Artigo – Reconhecimento da firma do tabelião? Comentários sobre a fé pública notarial

 Por Luciana Generali Barni

RESUMO: O presente estudo trata da exigência do “reconhecimento da firma do tabelião” nos procedimentos de transferência de veículos automotores pelas legislações estaduais, atualmente, no Brasil, quando a firma do alienante/vendedor é reconhecida em município ou estado da federação diferente daquele em que o registro é feito. O objetivo foi verificar a necessidade ou não desse procedimento, bem como a adequação deste instituto notarial à situação específica. A motivação para a pesquisa foi a necessidade de encontrar-se uma solução para a grande quantidade de fraudes ocorridas nessas operações, garantindo-se o princípio da segurança jurídica, mas sem onerar excessivamente os usuários do serviço notarial. O trabalho foi feito com base na legislação e na doutrina, com foco nos temas da função notarial, da fé pública notarial e do sinal público. Verificou-se que o procedimento adequado é o reconhecimento de sinal público, mas que há a necessidade de uma regulamentação específica do mesmo para que seja atingido o seu objetivo, na prática notarial.

Palavras-chave: fé pública notarial, reconhecimento de sinal público, transferência de veículos automotores.


1. INTRODUÇÃO

Atualmente, no Brasil, diversas legislações estaduais de trânsito têm apresentado uma exigência comum: o “reconhecimento da firma do tabelião” nas operações de transferência de veículos automotores em que alguma das assinaturas tenha sido reconhecida em município ou estado diferente daquele em que se faz o registro das mesmas.

Sabe-se que essa exigência legal surgiu do excesso de fraudes que vinha ocorrendo em todo o país, com a falsificação de sinais públicos dos tabeliães e, por conseqüência, a legalização de furtos e roubos de veículos, através de operações fraudulentas. Porém, o que se questiona neste trabalho é a adequação do instituto do reconhecimento de firma ao caso, bem como, em caso negativo, qual o procedimento adequado a ser adotado.

Assim, o presente estudo busca analisar a exigência das legislações de trânsito brasileiras com base, principalmente, nos institutos de Direito Notarial da fé pública e do sinal público, com o objetivo de verificar sua adequação aos princípios notariais e a sua efetividade prática, diante da atual regulamentação. Busca-se, por fim, apontar alternativas de soluções para a questão, com base no estudo realizado.


2. A FUNÇÃO NOTARIAL COMO ATIVIDADE DELEGADA DO PODER PÚBLICO

A atual Constituição brasileira, promulgada em 1988, dentre muitas inovações, trouxe, em seu artigo 236, disposições importantes a respeito das atividades notarial e registral, alterando substancialmente o regime das mesmas e prevendo a edição de leis regulamentadoras, a serem elaboradas posteriormente, como se pode ver, no seu texto, in verbis:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Para regulamentar a atividade, foi editada a lei federal 8935/94, também chamada por alguns autores como o “Estatuto do Notário e do Registrador”, visto que traz as disposições pertinentes ao ingresso na profissão, aos direitos e deveres a ela inerentes, além das infrações e penalidades a que estão sujeitos tais profissionais, dentre outras disposições.

Essa lei, em seus artigos terceiro e quinto, define quem são os profissionais por ela abrangidos, elencando algumas de suas características:

Art. 3° Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

Art. 5° Os titulares de serviços notariais e de registro são os:

I – tabeliães de notas;

II – tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos;

III – tabeliães de protesto de títulos;

IV – oficiais de registro de imóveis:

V – oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas;

VI – oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas;

VII – oficiais de registro de distribuição.

Desde a promulgação da Constituição e mesmo após a edição da lei 8935/94, são inúmeras as discussões, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, a respeito da natureza dos serviços notariais e de registro, bem como do regime jurídico dos profissionais da área.

Atualmente, já se encontra de certa forma consolidada a idéia de que se trata de serviço público, mas exercido em caráter privado, como se depreende da própria Constituição e de sua lei regulamentadora, além da jurisprudência mais recente do STF, exarada na ADI nº 2602 de 2005, oriunda de Minas Gerais, da qual se extrai o seguinte:

Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público – serviço público não privativo. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos (…).

