Após a Constituição Federal de 1988 muitos juristas têm substituído o termo Cartório Extrajudicial por Serventia Extrajudicial, com a afirmação de que a Carta Magna mudou o nome deste Instituto. Entretanto, faz-se necessária uma análise hermenêutica em relação a este tema, que foi objeto de um artigo meu durante o Doutorado em Direito Constitucional na UNIFOR-CE, na disciplina de Hermenêutica Jurídica, mas que faço um resumo aqui nesta Coluna do Migalhas Notariais e Registrais.
Evolução Histórico-Legislativa do Termo Serventia Extrajudicial
O termo Serventia foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977, que incluiu o artigo 206 à Constituição da República Federativa do Brasil de 1967:
Art. 206 – Ficam oficializadas as serventias do foro judicial e extrajudicial, mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo.
1º – Lei complementar, de iniciativa do Presidente da República, disporá sobre normas gerais a serem observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal na oficialização dessas serventias.
2º - Fica vedada até a entrada em vigor da lei complementar a que alude o parágrafo anterior, qualquer nomeação em caráter efetivo para as serventias não remuneradas pelos cofres públicos.
A Emenda Constitucional nº 22, de 1982, que acrescentou os artigos 207 e 208 à Constituição de 1967 também manteve a denominação serventias:
Art. 207 – As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos.
Art. 208 – Fica assegurada aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro judicial, na vacância, a efetivação, no cargo de titular, desde que, investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983.
Percebe-se, portanto, que a denominação foi utilizada para designar os serviços judiciais e também os serviços extrajudiciais, não havendo opção do legislador originário em distinguir as duas atividades.
Entretanto, o termo Serventia, para designar o local em que se desenvolve a atividade notarial e registral, ganha destaque no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mais especificamente no §3º do artigo 236:
“O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses” e no artigo 31, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.”
Investigando-se as normas infraconstitucionais que utilizam a terminologia Serventias como local de exercício da atividade notarial e de registro verifica-se que somente duas legislações trazem tal denominação.
A primeira é a lei 8.935/94, que regulamenta o art. 236, da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios). Referida norma menciona o termo Serventia 9 (nove) vezes, sempre no sentido de representar o local em que a atividade notarial e registral é exercida. Entretanto, a mesma norma menciona ainda o termo Tabelionato de Notas, para designar o local de lavratura de testamentos pelos notários (Art. 20, § 4º).
Importante destacar, que a mesma lei 8.935/94 utiliza a expressão cartório na parte preliminar da norma: “LEI Nº 8.935, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994. Regulamenta o art. 236, da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos Cartórios)”.
Verifica-se, portanto, que no texto da referida norma o legislador optou pela expressão serventia, entretanto, no momento de realçar e explicitar, de modo conciso, sob a forma de título, o objeto da lei, conforme determina o conteúdo da ementa, determinado pela lei 95/98, o legislador optou pelo aspecto histórico e popular, utilizando a expressão: “Lei dos Cartórios”.
A outra norma que também utiliza a expressão serventia para designar o local onde se desenvolve a atividade notarial e registral é o Código de Processo Civil de 2015 (lei 13.105/2015), que prevê o termo serventia em apenas 2 (dois) artigos: “Art. 53. É competente o foro: (…) III – do lugar: (…) f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;” e “Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: (…) XI – a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei.”
Entretanto, a norma utiliza a palavra Cartório em diversos artigos, para ser mais preciso em 32 (trinta e dois) momentos: 28 (vinte e oito) vezes como sinônimo de local em que é praticada a atividade de auxílio direto à atividade jurisdicional) e 4 (quatro) vezes para indicar o local de exercício da atividade extrajudicial de notas e de registro.
Enfim, todas as demais normas de relevância para o ordenamento jurídico brasileiro criadas após o ano de 1988 utilizam a palavra Cartório para designar o local de exercício da atividade notarial e registral. Entre as normas investigadas é possível destacar:
O Código de Defesa do Consumidor, lei 8.078/90, utiliza a expressão cartório ao se referir ao local em que é necessário o registro da convenção coletiva de consumo para sua obrigatoriedade (art. 107. § 1°). A Lei de Locação de Imóveis Urbanos, lei 8.245/91, também optou pela utilização da palavra Cartório, conforme se verifica em dois de seus artigos 33 e 38. A lei 8.666/93, que dispõe sobre as regras de licitações e contratos da Administração Pública, também não se afastou da terminologia Cartório, conforme se pode analisar em seus artigos 32 e 60. O Código Civil Brasileiro de 2002, lei 10.406/02, utiliza a palavra Cartório 20 (vinte) vezes, sempre para designar o local de exercício da atividade notarial ou de registro e não utiliza nenhuma vez a palavra Serventia.
