O Supremo Tribunal Federal (STF), em 21 de setembro de 2016, julgou o Recurso Extraordinário n. 898060-SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, que tratava da prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, e fixou a seguinte tese de repercussão geral (622): “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Esse julgado foi indevidamente considerado por alguns como um marco no sentido de assegurar a multiparentalidade em todas as hipóteses de paternidade socioafetiva, com ampla possibilidade jurídica.
No entanto, a multiparentalidade, como bem decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal da Justiça (STJ), em 23 de abril de 2018, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, deve ser afastada quando não representar a melhor solução para o filho.
Trata-se do REsp nº 1.674.849 que, ao aplicar a Repercussão geral 622, tem a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. FILHO HAVIDO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE QUANDO ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. APLICAÇÃO DA RATIO ESSENDI DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JULGADO COM REPERCUSSÃO GERAL. SOBREPOSIÇÃO DO INTERESSE DA GENITORA SOBRE O DA MENOR. RECURSO DESPROVIDO.
Em alusão ao precedente do Supremo Tribunal Federal, restou consignado nesse acórdão que:
O reconhecimento de vínculos concomitantes de parentalidade é uma casuística, e não uma regra, pois, como bem salientado pelo STF naquele julgado, deve-se observar o princípio da paternidade responsável e primar pela busca do melhor interesse da criança, principalmente em um processo em que se discute, de um lado, o direito ao estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito à manutenção dos vínculos que se estabeleceram, cotidianamente, a partir de uma relação de cuidado e afeto, representada pela posse do estado de filho.
No caso concreto, os princípios da paternidade responsável e do melhor interesse da criança restariam afetados na medida em que o pai socioafetivo, mesmo não tendo certeza quanto à paternidade, registrou a criança como sendo sua filha, enquanto o pai biológico, além de não demonstrar afeição pela menor, deixou claro ser indiferente à alteração do registro da criança. Desse modo, já estando a criança perfeitamente assistida afetiva e materialmente pelo pai socioafetivo, não haveria necessidade de reconhecimento da multiparentalidade.
Perceba-se que a interpretação exarada pelo STJ confere o devido entendimento da tese fixada pelo STF no que se refere à multiparentalidade, tomando o critério da prevalência dos interesses do filho, que não são adstritos aos aspectos materiais como pretendiam aqueles que equivocadamente consideraram a dupla paternidade aplicável em qualquer hipótese.
*Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Fonte: Estadão