Artigo – Pontos críticos da Sucessão dos Companheiros no Novo Código Civil – Por Verônica Ribeiro

Pontos críticos da Sucessão dos Companheiros no Novo Código Civil frente às Leis 8.971/94 e 9.278/96

Por: Verônica Ribeiro da Silva

1 INTRODUÇÃO

A nova abrangência da família conforme o comando do art. 226 da Constituição Federal, e de acordo com o novo Código Civil acabam com expressões discriminatórias do Código de 1.916 que se referia a “família legítima”, sendo aquelas formadas pelo casamento, como se gozassem de uma proteção especial do Estado. Como conseqüência, utiliza-se, simplesmente, a expressão “família” ou “entidade familiar” para designar aquelas formadas pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis; pela união estável, e àquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes.


O texto constitucional vigente no Brasil decretou a igualdade entre a união estável (concubinato puro) e o casamento, sendo assim, conferindo praticamente os mesmos direitos para os companheiros e cônjuges.


Ressalte-se que a definição de união legal é a celebrada com a observância das formalidades exigidas na lei, e união estável é uma relação em que as pessoas se unem com o propósito de constituírem família, compartilhando interesses e sentimentos. É a união entre homem e mulher configurada na convivência pública, contínua e duradoura.


A Constituição Federal ao admitir a união estável como entidade familiar inseria esta união no âmbito do Direito de Família, modificando as construções jurídicas que a denominava “sociedade de fato”.


Mesmo após o amparo legal da união estável na Constituição Federal, tal proteção não atribui direito sucessório aos companheiros. Por isto foram criadas leis para regulamentar o assunto.

A Lei nº. 8.971/94 foi declaradamente editada com o fim de regular o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. A Lei foi redigida com má técnica, o que não chegou a alcançar a originalidade do panorama brasileiro. O advento da Lei 9.278/96 menos de dois anos depois, veio regulamentar o § 3° do art. 226 da Constituição Federal, e diz que dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família (parágrafo único do artigo 7º). A questão que se propõe é de saber se hoje as Leis 8.971/94 e 9.278/96 foram revogadas tacitamente ou não com o novo Código Civil, já que este não ditou revogação expressa.


Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, instituído pela Lei 10.406, de janeiro de 2002, é preciso verificar ainda as mudanças e os impactos ocorridos no Direito Sucessório dos companheiros, fazendo um paralelo entre a Lei nº. 8.971/94 e a Lei nº. 9.278/96 que tratavam da matéria e analisar se o novo Código Civil garantiu os direitos já conquistados ou se os suprimiu.


O que se pode observar neste novo instituto é que o legislador poderia ter optado em fazer a sucessão da união estável equivalente ao casamento, mas não o fez, restringiu apenas aos elementos essenciais. Preferiu estabelecer um sistema sucessório isolado, no qual o companheiro nem é equiparado ao cônjuge, nem estabelece regras claras para a sucessão. O artigo 1.790 do novo Código Civil, numa primeira leitura, comparando com as legislações supracitadas, modifica a sucessão entre companheiros.


Um outro ponto a se examinar concernente a este assunto, diz respeito ao direito real de habitação, previsto pela Lei 9.278/96 para a companheira, sobre o imóvel de residência do casal. O novo Código Civil previu este direito, mas o fez somente para o cônjuge, não contemplando o companheiro.


Das doutrinas referentes ao direito real de habitação, citadas neste trabalho, a que se pretende reforçar, é a da teoria que garante o direito aos companheiros, previsto no artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96, e que desta forma não pode ser considerado revogado, por não ter sido contemplado no novo Código Civil, apesar da tentativa de se absorver todas as matérias do contexto.


Inicia-se esta monografia, fazendo considerações gerais sobre o tema e posteriormente apresentando a evolução histórica sobre união estável, o seu conceito, as denominações recebidas, passando pelo “concubinato puro” e impuro, fazendo ainda um paralelo entre o casamento e a união estável e quais os seus requisitos. No capítulo seguinte será tratado da sucessão em geral, apresentando conceito, histórico, abertura de sucessão, espécies de sucessão e sucessores, sucessão legítima e da ordem de vocação hereditária. O capítulo 4 trata da abordagem dos pontos críticos do direito sucessório dos companheiros no novo Código Civil, passando primeiro pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96 e avançando até o projeto de Lei 6.960/02. O capítulo 5 faz a conclusão do trabalho expondo os principais pontos abordados sobre o tema, suas controvérsias e lacunas na lei.


Por ser requisito da união estável a diversidade de sexo, não se aplica à união homossexual as normas atinentes à união estável, pois constituem sociedade de fato, com possibilidade de partilha de bens adquiridos em comum, que devem ser administrado em condomínio, e sua regulamentação exige lei própria, portanto este tema não será discutido nesta monografia.


2- DA UNIÃO ESTÁVEL


Antes de enfrentar o estudo da sucessão dos companheiros, é preciso um entendimento sobre união estável e fazer um apanhado acerca da evolução histórica dos direitos dos conviventes.


A origem da palavra concubinato provém do vocábulo latino concubinatus ou, para outros concubere que, em suma, significa dormir com, copular, deitar com.


É de conhecimento comum que, antes do advento das leis que disciplinam os direitos dos conviventes (Leis nº. 8.971/94 e 9.278/96), criadas por conta do mandamento constitucional contido no art. 226, § 3º, a situação da sucessão dos companheiros era ignorada por conta da matéria ser tratada como “sociedade de fato” e não como entidade familiar.


