Artigo – Projeto de lei prevê a alteração do regime de bens no casamento por escritura pública – Por Karin Rick Rosa

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 69/16, de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares, que propõe modificações no Código Civil e no Código de Processo Civil para permitir a alteração do regime de bens do casamento mediante lavratura de escritura pública. O projeto se encontra na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desde 14/03/2016, aguardando designação do Relator. Não foram oferecidas emendas à redação original no prazo regimental. Em que pese não se tratar de texto com redação definitiva, o intento aqui é apresentar o projeto e tecer alguns comentários para reflexão e eventual apresentação de sugestão ao legislativo.

 

No ano em que a Lei 11.441 completa uma década de vigência, a aprovação de mais um projeto de lei destinado à desburocratização dos trâmites de natureza consensual é oportuna. Aliás, na justificação do projeto é citado, em vários momentos, o êxito da Lei 11.441, que facilitou a realização de divórcios, separações e inventários, possibilitando que mais de 1,5 milhões de atos relativos a divórcios, separações e inventários fossem praticados sem a intervenção do Poder Judiciário. A intenção, portanto, é replicar o modelo para outras situações que se caracterizam como procedimentos de jurisdição voluntária.


O texto sugere a inserção de um novo artigo ao Código Civil – 1.639-A, a revogação do §2º do art. 1.639, e a revogação do art. 734, do Código de Processo Civil.

 

A atual redação do art. 1.639 do Código Civil contempla, em seu caput, a possibilidade de escolha pelos nubentes do regime de bens, que é formalizada em escritura pública de pacto antenupcial por determinação legal. O parágrafo primeiro estabelece que o regime de bens vigora a partir da celebração do casamento, ou seja, a eficácia do negócio jurídico (pacto) depende da celebração do casamento. Já o parágrafo segundo trouxe como novidade no Código de 2002 a possibilidade de alteração do regime de bens durante o casamento, prevendo que ela sempre depende de procedimento judicial.


O PL 69/16 revoga justamente o parágrafo segundo do art. 1.639 do Código Civil, e inclui um novo artigo, que, no parágrafo primeiro, prevê que a alteração do regime de bens durante o casamento será requerida pelos cônjuges diretamente no tabelionato de notas, sem a necessidade da intervenção do Poder Judiciário, a princípio:

 

“Art. 1.639-A. É admissível alteração do regime de bens, mediante escritura pública, ressalvados os direitos de terceiros.


§ 1º A alteração do regime de bens do casamento será feita por meio de requerimento assinado conjuntamente pelos cônjuges dirigido ao tabelião de notas, que, atendidos os requisitos legais, lavrará a escritura pública independentemente da motivação do pedido.”

 

Além de remeter ao tabelião de notas a competência para alterar o regime de bens durante o casamento, o parágrafo primeiro afasta expressamente a necessidade de motivação para o pedido, seguindo a jurisprudência que consolidou o entendimento de que não cabe ao juiz adentrar no mérito da motivação para deferir o pedido de alteração.

 

O parágrafo segundo elenca os documentos que deverão acompanhar o requerimento assinado pelos cônjuges e pelo advogado(s) e dirigido ao tabelião de notas. São eles: a) a certidão de casamento atualizada; b) o pacto antenupcial, quando houver; e c) a declaração de domicílio atual do casal. Seguindo a mesma trilha da Lei 11.441, o projeto estabelece a participação obrigatória do advogado, na qualidade de assistente, comum ou não, dos cônjuges. A atuação do advogado acontece em dois momentos: assinando o requerimento dirigido ao tabelião de notas (no projeto constou petição), e assinando a escritura pública de alteração do regime de bens.

 

Para os casos em que o regime de bens foro da separação obrigatória de bens, os cônjuges interessados deverão comprovar que a causa que ensejou o regime estão superadas. É o que acontece, por exemplo, quando o casamento é contraído pelo divorciado ou pela divorciada, sem que tenha sido homologada a partilha de bens. Neste caso, apresentada a prova da homologação, tem-se superada a causa suspensiva que determinou o regime e a alteração poderá ser realizada.

 

O projeto prevê a publicação de edital na rede mundial de computadores pelo prazo de trinta dias antes da lavratura da escritura pública. Aqui nos parece melhor que o edital fosse publicado em jornal, destacando-se que no atual Código de Processo Civil há previsão de proposição pelos cônjuges de meio alternativo para divulgação da alteração.


Caso haja manifestação (impugnação), por terceiros, mediante declaração escrita e assinada, acompanhada com as provas ou contendo a indicação de onde elas possam ser obtidas, para obstar a alteração, o tabelião de notas deverá dar ciência aos requerentes para que estes indiquem, no prazo de três dias, as provas que pretendem produzir. Depois disso, a documentação será remetida ao juízo. Em que pese a falta de especificação no projeto, o juízo competente para o qual os documentos serão remetidos é o da Vara de Família da Comarca. Como se observa, a intervenção judicial somente ocorrerá quando houver manifestação por parte de terceiros, caso em que caberá ao Poder Judiciário decidir pelo deferimento do pedido ou não. O parágrafo oitavo dispõe sobre o procedimento judicial.

 

A alteração do regime de bens, por sentença ou por escritura pública, deverá ser averbada junto ao Registro Civil das Pessoas Naturais em que foi celebrado o casamento, no Registro de Imóveis e, nos casos de o cônjuge participar como sócio em pessoa jurídica, também deverá ser promovida a averbação junto ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas (o projeto não faz referência ao último).


Por último, o parágrafo décimo primeiro do art. 1.639-A prevê que a alteração do regime poderá ter efeitos retroativos ou não, de acordo com a vontade dos cônjuges, fazendo novamente a ressalva aos direitos de terceiros. A eficácia da alteração é matéria de grande relevância para notários e registradores, por repercutir diretamente nas transmissões imobiliárias feitas após a alteração do regime. A atual legislação em vigor não faz referência à retroatividade ou não, nem mesmo à possibilidade de atribuição dos efeitos pelos cônjuges.

 

O art. 734, do Código de Processo Civil, que dispõe sobre o procedimento judicial de alteração do regime de bens do casamento é revogado, e fica alterado o título da Seção IV, do Capítulo XV – Dos Procedimentos de Jurisdição Voluntária para “Do Divórcio e da Separação Consensuais, e da Extinção Consular de União Estável”.

 

Não há dúvida de que o projeto de lei, feitos pequenos ajustes, pode se tornar mais um caso de sucesso no caminho da desjudicialização.

 

 

Fonte: CNB-SP