Trata-se de modalidade de delegação, por meio da qual o Estado transfere aos particulares a execução de serviço de sua competência (público), para que estes prestem em seu nome e por sua conta e risco (em caráter privado), mas sob a fiscalização do delegante.

Conforme MENEZES (2007),

(.) o conceito da função notarial está estabelecido na Lei nº 8935/94, art. 1º: “Serviços notariais e de registro, são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. (p.19)

Os tabeliães, assim como os registradores, são considerados agentes públicos, da espécie delegados, conforme Hely Lopes Meirelles, que os conceitua como

particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante (p. 75).

A delegação é um ato administrativo complexo – envolve várias etapas, como a realização de concurso público e sua homologação, a nomeação dos candidatos aprovados, a outorga da função, a posse, etc. -, que tem por fim investir uma pessoa em certa função, através da atribuição de poderes para exercer as atividades dela decorrentes (FOLLMER, 2004).

(…) o notário brasileiro é um agente público, mas de cunho privado, pois é um profissional autônomo, independente, remunerado pelo particular que procura seus serviços, e possui, inclusive, um quadro de funcionários particulares (…) a função do notário decorre de delegação, porém com características totalmente privadas, tanto que o Estado tão-somente fiscaliza a atuação do notário (…). (FOLLMER, 2004, p. 69)

Como a autora salienta, a remuneração desses profissionais decorre da percepção de emolumentos pagos pelos usuários do serviço, e a fiscalização da sua atividade cabe ao Poder Judiciário de cada Estado. Assim, percebe-se que, apesar de ingressarem na atividade através de concurso público e de exercerem uma função estatal, os notários e registradores não são servidores públicos (ocupantes de cargo público), na medida em que exercem seu mister em colaboração com o Estado, sem vínculo de subordinação, mas em seu próprio nome, a partir da delegação – são, portanto, agentes públicos delegados.

Nesse sentido, apesar da autonomia que tais profissionais têm, no exercício da sua atividade, eles encontram-se subordinados às normas de Direito Público e aos princípios administrativos em geral, pois a função que exercem é pública, originalmente do Estado, transferida por delegação a eles, para prestação em caráter privado.

Considerando-se que a atividade notarial, objeto deste estudo, consubtancia-se em um serviço público, delegado pelo Estado, torna-se evidente a subordinação dos delegatários às normas aplicáveis à Administração Pública em geral. Segundo BRANDELLI (2007), “na consecução da função notarial, (…) que é função pública de titularidade do Estado, deverão ser observados os princípios de direito administrativo que regulamentam a prestação da função pública.” (p.101)


3. FÉ PÚBLICA NOTARIAL

Tabelião de Notas ou Notário é um profissional da área jurídica que exerce, privativamente, uma função pública, a qual recebe por delegação do Estado, após ser aprovado em concurso público de provas e títulos. A essência do trabalho que realiza está fundamentada no conceito de fé pública, visto que esta é a qualidade atribuída ao Tabelião pelo Estado-delegante, pela qual considera-se verdadeiro tudo aquilo que ele atesta. Daí ser a fé pública um dos princípios típicos do Direito Notarial.

Segundo COMASSETO (2002):

O Estado, como representante do povo, confere constitucionalmente a determinados cidadãos o direito de representação em certas tarefas, visando à promoção da paz social. Assim sendo, através de um mandamento legal, a fé pública é outorgada a operadores do mundo jurídico, como decorrência das especificidades naturais de cada profissão. Logo, a atribuição da fé pública tem por finalidade tornar os atos praticados por estes profissionais autênticos, transformando-se em instrumentos de prova somente contestáveis por falsidade comprovada em juízo. (p. 72-73)

No mesmo sentido, OLIVEIRA (2007):

ao receber a delegação para exercer as suas funções notariais ou registrais, o delegado investe-se em atribuições exclusivas, e ao elaborar o documento solicitado, ou registrado, conclui-o com a sua assinatura, esse ato é revestido por fé pública. (p. 270-271)