O texto do artigo 226, § 3º, dá a impressão de que o alvo da proteção passou a ser o conjunto de conviventes e não mais a de um dos partícipes desta união, em geral a mulher, em face de terceiros. Com efeito, as normas jurídicas protetoras das famílias têm agora de ser interpretadas tanto para os grupos familiares decorrentes do casamento, como também das uniões estáveis.


Observando a fase anterior à edição da Lei n. 8.971/94, é de se destacar que não existia base legal para deferimento de direito sucessório aos concubinos. Entretanto, a jurisprudência já vinha admitindo que a concubina que vivesse em concubinato puro tinha o direito na sucessão do autor da herança a receber percentual sobre o patrimônio deixado, compatível com seu esforço. O direito da concubina, neste caso, emergia do campo obrigacional, de acordo com o verbete n. 380 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Eis o teor do enunciado:

“Comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”


Sendo assim, entendia a jurisprudência que o direito da concubina encontrava amparo nas normas pertinentes à dissolução da sociedade de fato, sendo desta o ônus de provar sua efetiva participação material na constituição do acervo hereditário ou prestação de serviços, mesmo que domésticos, a justificar a sua partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum.


Outra vertente pretoriana, minoritária, sustentava a aplicação analógica do art. 1.603, III, do Código Civil de 1916 (ordem de vocação hereditária do cônjuge sobrevivente) aos concubinos, com fundamento nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, desprezando-se o verbete da súmula 380 do STF, quando então ficaria a concubina alçada à posição de herdeira.


“Art.4º – Quando a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”


“Art.5º – Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”


O novo Código Civil veio regulamentar a participação da (o) companheira (o), mas tão-somente com relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições estabelecidas no art. 1.790 do Código Civil.


Ao trata do assunto em artigo fora da ordem de vocação hereditária é conducente a concluir-se que o legislador hesitou em incluir a companheira ou companheiro como herdeiro na ordem vocacional do art. 1.829. Neste sentido, quis o legislador incluí-los como meros participantes da herança, quantos aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.


Faz necessário definir, no caso concreto, quais são esses bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, já que o artigo 1.790 é categórico neste sentido. Portanto, se a intenção do autor da herança fosse à participação do convivente em outros bens que não aqueles adquiridos na constância da união estável, deveria dispor em testamento.
 
participação na herança é independente da meação a que tem direito o convivente, uma vez que se aplica o regime de comunhão parcial de bens (art.1725 do CC). Na meação, os bens já pertencem ao sobrevivo, embora eventualmente estejam em nome do falecido. Já na sucessão não, os bens pertenciam ao de cujus, sendo-lhe deferida a título de transmissão gratuita causa mortis. Portanto, morto um dos conviventes, o sobrevivente terá direito, além da meação, também a porção hereditária.


 2.1-A UNIÃO ESTÁVEL E O CONCUBINATO IMPURO


Para entender a evolução histórica da união estável, é necessário distinguir: o “concubinato puro” do impuro.


Na origem etimológica, segundo Oswaldo Froes (2.000), o vocábulo concubinato, deriva de concubinatus, do verbo: concubere ou concubare, de raiz grega, com sentido de mancebia, amasiamento, barreguice. Este é o conceito mais primário de concubinato, tendo com a própria transformação social evoluído bastante.


Pode-se definir o concubinato como espécies diferenciáveis, em concubinato lato sensu (pela simples convivência) e concubinato stricto sensu (que se identifica com uma sociedade de fato), cada qual significando um tipo de convivência íntima, apesar de sempre more uxorio, de um homem e de uma mulher. Deste modo, Bittencourt (1998) ressalvam que em sentido lato concubinato é “a união estável, no mesmo teto ou em teto diferente, de homem e mulher, que não são ligados entre si por matrimônio legal”. Já no sentido estrito, é “a convivência more uxorio, ou seja, o convívio como se fossem marido e mulher”.


Segundo a maior parte da doutrina, concubinato e união estável são expressões sinônimas. Neste sentido, Bittencourt (1998) afirma: “Em poucas palavras, concubinato é a união estável no mesmo ou em teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si por matrimônio.” Ainda nessa linha, Rodrigues (2000) enfatiza que: “A Constituição introduziu a idéia de união estável, que a meu ver é a atual denominação que o legislador dá ao velho concubinato.”.


Na realidade, união estável é o concubinato puro, não-adulterino e o concubinato propriamente dito, é o concubinato impuro ou adulterino, conforme destacou Pereira (1.997) em seu livro de Direito de Família Contemporâneo. Por esse entendimento, Vianna (1.999) ainda leciona que o legislador pátrio substituiu o vocábulo concubinato por união estável; concubino/concubina por conviventes. Contudo, continua a existir, o concubinato, como uma relação passageira, furtiva, sem maior lastro, em que não se tem a intenção de relação duradoura, estável.


Azevedo (2.004) define o concubinato no sentido amplo como “todo e qualquer relacionamento sexual livre” e no sentido estrito, como “a união duradoura, constituindo a sociedade familiar de fato, com afecctio societatis, respeito e lealdade recíproco”.


Pelas conceituações apresentadas conclui-se que o sentido amplo de concubinato abrange diversas modalidades de uniões livres, incluindo as uniões adulterinas e incestuosas (concubinato impuro). Porém, é no sentido estrito, que se encontra assentada a expressão união estável e duradoura (concubinato puro) entre duas pessoas, de sexo diferente, que passam a viver como se fossem marido e mulher.


