Por Erica Barbosa e Silva
A integração das serventias extrajudiciais no sistema de justiça é essencial para resolver conflitos, especialmente com o aumento do registro civil.
“A integração das serventias extrajudiciais no sistema de justiça é imprescindível para dar resposta adequada a uma série de conflitos e os impressionantes números do Registro Civil das Pessoas Naturais só corroboram tal assertiva.”
O avanço do acesso à justiça levou ao congestionamento das vias judiciais, mas, além de permitir uma nova compreensão das finalidades institucionais do Judiciário, trouxe uma perspectiva renovada para a resolução de conflitos.
Essa concepção transcende os conflitos jurídicos em seu conceito mais estrito, tidos como a dicotomia da pretensão resistida1, para abarcar diversos problemas jurídicos, ligados à função de regulação do Estado, impulsionando novos cenários e, sobretudo, convidando outros sujeitos à participação ativa. Cresce, portanto, a integração das serventias extrajudiciais no sistema de justiça, dando resposta a uma série de conflitos, principalmente quando não há resistência de quaisquer dos jurisdicionados.
Torna tudo ainda mais intrigante, a concretização de um mundo virtual, alcançado pelo desenvolvimento de novas tecnologias e impulsionado por um cenário pandêmico e pós-pandêmico, gerando uma atuação inderrogavelmente remota.2 E foi assim que antigos paradigmas caíram, permitindo estruturas cada vez mais abrangentes e céleres.
Muito antes, porém, o registro civil das pessoas naturais já mostrava crescimento constante, com atuação bastante consistente e números extraordinários, contribuindo de forma inexorável para a concretização do acesso à ordem jurídica justa.3
Nesse sentido, merece grande destaque a erradicação do sub-registro de nascimento, fruto da inovação experimentada pela atuação do registrador civil a partir do prov. 13/10 do CNJ, criador das Unidades Interligadas, com a permissão do registro de nascimento pelas declarações colhidas na maternidade e tendo por objetivo o combate do sub-registro. As Unidades Interligadas puderam ser consideradas postos de atendimento do registro civil das pessoas naturais, viabilizando a emissão da primeira via do registro de nascimento de forma rápida e segura.
O sistema funciona de forma interligada, via internet e necessariamente com certificado digital, tendo o registrador a função de recepcionar as declarações do nascimento, verificando todas as suas particularidades desse registro, como escolha do nome e verificação da paternidade, bem assim recepcionando os documentos necessários, como declaração de nascido vivo e identificação pessoal. Nesse caso, resta dispensada a assinatura do declarante no livro de nascimento e, por isso, o registro deve conter expressa referência a essa circunstância. Já a declaração assinada na maternidade deve ficar arquivada na serventia em classificador próprio, tudo com as remissões recíprocas de praxe.
O censo demográfico do ano de 2022 ratifica tais considerações, mostrando números impressionantes.4 Os registros de nascimentos realizados em todo país tiveram cobertura de 99,3%, entre as crianças com até 5 anos de idade, marca ainda maior do que demonstrou o censo realizado no ano de 2010, cujo percentual havia sido de 97,3%. São números que demonstram a crescente erradicação do sub-registro e a grande adesão ao sistema online.
A análise desses números foi recentemente publicada pelo IBGE na divulgação do “Censo Demográfico 2022 Registro de Nascimentos: Resultados do universo”5, com destaque para o quadro evolutivo que traz perspectivas registrais com diversas classificações, como faixa etária, cor e raça indígena.
Das 27 unidades da federação, 24 já atingiram pelo menos 98% de registros de nascimento, com destaque para as regiões Sudeste e Sul, e ainda Rondônia, Rio Grande do Norte, Goiás, Distrito Federal, Bahia e Paraíba, que registraram mais de 99,5% de cobertura. Isso comprova que, mesmo nos lugares mais afastados e distantes, o acesso ao registro de nascimento é garantido pela própria atuação do registrador civil das pessoas naturais, que faz da tecnologia e inovação suas fortes aliadas.
Para além dos censos demográficos, as estatísticas fornecidas pelo registro civil das pessoas naturais contribuem para a investigação da evolução da população e permitem a análise de recortes geográficos interessantes para uma melhor compreensão do crescimento populacional e dinâmicas sociais, servindo de base para o desenvolvimento de políticas públicas e atuações governamentais mais assertivas.6
Ampliando os sistemas de atendimento remoto, recentemente o ON-RCPN – operador nacional do registro civil de pessoas naturais7 lançou projeto piloto para o registro de óbito digital na capital paulista, a exemplo do que já acontece com o registro de nascimento. Trata-se da plataforma e-Óbito, que permitirá que os registros de óbitos sejam realizados de forma digital, facilitando o registro e eliminando a necessidade de deslocamento até as serventias registrais.8
A partir de um sistema interligado, o usuário terá a opção de declarar o óbito na funerária e até mesmo receber a certidão de maneira digital, diretamente em e-mail por ele indicado.
Pela nova sistemática, as concessionárias do serviço funerário cadastradas poderão enviar a declaração de óbito diretamente ao registro civil das pessoas naturais, para que o respectivo registro seja feito com celeridade e segurança jurídica.
Por ora, o sistema está sendo realizado de forma restrita, pela parceria firmada entre o ON- RCPN, a prefeitura de São Paulo, a Arpen/SP e as concessionárias do serviço funerário. Todavia, não resta dúvida que será mais uma ferramenta para modernizar a prestação dos serviços registrais e beneficiar não apenas o cidadão diretamente interessado, mas a sociedade como um todo, por ser instrumento eficaz no combate ao sub-registro, evitando diversos crimes e fraudes de toda ordem.
Conforme os dados do IBGE de 2022, 3,65% dos óbitos de brasileiros não são notificados, índice que na região Sudeste corresponde a 701 mil falecimentos (0,86% dos óbitos), e na cidade de São Paulo, a 87 mil, o equivalente a 0,24% das mortes registradas.9
A nova funcionalidade, mais uma vez, apresenta o registrador civil das pessoas naturais como protagonista do sistema de justiça10, ao melhorar a prestação dos serviços públicos a seu cargo, afastando-se da figura de agente passivo das necessidades da população, para se apresentar como agente vivaz, cocriador do futuro e com perspectivas sempre vanguardistas e inovadoras.
Tudo isso ratifica que a construção do sistema de justiça deve ser baseada em diversos meios, dando resposta adequada aos mais diversos conflitos existentes, perspectiva que contempla àqueles ligados a imprescindível judicialização, mas também todos os outros que, de alguma forma, precisam da chancela estatal para serem resolvidos.
E, nesse contexto, ampliar a participação das serventias extrajudiciais e principalmente do registrador civil das pessoas naturais só pode trazer grandes benefícios à sociedade atual.
Fonte: Migalhas