Considerando-se as principais atribuições do Tabelião, percebe-se que, para o exercício de sua competência, faz-se necessária a presença de um diferencial na qualidade de sua participação nos atos jurídicos em que intervém. É assim que, com sua intervenção, ele confere fé pública às relações de Direito Privado que lhe são apresentadas, autentica fatos e confere autenticidade a documentos. Os instrumentos notariais, portanto, são dotados de presunção de verdade, ainda que relativa ou juris tantum, prevalecendo até que se prove algum vício ou defeito na sua formação e/ou autenticação. Segundo OLIVEIRA (2007, p. 271), “(.) o princípio da fé pública não só garante a legalidade de uma relação jurídica como também dá validade e segurança”.

A fé pública do Tabelião, conferida constitucionalmente a esse profissional, para que atue em nome do Estado em sua atividade, qualifica os documentos a ele confiados pelas pessoas, tornando-os verdadeiros e conformes ao Direito, assegurando a autenticidade do seu conteúdo e de sua autoria. Essa é a base de um dos principais valores jurídicos: a segurança, preventiva de litígios e base da ordem social. E é justamente a certeza jurídica uma das finalidades precípuas da função notarial, tendo como fim último a realização do ordenamento jurídico (MENEZES).

Assim, percebe-se que a fé pública é uma forma de declarar que um ato ou documento está conforme os padrões legais, permitindo que as partes tenham segurança quanto a sua validade, até prova em contrário. É importante salientar que, para que o tabelião aponha o seu sinal público em um ato, faz-se necessária a prévia verificação do atendimento de todos os requisitos legais exigidos para aquele determinado instrumento. “Da fé pública decorre o caráter autenticante da função notarial, isto é, a capacidade de tornar crível o que o notário declarar que ocorreu em sua presença” (BRANDELLI, 2007, p. 167).

Conforme REZENDE, “o fundamento da existência da fé pública encontra-se na vida social, que requer estabilidade em suas relações, para que venham alcançar a evidência e permanência legais”. Nesse sentido, a função notarial tem evidente caráter preventivo, evitando que as partes venham a litigar, tendo se tornado “indispensável no mundo moderno, tendo em vista a complexidade das relações jurídicas, bem como a sua rapidez (.) uma vez que garante a segurança da veracidade dos atos.” (FOLLMER, 2004, p. 96-97).


4. SINAL PÚBLICO

A fé pública do notário é simbolizada pelo sinal público, uma espécie de assinatura diferenciada que, ao ser aposta em um documento pelo autor, atesta a certeza e a verdade do mesmo. É sempre acompanhado dos dizeres “Em testemunho da verdade”, devendo ser aposto no meio da expressão, em cada ato notarial. Cada tabelião, ao assumir a função a ele delegada, deve definir o seu sinal público, de maneira que ele possa ser reconhecido e identificado como verdadeiro por outras autoridades. “A autenticidade é a declaração de veracidade de um documento fornecida pelo tabelião” (FOLLMER, 2004, p. 102).

Segundo SILVA, a origem do sinal público está nas Ordenações do Reino, depois denominadas Ordenações Filipinas, sendo, portanto, uma herança de Portugal. Apesar de, inicialmente, ser fonte importante de segurança, ao exigir-se que fosse uma assinatura especial, manuscrita e difícil de ser reproduzida, atualmente perdeu muito do seu significado, visto que tem predominado a simples assinatura do tabelião, o chamado sinal raso, permanecendo o sinal público como mera formalidade sem sentido, pois não confere maior segurança aos documentos notariais. Conforme BRANDELLI,

o direito atualmente repudia a forma pela forma; a forma desnuda de um significado maior, que imponha mera dificuldade sem que agregue valor. Tolera-se e até se estimula a forma, somente quando ligada a algum conteúdo, a algum valor, como o da segurança jurídica, por exemplo (2007, p. 159).