O Novo Código Civil brasileiro, nos arts. 1.723 e 1.727, acabou por assentar o entendimento da divisão das duas formas de concubinato, ou seja, o concubinato não-adulterino como união estável e o adulterino, simplesmente concubinato. O concubinato, figura que havia sido sepultada com as leis disciplinadora da união estável, foi ressuscitado pelo novo Código Civil, recebendo conceituação, mas sem que se disciplinassem seus efeitos jurídicos, abrindo ensejo a novas discussões doutrinárias e posicionamentos jurisprudenciais.


Os artigos 550 e 1801, III, do Código Civil, por exemplo, são destinados à concubina partícipe da relação que se convencionou denominar “concubinato impuro”, não se aplicando tais regras ao concubinato puro (união estável).


2.2-UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO


Outro aspecto que merece ser enfrentado é que a união estável e o matrimônio não se confundem, tendo o próprio legislador constitucional cuidado de afirmar que a lei deve facilitar sua conversão (união estável) em casamento. Ora, se a lei deve converter a união estável em casamento, conclui-se que os institutos em questão possuem naturezas diversas.

            É sabido que os deveres e direitos pessoais e patrimoniais gerados pela união estável são os mesmos gerados pelo casamento (arts. 1724 e 1725 do CC).


Para Sílvio de Salvo Venosa a união estável passará a existir desde quando houver a formação de uma família e é por isso que o legislador desejou proteger as uniões que se apresentam com os elementos norteadores do casamento. Logo, é um fato ser a união estável um casamento que se constitui sem forma exigida por lei e sem algumas formalidades, com pequeníssimas diferenças.


Com efeito, a união estável constitui-se a partir de uma situação de fato, ao passo que o casamento é o ato mais solene de nosso direito, somente tornando-se válido após a celebração legalmente prevista. A união estável se prova através dos meios juridicamente disponíveis (documentos, testemunhos, etc.), o matrimônio pode ser provado pela certidão de casamento. O casamento é um negócio jurídico. A união estável é uma relação de fato, onde as pessoas optam pela união fora dos moldes tradicionais do casamento. Para a Constituição da República e o direito de família são espécies do gênero entidade familiar.


2.3-OS REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL

a- Diversidade de sexos


Não existe agasalho para a união estável entre homossexuais. A jurisprudência vem admitindo – demonstrada a aquisição de patrimônio comum – a dissolução da sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, como alusivas ao direito obrigacional. O artigo 1º da Lei n. 9.278/96 corrobora o mandamento constitucional, a exemplo do que fizera a Lei n. 8.971/94 (art. 1º), no que tange à exigência de pessoas de sexos distintos para a caracterização da união estável. Hoje a diversidade de sexo está prevista no caput do artigo 1.723, do Código Civil.


b- Qualificação dos conviventes


A Lei n.9.278/96 deixou de exigir que aos companheiros sejam solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, tal como previa a Lei n.8.971/94. Por isso que há um entendimento que sendo um ou ambos os conviventes casados, mas separados de fato, nada impede que se produzam os efeitos da união estável para qualquer dos dois. Um dos motivos para a defesa do argumento seria a repulsa do direito de enriquecimento ilícito, que seria provavelmente experimentado pelo cônjuge do convivente ou até seus herdeiros, caso o patrimônio não fosse partilhado com quem de direito, face à vedação da questão. Não há que se falar, aqui, em concubinato impuro, uma vez que, embora um ou ambos sejam casados e separados de fato, não é ostentada com o respectivo convivente uma relação clandestina, mas sim dotada dos requisitos básicos da união livre como a publicidade, coabitação, estabilidade, dentre outros.


            O § 1º, do art.1.723, do código Civil diz que a união estável não se constituirá se ocorrem os impedimentos do art. 1.521, VI, salvo se a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.



c- Coabitação


Exigem que os conviventes morem sob o mesmo teto, mantendo vida assemelhada ao casamento. É também conhecida como relação more uxorio ou relação marital, vale dizer como se casados fossem. Este requisito da união estável é de grande importância, pois exterioriza em uma plenitude, apresentando os conviventes à sociedade como marido e mulher. Obviamente, somente o fato de morarem juntas duas pessoas de sexo diferente não é suficiente para a caracterização da união livre. Daí a necessidade da verificação da coexistência dos demais requisitos.


Embora não catalogada na Lei n. 9.278/96, art. 2º, como um dos deveres dos conviventes, nem tão pouco disciplinada no artigo 1.723, “caput”, do Código Civil, entende a doutrina que a coabitação, através da interpretação histórica e sistemática da lei, é da essência da união estável. Aliás, quando neste artigo 1.723, alude a “convivência duradoura…”, nada mais quis o legislador do que consagrar a coabitação.


d- Estabilidade


Antes da edição das Leis nº. 8.971/94 e n.9.278/96l, não havia prazo mínimo na jurisprudência para que se considerasse confirmado união estável. A CRFB/88 (art.226, §3º) não fixou prazo para a sua configuração. A lei nº. 8.971/94, por seu turno, fixou o prazo de 5 anos de convivência para assegurar o direito alimentar entre os companheiros. Com o surgimento da Lei n.9.278/96, ficou revogado o art. 1º da Lei n. 8.971/94, pois o diploma legal deixou de exigir prazo de convivência à caracterização da união livre. No entanto, deve haver entre os conviventes uma “convivência duradoura”, como o estabelecido no art. 1.723, “caput” CC.


