notários cada, sendo por isso razoável, mas não justificável exigir sempre a presença de um, já que encontráveis a cada esquina. Há também outras características únicas do notariado brasileiro em relação ao mundial, como por exemplo o reconhecimento de firma por semelhança e outros tantos. Por isso, nem tudo que se aplica lá, e vice-versa, pode justificar ajustes resolutivos internacionais. A Colômbia, ao que temos notícias, já está utilizando assinaturas remotas.
Por fim, há que se enfrentar, o que a meu ver é o real motivo da resistência de alguns, o da concorrência de emolumentos, já que a tabela entre estados tem diferenças abissais. Ora, já não temos assistido suficientes casos de total “disrupção” de negócios por questões econômicas? Música, filmes, transporte automotivo e aluguel de imóveis não resistiram à “economia de mercado tecnológico”, da simplificação, barateamento e conforto da operação trazida pela informatização. Basta pensar um pouco – como cliente e não como tabelião – para imaginar as vantagens de assinar escrituras sem deslocar-se ao “cartório”.
Basta olhar para as gerações digitais, converse com seus filhos e netos, para perceber se eles não buscarão outras alternativas – caso não às ofereçamos – para resolver seus negócios de forma mais simples, barata e rápida. Aliás, basta googlear em “cartório digital, contrato digital, assinatura digital, blockchain, etc., para ver a quantidade de empresas e novas tecnologias de olho no nosso serviço. É melhor, ou menos pior, administrarmos concorrência entre nós ou com empresas? Vejam as de assinaturas digitais, que “tomaram” de assalto nossa atribuição.
Este tema está em tormentosa discussão em decorrência de uma solicitação do Conselho Nacional de Justiça ao CNB de sugestões para um provimento sobre documentos digitais. Vejam, caros colegas, a oportunidade de modernização de nossos serviços e barateamento de nossos custos, pois o atendimento remoto e o auto atendimento são formas de oferecer serviços a custos infinitamente menores. Nós que temos perdido alguns contratos, podemos passar a fazer não só aqueles em que há exigência legal de instrumento público, mas ou outros que são feitos por instrumento particular.
A propósito, tenho mais de 30 anos de profissão e militância associativa de classe, vi – e lutei muito contra – os bancos passarem a fazer contratos com “força” de escrituras, sob o argumento de que as notariais eram caras e burocráticas, os consórcios imobiliários e os leiloeiros, idem…
Se não oferecermos um serviço moderno, rápido, seguro e confortável, podem ter certeza, pacientes colegas, podemos preparar nosso obituário notarial.
Fonte: CNB-CF