Além disso, pelo fato de não haver, na legislação brasileira, uma regulamentação de sua exigência e uso, torna-se muito diferenciado, em cada estado e, mesmo, em cada serventia notarial, o seu uso. É decorrente dessa falta de normatização, também, a ausência de um compartilhamento sistematizado e orientado, entre os tabeliães, dos seus sinais públicos, o que gera espaço para a má-fé e as falsificações.


5. RECONHECIMENTO DO SINAL PÚBLICO DO TABELIÃO

5.1. Conceito

Reconhecimento do sinal público do Tabelião é o procedimento pelo qual essa assinatura diferenciada de um notário (e também de seus prepostos ou funcionários) é reconhecida por outra autoridade, com base na conferência com o seu original. Faz prova de que quem apôs o sinal em um determinado documento é realmente funcionário daquele tabelionato, autorizado a realizar aquelas atividades na serventia. Somente é possível quando a autoridade que certifica essa autenticidade recebe e arquiva os cartões de assinaturas dos profissionais de outras serventias, utilizando-os, quando necessário, para fazer a comparação e atestar sua veracidade.

5.2. Procedimento exigido na transferência de veículos automotores

Atualmente, é comum que as regulamentações dos órgãos estaduais de trânsito no Brasil exijam que, em procedimentos de transferência de veículos em que o reconhecimento de alguma das assinaturas envolvidas no ato tenha sido feito em outro município/estado, seja feito o “reconhecimento da firma do tabelião”. Como exemplo, cita-se a portaria do DETRAN/RS número 159/05, de 21 de julho de 2005, que faz tal exigência em seu artigo 5º, inciso X, item d.1.2.7.

A origem dessa normatização foi o excesso de fraudes encontradas no procedimento de transferência de veículos, com a falsificação do sinal público de tabeliães em todo o país, gerando, com isso, a legalização de muitos veículos roubados junto aos órgãos de registro (no caso do Rio Grande do Sul, os Centros de Registro de Veículos Automotores – CRVAs).

Analisando-se conceitualmente essa exigência, com base no Direito Notarial, percebe-se que o instituto correto aplicável ao caso seria o reconhecimento de sinal público, visto que a firma do tabelião não é uma simples assinatura, como antes visto, mas sim um sinal diferenciador e identificador da fé pública do profissional que a apõe. Esse procedimento não se constitui como ato notarial, mas sim atividade administrativa operacional destinada a facilitar o serviço e prevenir a ocorrência de fraudes, na medida em que verifica que a assinatura do funcionário que reconheceu a firma, de outra serventia, é verdadeira, bem como que o agente que a apôs é realmente funcionário daquele cartório.

O reconhecimento de firma, por sua vez, é o procedimento pelo qual o tabelião ou seus prepostos reconhecem como verdadeira a assinatura de uma pessoa, “a declaração da autoria de assinatura em documento” (MENEZES, 2007, p. 16). Trata-se de ato típico notarial no qual está presente a fé pública do tabelião (MENEZES), podendo ser de duas espécies, produzindo diferentes eficácias, conforme o tipo: autêntico – quando a pessoa, devidamente identificada, assina na presença do portador de fé pública, gerando validade e eficácia ao documento em que ela se encontra – ou por semelhança – quando o reconhecimento é feito com base em ficha padrão da pessoa que assinou, existente no tabelionato, por comparação; não autentica o documento em que é aposta. Não é demais salientar que, para o ato de reconhecimento de firma, qualquer que seja a sua espécie, “é da essência do ato a prévia identificação do signatário” (MENEZES, p. 34).

Além disso, cabe salientar que, nos procedimentos de transferência de veículos automotores, sempre é exigido o reconhecimento da firma do alienante/vendedor por autenticidade. Considerando-se a crescente probabilidade de que ocorram fraudes em tais operações, o autor Menezes (2007) sugere, inclusive, que seja reconhecida igualmente a firma do comprador, além de colher ambas as assinaturas (do vendedor e do comprador) em termo de comparecimento, com a data da realização dos reconhecimentos, o local e as respectivas fichas de autógrafos das partes, tornando o negócio menos suscetível a problemas posteriores.