            A duração da convivência deverá ser aferida de acordo com o caso concreto, pois o legislador deixou grande margem de arbítrio aos aplicadores do direito.


e- Publicidade
           

            Sabe-se que, na união estável, os conviventes, tais quais os casados, não escondem seu relacionamento da sociedade em que vivem. Pelo contrário, ostentam uma situação, como se marido e mulher fossem. A Lei n. 9.278/96, no seu artigo 1º, estabeleceu a publicidade como elemento caracterizador da união estável. Convivência pública, com efeito, é aquela conhecida de todos, manifesta e notória (Art. 1.723, “caput”, CC).


f- Fidelidade


No inciso I, do art. 2º, da Lei n. 9.278/96, encontra-se na menção ao “respeito e considerações mútuos” o dever de fidelidade recíproca. Note-se que o artigo em questão é mais abrangente do que o art. 1.566, I, do Código Civil, alusivo aos deveres dos cônjuges, pois exige, além da fidelidade (ali contida implicitamente), o respeito, a estima, amizade e o afeto.


No art.1724, do Código Civil, está expresso que as relações pessoais entre companheiros obedecerão aos deveres de lealdade e respeito.


g- Finalidade


É o elemento subjetivo da união estável. Além dos elementos objetivamente constatados, deve-se demonstrar que os conviventes tinham a intenção de constituir família. Este requisito também está presente no art. 1º, da Lei 9.278/96 e no caput do artigo 1.723 do CC.


3- DA SUCESSÃO EM GERAL


No sentido genérico, sucessão significa o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar da outra (ato ou efeito de suceder), conforme descrito no vocábulo do Dicionário Aurélio, do autor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira..


A sucessão pode operar-se a título gratuito (ex. doação) ou oneroso (ex. comprar e venda); inter vivos ou causa mortis.


O objetivo dessa monografia é discutir os pontos críticos que tange a sucessão causa mortis ou hereditária, em relação à transmissão da herança, por lei ou testamento aos companheiros e herdeiros. 


A Constituição Federal assegura, em seu art. 5º, XXX, o direito de herança, e o Código Civil disciplina o Direito das Sucessões em quatro títulos: “Da Sucessão em Geral”, “Da Sucessão Legítima”, “Da Sucessão Testamentária” e “Do Inventário e da Partilha”.


O direito sucessório dos companheiros encontra-se no Livro V, Título I, Da Sucessão em Geral, no artigo 1.790, do Código Civil.


3.1-CONCEITO


            Segundo Inocêncio Galvão Teles, em Teoria Geral do Fenômeno Sucessório, o Direito das Sucessões pode ser definido conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento (CC, art. 1.786).


É importante salientar que quando se alude a patrimônio, se quer dizer que aos herdeiros são transmitidos os bens e valores, assim como as dívidas do falecido, ou seja, o ativo e passivo.


Assim, com a morte do autor da herança, o sucessor passa a ocupar a sua posição jurídica, sem que haja qualquer alteração na relação de direito. Apesar da mudança de sujeito, mantêm-se todos os outros elementos das relações jurídicas: o título, o conteúdo e o objeto.


No entanto, nem tudo é transmissível. Alguns direitos assistenciais como: guarda e curatela, não o são. Da mesma forma as obrigações personalíssimas.


            3.2-HISTÓRICO


O direito sucessório remonta a mais alta Antigüidade, havendo registro de sua incidência no direito egípcio, hindu e babilônico, dezenas de séculos antes da Era Cristã.


Tem variado ao longo da história as razões pela qual a lei prevê o direito hereditário. Primeiramente, o motivo de sua existência era a necessidade de se preservar o culto aos antepassados. Não havia mal pior para uma pessoa do que não ter quem cultuasse o altar doméstico, de modo a ficar seu túmulo ao abandono. Cabia ao herdeiro o sacerdócio desse culto, razão por que a propriedade lhe era transmitida.


Durante muitos séculos a sucessão se transmitiu apenas pela linha masculina, sendo as mulheres solenemente excluídas, pois havia grande receio de que elas viessem assumir o poder.


Em todas as civilizações, por razões de ordem política e social, se perpetuou o direito da primogenitude e varonia, onde os filhos mais velhos eram contemplados com a totalidade da herança, em detrimento dos irmãos que, via de regra, conheciam a miséria. A mentalidade era a de que, com a concentração de riqueza nas mãos do primogênito, as famílias permaneceriam poderosas.


Percebe-se que a antiga concepção do direito hereditário, quer pelo prisma religioso, quer pelo fortalecimento da família, não se preocupava em aquinhoar de forma igualitária os herdeiros do mesmo grau.


No entanto, no decorrer do tempo, houve grande evolução em quase todos os países do mundo no sentido de garantir igualdade de tratamento aos herdeiros, possibilitando-lhes o recebimento de quinhões hereditários iguais.

3.3 ABERTURA DA SUCESSÃO – MOMENTO DA TRANSMISSÃO DA HERANÇA.


Com a morte real, abre-se a sucessão, transmitindo automaticamente o domínio e a posse da herança, aos herdeiros legítimos e herdeiros testamentários do de cujus (CC, art. 1.784), ainda que estes ignorem o fato. Nisto consiste o princípio de Sasine segundo o qual o próprio defunto transmite ao sucessor o domínio e a posse da herança.


Em decorrência do princípio da saisine, a capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que se regulará conforme a lei em vigor. Outra conseqüência do aludido princípio consiste em que o herdeiro que sobrevive ao de cujus, ainda que por um instante, herda os bens por este deixado e os transmite aos seus sucessores, se falecer em seguida.


A abertura da sucessão é também denominada de delação ou devolução sucessória e beneficia os herdeiros desde logo, como visto.


