Artigo – Responsabilidade civil por abandono afetivo – Por Priscilla Araújo de Almeida

Priscilla Araújo de Almeida

O tema em questão aborda a realidade de muitas crianças brasileiras, onde todos os dias são abandonadas pelos pais. Através de uma pesquisa sobre o assunto, percebi a relevância de colocar este tema em análise, pois o abandono afetivo pode trazer feridas incicatrizáveis para a vida dessas crianças que não serão cidadãos com uma personalidade formada e com o psicológico equilibrado, tudo isso por não terem uma convivência salutar com o pai ou a mãe durante o seu desenvolvimento.
 
A Responsabilidade Civil no âmbito familiar tem como base o dano moral, neste caso, o dano moral causado à criança pelo abandono afetivo dos pais e o cabimento de indenização reparatória. Esse dano não pode ficar sem reparação, porque isso vai contra todos os preceitos de justiça, e todo aquele que motive um prejuízo tem o dever de repará-lo. Assim, o dano aqui causado é o dano moral que corresponde às lesões que afetam o psíquico, moral e intelectual.
 
A família deve ser vista como o ponto central da essência do ser humano, e o não cumprimento deste princípio acentua-se a necessidade de sua reparação. Um aspecto importante de observar é a necessidade de condenação do pai a pagar indenização pelo dano psicológico causado por sua omissão na formação e desenvolvimento do filho. Este problema vem crescendo muito, ocasionando um dano na vida do filho, tornando-o emocionalmente abalado pelo abandono afetivo.
 
O Judiciário vem se manifestando acerca dessa questão, tendo surgido algumas decisões que condenam pais que faltaram com o dever de assistência moral e afetiva aos seus filhos durante o desenvolvimento da criança. Mas, também, há decisões se manifestando contrárias ao pagamento de indenização ao filho abandonado.
 
Para o saudável desenvolvimento de uma criança é necessário a convivência familiar como valor primordial na vida desta, mas infelizmente não é o que acontece. A convivência familiar é muito importante para o saudável desenvolvimento humano, no que diz respeito à formação de um cidadão, com o intuito de a criança receber orientação educacional, psicológica e afetiva dos pais. A orientação dos pais constitui uma diretriz fundamental na formação dos filhos, por isso a assistência moral e afetiva, representa importante valor para o adequado desenvolvimento dos filhos. A ausência gera danos irreparáveis, capazes de mexer na estrutura do ser humano.
Afinal, os pais são responsáveis pelos filhos e isto constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O descumprimento dessas obrigações significa a violação ao direito do filho.
 
Nesse contexto, haveria responsabilidade civil por abandono afetivo? A negativa de afetividade do pai poderia gerar o dever de indenizar? A indenização seria uma maneira de reparar a dor sofrida pelo filho?
 
Esta questão ainda não é claramente evidenciada na legislação brasileira, mas há dispositivos que levam a acreditar no cabimento de indenização por abandono afetivo na filiação.
 
O art. 1.634 do Código Civil Brasileiro diz que: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda”. Ou ainda, no art. 229 da Constituição Federal: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”, e ente outros fundamentos.
 
É no seio familiar que são dados os primeiros passos para um desenvolvimento emocional equilibrado e que a criança seja um adulto bem estruturado. Uma adequada criação influenciará no futuro de uma pessoa. Todo o cuidado e dedicação que os pais há de terem com os seus filhos, ajudarão estes a criarem confiança e auto-estima.
 
Quando os pais ensinam os valores primordiais à seus filhos, esse individuo terá mais chances de ser uma pessoa digna e de boa relação com outros indivíduos da sociedade. Por tais razões, a família é de muita importância no desenvolvimento sadio do ser humano, como preceitua o art. 226 da Constituição Federal: “a família é a base da sociedade”.
 
O abandono afetivo muitas vezes se dá a partir da separação dos pais acarretando o distanciamento do pai, em decorrência de uma nova ligação afetiva; da falta de preocupação do pai separado, que transmiti à mãe a obrigação de criar os filhos sozinha; ou ainda, quando o pai estabelece residência em outra localidade, após a separação.
 
É preciso orientar os pais que por mais que haja divergência familiar entre o casal que possuem o poder familiar, a criança deve ser protegida acima de qualquer conflito que possa surgir. Assim, configuram-se como práticas ilícitas aquelas que ferem vários princípios fundamentais de qualquer indivíduo, como o principio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da igualdade, da liberdade, da afetividade, da convivência familiar e do melhor interesse da criança.
 
A responsabilidade civil por abandono afetivo na filiação desempenha o papel de punição, objetivando educar os pais ou um deles pelo péssimo exercício do poder familiar. Essa condenação pecuniária não tem como fundamento a recuperação do dano, mesmo porque não tem como reparar a dor psicológica suportada pelo filho, mas serve como medida educativa para o pai não cometer mais tal conduta.
 
Não existem meios de obrigar os pais a amarem seus filhos, pois, o amor não tem preço e não há como impor alguém o dever de amar outrem. No entanto, a proposta aqui é educar e orientar, no sentido de que essa ausência de afeto deve preceder a uma sanção. Se os pais não quiserem dar amor aos filhos, ninguém poderá forçá-los, mas é imprescindível que a sociedade exerça o papel solidário de lhes informar, que suas atitudes não são compatíveis com os costumes e que essa conduta comprometerá a formação da criança abandonada afetivamente.
 

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Fonte: Ibdfam