Porém, a questão não é simplesmente de nomenclatura. O fato de considerar-se o procedimento como se fosse um reconhecimento de firma faz com que haja a cobrança do ato como tal, o que contraria o sistema notarial, pois o reconhecimento de sinal público deveria ser um ato gratuito, dependente apenas da comunicação entre os serviços, cada um enviando o seu sinal público para as demais serventias.

5.3. Adequação da exigência aos conceitos do Direito Notarial

Para que se possa obter a segurança jurídica necessária nos procedimentos de transferência de veículos automotores, faz-se necessário criar um mecanismo que, ao mesmo tempo em que garanta a autenticidade da assinatura do tabelião, não agrida o Direito Notarial como sistema e não gere, para as partes, uma dupla cobrança. Conforme BRANDELLI, o direito notarial “é o conjunto de normas jurídicas que regulamentam o agente realizador da função notarial, bem como a própria função por ele exercida no desempenho de sua atividade profissional” ( 2007, p. 78).

Conforme salienta FERREIRA, em sua sugestão de modificação das normas de serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, “a fé pública notarial tem sido ignorada em muitos casos, obrigando-se as partes a fazerem dupla prova de situações já verificadas por um delegado público”. De fato, as partes não podem ser penalizadas pelas fraudes de alguns, que acabaram gerando a exigência em tela, bem como não se pode negar a fé pública do tabelião ou seu preposto que realizou o reconhecimento, outorgada pela Lei n. 8935/94 e defendida pela Constituição Federal, no seu art. 19, inciso II.

Ao mesmo tempo, torna-se necessário pensar em algum mecanismo que garanta a necessária segurança que a operação de transferência de veículos exige. “A segurança jurídica é, sem sombra de dúvidas, um dos mais importantes valores buscados pelo direito, dele decorrendo, no mais das vezes, outros valores, como o da justiça, por exemplo.” (BRANDELLI, 2007, p. 81). No mesmo sentido, COUTO E SILVA (2004),

a Administração Pública brasileira, na quase generalidade dos casos, aplica o princípio da legalidade, esquecendo-se completamente do princípio da segurança jurídica (…) desfigura-se o Estado de Direito, pois se lhe tira um dos seus mais fortes pilares de sustentação (…) e acaba-se por negar justiça. (p. 31).

Uma solução interessante parece surgir da análise do projeto “Central de Sinal Público”, da Anoreg – Seção Paraná. De acordo com esse sistema, todos os tabeliães ficariam responsáveis por enviar à entidade o seu cartão de sinais públicos; haveria um cadastro geral, ao qual todos os ofícios teriam acesso, podendo consultá-lo, inclusive, pela internet. Nesse sentido, importa salientar a recente iniciativa do Colégio Notarial do Brasil de criar a “Central Brasileira de Sinal Público”, com o mesmo objetivo da supracitada idéia paranaense, mas de âmbito nacional, confome nota no sítio da ANOREG/BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil).

Com base nesse sistema, o próprio registrador, ao receber o documento de transferência do veículo com reconhecimento de firma efetuado por tabelião de outro Município/Estado, poderia consultar a Central de Sinais Públicos, conferindo a sua autenticidade e atestando por fé pública, já que ele também é um profissional que tem esta qualidade. Assim, a parte não precisaria passar por dois procedimentos de reconhecimento, nem pagar duas vezes por ele.

Finalmente, não é demais ressaltar que, dessa maneira, estariam atendidos alguns dos princípios fundamentais do Direito Notarial e da Administração Pública, da qual os notários são agentes delegados: o princípio da moralidade, pelo qual o tabelião deve apresentar conduta que dignifique a profissão, “sendo-lhe vedado tomar qualquer atitude que confunda ou dificulte o exercício do direito por parte do cidadão” (RABELO); o princípio da publicidade, que exige a maior divulgação possível dos atos praticados pelos agentes públicos, devendo haver transparência quanto às atividades e, principalmente, o princípio da eficiência, que exige rapidez e resultados adequados e úteis na prestação dos serviços públicos, atendendo-se satisfatoriamente as necessidades dos usuários.