3.4-ESPÉCIES DE SUCESSÃO:


3.4.1-Quanto à fonte de que deriva:


A – Legítima (ab intestato):


Quando deflui da vontade do legislador, pois é este quem estabelece a ordem de vocação hereditária, denominando de sucessão legítima ou legal. Portanto, decorre da lei, quando não há manifestação de última vontade. Se o de cujus deixou de fazer testamento, seus bens passarão às pessoas descritas na lei (art. 1.829, CC): descendentes (em concorrência com o cônjuge sobrevivente), ascendentes (em concorrência com o cônjuge sobrevivente), cônjuge sobrevivente ou companheiro (art. 1790, CC) e colaterais até o 4º grau (art.1.839, CC), de acordo com uma ordem preferencial (ordem de vocação hereditária).


A sucessão é também considerada legítima quando, embora tenha havido manifestação de vontade através de testamento, este é considerado caduco (Art.1.939, CC), nulo (Art. 168, parágrafo único, 1.788, parte final, e 1.863, do CC), revogado (Arts. 1.969/1.970), ou é parcial. Nessas hipóteses, de acordo com o arts. 1.788, 2ª parte, incide o que se denomina “Princípio da sobra”.


Demolombe (jurista francês) apelidou a sucessão legítima de testamento tácito, ficto ou presumido do de cujus, pois quando uma pessoa se conforma que seus bens, com sua morte, passem às pessoas arroladas no Art. 1.829, do Código Civil ou aos companheiros (CC, 1790), basta não fazer testamento.


No Código Civil é nítida a opção do legislador pela proteção da família, pois estas pessoas são as mais próximas em afeição ao autor da herança, seja pelo vínculo consangüíneo, seja pelo casamento ou união estável.


Com a disposição da sucessão no Capítulo da Sucessão em Geral, percebe-se que o legislador mesmo querendo proteger os companheiros, o tratou de forma distinta, como se pode observar no artigo 1.790 do Código Civil em que: “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”, sem receber, no entanto, o mesmo tratamento do cônjuge sobrevivente, que tem maior participação na herança, tendo sido incluído no rol dos herdeiros necessários (CC, 1.845), ao lado dos descendentes e ascendentes. Se o companheiro concorrer à herança, por exemplo, com colaterais, terá direito a somente um terço desta. Enquanto que pela ordem de vocação hereditária, art.1.839, os colaterais só serão chamados a suceder se não houver cônjuge sobrevivente.


B – Testamentária:


Nesta existe a participação do hereditando quanto à divisão dos bens. Decorre de disposição de última vontade, ou seja, de testamento ou codicilo.


Quanto à sucessão testamentária, adotou-se no Brasil o Sistema da Liberdade de Testar Limitada ou Mitigada, ou seja, se o testador tiver herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuges) só poderá dispor através de testamento, de metade de seus bens, uma vez que a outra parte constitui a legítima, quota de reserva, quota indisponível dos herdeiros referidos, os necessários (artigos. 1.789 e 1.845, CC).


C – A sucessão poderá ser simultaneamente, legítima e testamentária.


Quando o testamento não compreender todos os bens do de cujus, os não incluídos passarão a seus herdeiros legítimos (art. 1.574).


3.4.2 – Quanto aos efeitos


            a – A título universal


            Dá-se quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade da herança, fração ou porcentagem dela; pode ocorrer tanto na sucessão legítima como na testamentária; o sucessor é denominado herdeiro. O patrimônio, neste caso, passa aos herdeiros como um todo orgânico, compreendendo o ativo e o passivo. Assume o herdeiro a posição jurídica do autor da herança.


b – A título singular


O testador deixa ao beneficiário um bem certo e determinado, denominado “legado”, como um veículo ou um terreno, por exemplo. O sucessor é denominado “legatário”.


O legatário sucede ao de cujus em bens ou direitos determinados e individualizados, ou em frações de bem devidamente caracterizado, sub-rogando-se na titularidade jurídica de determinada relação de direito. O legatário, no entanto, não responde pelas dívidas e encargos da herança e depende da entrega do bem herdado (art. 1.923, CC).


A sucessão legítima é sempre a título universal e a testamentária pode ser a título universal ou singular.

3.5 – ESPÉCIES DE SUCESSORES


      a – HERDEIROS LEGÍTIMOS


São os que sucedem por força de lei, situando-se na ordem de vocação hereditária do art. 1.829 ou no caso dos companheiros, artigo 1.790, ambos do Código Civil. Sucedem quando o autor da herança falece ab intestato, quando o testamento é inválido ou quando o testamento não abrange todos os bens (as duas últimas hipóteses referem-se ao Princípio da Sobra). Logo, quando o autor da herança falece nestas condições, a lei cuida de dar um destino ao seu patrimônio, entregando-o a pessoas ligadas a ele pelo laço de sanguíneo, pelo casamento ou união estável, numa marcante proteção à entidade familiar.


b- HERDEIROS NECESSÁRIOS (art. 1.845, CC).


São os descendentes, os ascendentes e o cônjuge sobrevivente. Caracterizam-se por não poderem ser afastados inteiramente da sucessão, a não ser em caso de indignidade ou deserdação (arts. 1814 e 1.961, CC). De acordo com o Sistema de Liberdade de Testar Limitada o testador que tiver descendentes, ascendentes ou cônjuge somente poderá dispor da metade do patrimônio (Art. 1789, CC), ficando salvaguardada a legítima ou quota de reserva do herdeiro necessário.

            

c- HERDEIROS TESTAMENTÁRIOS


São os contemplados em disposição testamentária. É a forma usada para incluir quem não é herdeiro legítimo.