Finalmente, de fundamental importância a reflexão de BRANDELLI:

Aí está o fundamento, a beleza e a importância do direito notarial: a intervenção estatal na esfera de desenvolvimento voluntário do direito buscando a certeza e segurança jurídicas preventivas, evitando litígios, acautelando direitos, dando certeza às relações, e sendo, portanto, um importante instrumento na consecução da paz social (2007, p. 85).


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou analisar, com base nos institutos da fé pública notarial e do sinal público, a exigência de diversas legislações estaduais no Brasil, de “reconhecimento da firma do tabelião” nos procedimentos de transferência de veículos automotores.

Com base nos conceitos do Direito Notarial, verificou-se que, em verdade, o instituto a que se refere a exigência citada é o reconhecimento de sinal público e que não se trata apenas de questão de nomenclatura, mas de diferentes atividades realizadas pelos tabeliães, que geram procedimentos e efeitos diversos.

Concluiu-se que o instituto do sinal público encontra-se bastante defasado em nosso sistema jurídico, graças à ausência de normatização sobre o seu uso e de compartilhamento entre os tabeliães dos seus cartões de sinal público. Nesse sentido, apontou-se como necessária a criação de uma central nacional de sinal público, iniciativa que já está surgindo em algumas entidades da classe notarial.

Finalmente, salientou-se a importância da fé pública notarial como instrumento autenticador das relações privadas, garantindo a certeza e a segurança jurídicas, valores fundamentais no mundo atual. Daí a necessidade de entendimento correto dos institutos de Direito Notarial para fazer-se um bom uso dos mesmos, tanto na questão da normatização, quanto na prática diária das relações jurídicas.


REFERÊNCIAS

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BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

COMASSETO, Miriam Saccol. A função notarial como forma de prevenção de litígios. Porto Alegre: Norton Editor, 2002.

COSTA, Valestan Milhomem da. Ata notarial. (em Biblioteca virtual Dr. Gilberto Valente da Silva, sítio http://www.irib.org.br)

COUTO E SILVA, Almiro. Princípios da legalidade da Administração Pública e da segurança jurídica no Estado de Direito Contemporâneo in Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, v. 27 (57), p. 11-31. Porto Alegre, 2004.

FOLLMER, Juliana. A atividade notarial e registral como delegação do poder público. Porto Alegre: Norton Editor, 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

MENEZES, Admar Josoé de. Reconhecimento de firma. Porto Alegre: Norton Editor, 2007.

MENEZES, Régis Cassiano. A função notarial e a segurança jurídica. Porto Alegre: Norton Editor, 2007.

OLIVEIRA, Nelson Corrêa de. Aplicações do Direito na prática notarial e registral: 2332 questões. 3. Ed. São Paulo: IOB Thomson, 2007.

RABELO, Walquiria Mara Graciano Machado. Princípios da Administração Pública: Reflexo nos Serviços Notariais e de Registro. (retirado do sítio http://www.irib.org.br)

REZENDE, Afonso Celso Furtado de. Tabelionato de notas e o notário perfeito: direito de propriedade e atividade notarial. Campinas: Copola Livros, 1997.

SILVA, João Teodoro da. A atividade notarial, o livro de notas e o provimento nº 54/78 CSM-MG – caderno 2 in Apontamentos de direito e prática notarial. (retirado do sítio http://www.irib.org.br)

TUTIKIAN, Cláudia Fonseca; TIMM, Luciano Benetti; PAIVA, João Pedro Lamana (coord.). Novo Direito Imobiliário e Registral. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

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http://www.anoreg.org.br/inc/Notícias/Detalhes/ImprimeNotícia.cfm?cod_noticia=16594 (acesso em 21/01/2008)

 

Luciana Generali Barni: Bacharel em Direito em Veranópolis (RS). Especializanda do Curso de Pós-Graduação em Direito Público da Faculdade Projeção – Centro Preparatório para Concursos (CPC).

 

Fonte: Jus Navigandi