            3.6.-ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA


            A ordem de vocação hereditária (ordo succedendi), nos quatro incisos do artigo 1.829 do Código Civil, tem por base as relações de família e de sangue (jus familiae e jus sanguinis). Seu fundamento é a solidariedade que deve reinar entre os seus membros e o amparo que esses membros mutuamente se devem.


      O chamamento dos herdeiros efetua-se por classes. Cada inciso do art. 1.829 corresponde a uma classe, cuja convocação é sucessiva, uma após a outra. Só se convocam ascendentes se não houver descendentes (art. 1.836, CC), concorrendo com o cônjuge sobrevivente; por sua vez, o cônjuge só será chamado a levar a totalidade da herança caso não exista qualquer integrante das duas primeiras classes e assim por diante (art. 1838, CC).


No artigo 1.790 há uma divisão das classes de forma distinta onde a companheira ou companheiro concorre com filhos comuns ou com filhos só do autor da herança e ainda com outros parentes sucessíveis. Recebendo a totalidade da herança só quando não houver parentes sucessíveis, conforme será tratado posteriormente.

Há casos previstos em lei que permitem a alteração da ordem de vocação hereditária do artigo 1.829 do Código Civil:



I – Artigo 5º, XXXI, da CRFB/88 e art. 10, §1º, da Lei de Introdução ao Código Civil tratam a referida regra de sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil, onde será aplicada a lei brasileira, em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que lhes não seja mais favorável à lei pessoal do de cujus.


II – Para proteger o cônjuge sobrevivente, confere a este o direito real de habitação. Assim, beneficiam-se, simultaneamente, herdeiros de classes diversas, pois enquanto se transmite a nua propriedade aos sucessores legítimos da classe preferencial (descendentes e ascendentes), ao consorte se outorga um direito real e limitado (Art.1.831, CC). A participação do cônjuge sobrevivente na sucessão terá que obedecer ao art. 1.830 do Código Civil, se ao tempo da morte do outro não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos.


III – A Lei nº. 6.858/80 manda pagar aos dependentes previdenciários e na sua falta aos sucessores previstos na lei civil, independentes de arrolamento ou inventário, valores não recebidos em vida pelo titular, como o PIS-PASEP, FGTS, saldo em conta-poupança, etc. Neste caso, o beneficiário (dependente previdenciário) pode não ser um herdeiro previsto na ordem de vocação, mas, no entanto, dividirá pro rata com este o numerário em questão, ou o receberá com exclusividade, em detrimento deste.


            3.6.1-VOCAÇÃO DOS HERDEIROS LEGÍTIMOS


A – DOS DESCENDENTES


Trata-se da primeira classe de pessoas sucessíveis, com exclusão de todas as demais. Porém, havendo descendentes e cônjuge sobrevivente, este concorrerá com aqueles, na proporção estabelecida na primeira parte do art. 1.832 do Código Civil:


“Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.”

            B – DOS ASCENDENTES


            A sucessão dos ascendentes obedece a duas importantes regras:


            Segundo o Código Civil, artigo 1.836, § 1º, é preciso atentar primeiramente para o fato de que os ascendentes mais próximos excluem os mais remotos. Assim, se o falecido, não tem descendente, herdará em primeiro lugar, os pais (ascendentes), em concorrência com o cônjuge sobrevivente, obedecida à proporção estabelecida no artigo 1.837:



  “Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.”


            A vedação à distinção de linhas significa não poder haver diversidade de tratamento entre parentes pelo lado paterno (linha paterna) ou pelo lado materno (linha materna). Observe-se que não há direito de representação na linha ascendente (Código Civil, art.1852).


            O artigo 1.836, § 2º, do Código Civil, menciona que havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo à outra aos da linha materna. Se, morre alguém que não tinha descendente, nem pais vivos, mas apenas três avós (igualdade de grau), dois maternos e um paterno (diversidade em linha), o patrimônio deixado será repartido entre duas linhas meio a meio; metade para os dois avós maternos (uma linha), e metade para o único avô paterno (outra linha). Em havendo cônjuge sobrevivente, este concorrerá a herança conforme o artigo 1.837 do Código Civil.


            É importante transcrever a única exceção existente no terreno da reciprocidade dos direitos sucessórios. Cuida-se do casamento putativo, em que um dos cônjuges o contraiu de má fé caso em que o casamento produzirá todos os efeitos civis relativamente ao consorte de boa-fé e aos filhos (Código Civil, 1.561, § 1º). Conseqüentemente, os filhos herdarão do cônjuge de má fé, mas este não sucederá aos filhos, porque em relação a ele o matrimônio não produzirá efeitos civis.


            C – DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE


            Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava separado judicialmente, nem separado de fato há mais de dois anos (com exceção se a convivência tornou-se insuportável sem que houvesse culpa do sobrevivente).


            Nas condições acima citadas, concorrerá com os descendentes e na ausência destes, com os ascendentes e precederá aos colaterais na ordem de vocação hereditária, o que não ocorria no direito primitivo.

“Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.”


          

          O cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes se o regime de casamento for o da comunhão universal de bens, ou da separação obrigatória de bens (Código Civil, art.1.641), ou se, no regime de comunhão parcial o autor da herança não houver deixado bens particulares, devendo ser obedecida primeira parte do artigo 1.832.


            Para o caso do autor da herança não possuir descendentes, mas houver a existência de ascendentes, o cônjuge sobrevivente participará, independentemente, do regime de bens, em concorrência com os ascendentes, na proporção estabelecida no artigo 1.837 do Código Civil.


            Não havendo descendentes ou ascendentes, recolherá o cônjuge sobrevivente à totalidade da herança. (Código Civil, 1.838).


                        Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau (Código Civil 1.839).


            No casamento putativo, em caso de anulação, o sobrevivente de boa-fé tem direito sucessório desde que a sentença seja posterior ao óbito. O cônjuge de má fé não sucede ao de boa-fé (Código Civil, art.1.561).



            Se o casamento for declarado nulo ou anulado em vida dos consortes, extingue-se o direito sucessório entre eles, pois deixa de haver casamento válido, a partir da data da sentença.



            D- DOS COMPANHEIROS


            O artigo 1.790 do novo Código Civil preceitua que o companheiro, somente sucederá aos bens adquiridos onerosamente pelo casal na constância da união, o que mostra que houve revogação do artigo 5º da lei 9.278/96, como também, do art. 2º da Lei 8.971/94, uma vez que se tornam incompatíveis entre si, pois tratam da mesma matéria.


O Capítulo 4 tratará exclusivamente da temática Sucessão dos Companheiros.


E- DOS COLATERAIS


            Os colaterais são chamados a suceder até o quarto grau na ausência de sucessores das outras classes (Código Civil, art. 1.839).


            Os irmãos são parentes colaterais mais próximos (segundo grau). Na falta de irmãos, herdarão os sobrinhos (terceiro grau). Não havendo sobrinhos, herdarão os tios do falecido, sejam maternos ou paternos, os quais receberão quinhões iguais. Se o falecido não tiver deixado sobrinhos ou tios, a herança será destinada aos sobrinhos-netos, aos tios-avós e aos primos, parentes colaterais do quarto grau, que dividirão a herança por cabeça.

            Na classe dos colaterais vigora a regra de que os mais próximos excluem os mais remotos (Código Civil, 1.840). Deste modo, um irmão (parente em segundo grau) exclui um tio (parente em terceiro grau), recolhendo o primeiro a totalidade da herança, por ser colateral mais próximo.


            Porém, existe, na parte final do referido artigo, uma exceção à rigidez legal, concernente aos sobrinhos (parentes em terceiro grau), que poderão representar o pai (irmão pré-morto do de cujus) na sucessão do tio.


            Para exemplificar, o autor da herança deixa um irmão e três sobrinhos, filhos de outro irmão falecido anteriormente. Nesta hipótese, dividem-se a herança duas partes iguais, correspondentes às duas estirpes.


            Observe-se que não há direito de representação conferido aos tios, que também são parentes em terceiro grau (Código Civil, art. 1.853).


            Segundo entendimento do artigo 1.790 do Código Civil os colaterais concorrem com os companheiros, tendo este a totalidade da herança somente na ausência de parentes sucessíveis. O companheiro concorrendo com parentes colaterais receberá apenas um terço da herança.


            F – DO ESTADO


            Se não apresentarem herdeiros das classes acima referidas para disputar a herança do falecido ela é arrecada como jacente, iniciando-se o processo para proclamá-la vacante. O Estado recolhe a herança, mas não tem o saisine. Por esta razão o novo Código Civil não o coloca na ordem de vocação hereditária. Só com a sentença de vacância é que os bens se incorporam ao Estado. Discute-se por isso, sua condição de herdeiro. Não tendo condição de herdeiro, não lhe é dado repudiar a herança. A sucessão do Estado encontra-se no art. 1.844 do Código Civil.


4- DIREITO SUCESSÓRIO DOS COMPANHEIROS


A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, § 3º, alçou a união estável ao patamar de entidade familiar. Com o decurso do tempo, a definição de união estável passou a ser fundamental para a produção de efeitos sucessórios dos conviventes. Após a Constituição Federal foram editadas as Leis n. 8.971/94 e 9.278/96. A primeira dispõe a respeito do direito dos companheiros a alimentos e à sucessão e a segunda, regula o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.


Fazendo um retrospecto histórico, percebe-se que a lei só passou a conferir direitos sucessórios e a alimentos, nas uniões livres, a partir da Lei n.8.971/94, legitimando uma prática social aceitável, diferenciando-se daquelas oriundas de comportamento adulterino.


Primeiramente, há de se recordar que prevalecia o entendimento doutrinário no sentido de que a Lei 9.278/96 não havia ab-rogado a lei 8.971/94, o que propiciou a vigência conjunta das mesmas até a entrada em vigor do Novo Código Civil.


4.1 – LEI N. 8.971, DE 29 DE FEVEREIRO DE 1.994.


            A Lei nº. 8.971/94, art. 2º, dispõe que cabe ao companheiro supérstite:


a) o direito de meação dos bens adquiridos por esforço comum;

b) usufruto sobre ¼ (um quarto) dos bens, no caso de haver descendentes (quando houvesse filhos do “de cujus” ou comuns),

c) usufruto sobre ½ (metade dos bens), se houver ascendentes e não houvesse filhos em comum.

d) a totalidade da herança, desde que o falecido não tenha deixado descendentes, ascendentes, nem cônjuge;


            Ao companheiro sobrevivente, comprovada a existência de união estável por ocasião do falecimento do parceiro, e havendo descendentes ou ascendentes, é concedido o direito de usufruir de ¼ ou de ½ dos bens deixados pelo de cujus, respectivamente, ou então, nos casos em que não existirem descendentes ou ascendentes do de cujus, teria direito à propriedade total dos bens por ele deixados.


            Segundo esta lei, os companheiros somente participavam da sucessão do outro, na qualidade de usufrutuário dos bens em proporções diversas, adstrita estas a existência ou não de filhos comuns, de filhos só do companheiro, ou de ascendentes, como citado acima.


            Todavia, convém ainda esclarecer que o usufruto legal, instituído pelo artigo 2º, I e II da Lei 8.971/94, em favor do companheiro sobrevivente é temporário, ou seja, perdura enquanto o convivente sobrevivo não constituir nova união, seja através de convivência estável ou casamento.


            Em tais hipóteses, por que não lhe cabia direito à herança, o companheiro se via assistido com o direito de usufruto sobre parte dos bens, em fração ideal ou em bens determinados, conforme se estabelecia na partilha.


            Consiste, o usufruto, no direito de fruir as utilidades e frutos dos bens, destacando-se da nua propriedade reservada aos herdeiros (713 do CC/1916). Como espécie de direito real, uma vez constituído sobre imóveis, deve ser levado a registro. O benefício será devido enquanto o usufrutuário não estabelecer outra união, seja de fato ou pelo casamento. Trata-se do mesmo usufruto vidual garantido ao cônjuge sobrevivente, se o regime de bens não era o da comunhão universal (art. 1.611, § 1º, do CC/1916), conforme comentários feitos por Euclides de Oliveira, às Leis 8.971/94 e 9.278/96.


            Na verdade, com o surgimento do artigo 2º, incisos I e II da lei em estudo, constata-se quase uma equiparação de condição jurídica entre o companheiro sobrevivente e o cônjuge viúvo, que fora casado com o falecido em regime diverso do da comunhão universal de bens.


            O usufruto legal subsiste para o viúvo enquanto perdurar a viuvez; e subsiste para o parceiro sobrevivente enquanto não constituir nova união (subentendendo-se, nova união estável ou casamento). Em qualquer dos casos, não havendo nova união, o usufruto é no máximo vitalício. Se houver filhos do de cujus, comuns com o sobrevivente ou não, o usufruto é sobre a quarta parte dos bens. Isto também se aplica, tanto para o cônjuge viúvo como para o companheiro sobrevivente. Se não houver filhos, mas só ascendentes ou outros herdeiros, o usufruto é sobre a metade dos bens, igualmente para o viúvo como para o companheiro sobrevivente, à luz dos ensinamentos de Rainer Czajkowski, ao tratar do tema em seu livro União livre.


            Nas hipóteses em que o de cujus não deixar descendentes ou ascendentes, conforme determina o inciso III do artigo 2º, o companheiro herda a totalidade da herança.


            Esta Lei não esboça qualquer tipo de concorrência entre o cônjuge viúvo e o companheiro sobrevivente. Deve ficar claro que o companheiro sobrevivente só herda se o de cujus for solteiro, separado judicialmente, viúvo ou divorciado, desde que convivendo por um lapso temporal de no mínimo de 5 anos, exceto se já tivessem prole constituída, para receberem os direitos legais. Se for ele apenas separado de fato de qualquer antigo cônjuge, o parceiro sobrevivente, com quem convivia ao tempo da morte, não herda.


            Também constitui detalhe importante à existência de direito sucessório a existência da união estável ao tempo do falecimento do companheiro. Ou seja, o parceiro terá direitos sucessórios, sendo incluído na vocação hereditária se existir a união estável no momento do falecimento. Se, ocorreu a separação antes da morte do companheiro, não há que se falar em direito hereditário, como, aliás, ocorre na separação judicial das pessoas casadas, existindo somente o direito à meação, que preexiste ao da herança. Pode-se afirmar que a situação não é tão simples já que, em muitos casos, poderão ocorrer dificuldades em provar que a união realmente dissolveu-se antes do falecimento do companheiro.

            A de se falar ainda sobre que o parceiro tem direito de usufruto e está incluído na ordem de vocação hereditária, nos termos do art. 2º da Lei 8.971, se existe união estável no momento do falecimento. Estes direitos sucessórios existem para o parceiro que, como tal, sobrevive à morte do outro. Ex-parceiro, de união extinta antes da morte, não os tem. Pode ter pretensões patrimoniais contra o espólio de outra natureza, mas não é herdeiro, nem titular do usufruto.


4.2-LEI N. 9.278, DE 10 DE MAIO DE 1.996.

           Posteriormente, surge a Lei n. 9.278/96 com uma moldura jurídica do instituto da união estável e trazendo algumas inovações.


Além de legitimar a união estável, como a outra também o fez, esta desmerece o lapso temporal de 5 anos. Passou a exigir para o reconhecimento da união apenas a publicidade, a continuidade e a durabilidade da relação afetiva, entre um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituir família.


Além dessa inovação, trouxe também o que a jurisprudência tanto discutia que era assegurar a assistência material, os alimentos a quem necessite numa eventual dissolução da união.


Neste contexto quando entra na seara das sucessões a referida lei indica que os bens oriundos do esforço comum pertencem a ambos em partes iguais, de modo que inclui numa possível sucessão o direito de meação, garantindo afora os direitos já assegurados pela Lei nº. 8.971/94, o direito real de habitação no imóvel onde se localiza a residência da família.


            Diz o parágrafo único do artigo 7º da Lei nº. 9.278/96:


“Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.


            É importante não confundir habitação com usufruto. Aquela é mais restrita que este. Consiste apenas na utilização, para fins de moradia do imóvel residencial alheio, gratuitamente, não abrangendo a percepção de frutos que dele possam advir.


           Percebe-se que as administrações dos bens são de ambos, ressalvando neste caso, cláusula contratual que verse de modo diverso.


            Esta lei nos traz ainda, os deveres e direitos que regulam a união, que são os mesmos consubstanciados no Código Civil brasileiro.