Até mesmo as legislações relacionadas expressamente com a atividade notarial e de registro, como é o caso da lei 9.492/94, lei que regulamenta o protesto de títulos e outros documentos de dívida, não utiliza a palavra Serventia, prefere o termo Cartório, conforme se pode comprovar da análise do artigo 29, da referida lei.
Evolução Histórico-Legislativa do Termo Cartório
O termo cartório surge como sinônimo de “cartairo” ou “cartarios”, local em se achavam transcritos os títulos e documentos de algumas Corporações: “o nome de Chartularios, ou Cartularios (em vulgar Cartairos, ou Cartarios, que às vezes é sinônimo de Cartórios) Códices em que se acham transcritos os títulos e documentos de algumas Corporações”1.
Em sentido semelhante, também afirmando as Corporações como origem da palavra cartórios, é Marcelo Caetano: “os cartulários, cartários ou cartórios (de Charta) pertencem sobretudo às grandes corporações monásticas ou às mitras, que possuíam avultados patrimônios, constituídos às vezes por centenas de prédios, fosse em plena propriedade, fosse em senhorio direto (prédios foreiros)”2.
Sobre a origem da palavra cartório, como local de exercício da atividade notarial e registral é Joaquim de Oliveira Machado, segundo o qual a palavra substituiu o termo paço:
“A tolerancia ao abuso ou difficuldade de locomoção abriram, a pouco e pouco, ensanchas a que os tabelliães fossem estabelecendo suas officinas em diversos pontos das cidades ora em suas proprias residencias ora em casas separadas. Essas casas perderam o nome de paço e o substituiram pelo de cartorio. D’onde veio este vocabulo? Porque para o tabellião ou escrivão ainda subsiste o nome legal de cartorio ao passo que para o official de registro foi elle substituido pelo de escriptorio? Vamos explicar: Cartorio vem de carta como escriptorio vem de escrever. A carta é versão literal do substantivo latino charta, chartae, equivalente a papel que, para a escripta incipiente, era fabricado da fibra do junco papyro. Este papel foi tomando diversos sentidos, segundo o fim ou segundo a forma para que era utilisado. D’ahi vem que carta significa o livro, o diploma, a patente, o titulo ou acto de lei, de citação, de partilhas, de liberdade, de conselho, etc. O cartorio, pois, não era sinão lugar em que eram guardados os livros e os papeis pertencentes ao officio do tabellião. Era o archivo ou deposito onde são recolhidos os livros de notas, de audiencia, eleitoraes, os autos, os processos, as ordens do juiz, emfim todos os papeis. A officina do tabellião, do escrivão, e dos officiaes do juizo conservam o titulo peculiar de cartorio quer elle esteja em edificio separado quer n’um compartimento da propria morada do serventuário”3.
Verifica-se, portanto, que a palavra Cartório surge para representar o local em que se guardavam os livros, documentos, enfim, os papéis escritos por aqueles que exerciam algum tipo de atividade notarial. Nesse sentido é possível afirmar que em um primeiro momento utilizou-se o termo escritório (para designar o local de exercício da atividade registral) e cartório (para designar o local de exercício e arquivo da atividade notarial), ambas as expressões substituindo o termo paço.
A Constituição Política do Império do Brasil, elaborada pelo Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I em 25.03.1824 não fazia nenhuma menção aos termos Cartórios ou Serventias, ou seja, a atividade notarial e de registro e os termos para indicar o local de exercício dessas atividades eram regulamentados apenas no âmbito infraconstitucional.
Nesse sentido, o termo cartório é encontrado no Decreto nº 482, de 14 de novembro de 1846, que regulamentou o Registro Geral de Hipotecas (criado pela lei 317/1843):
“Art. 2º – As hypothecas deverão ser registradas no Cartorio do Registro geral da Comarca onde forem situados os bens hypothecados. Fica porêm exceptuada desta regra a hypotheca que recahir sobre escravos, a qual deverá ser registrada, no registro da Comarca em que residir o devedor. Não produzirá effeito algum o registro feito em outros Cartorios, e igualmente o que for feito dentro dos vinte dias anteriores ao fallimento.”
Outra norma do século XVIII que também utiliza a palavra Cartório, cuja parte relacionada ao direito marítimo ainda está em vigor, ou seja, revogada apenas parcialmente pelo Código Civil Brasileiro de 2002, é o Código Comercial Brasileiro, lei 556, de 25 de julho de 1850.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de janeiro de 1891, também não adota as terminologias objeto de estudo deste artigo científico, mas menciona no artigo 58, §1º, que o provimento os “Ofícios de Justiça” compete aos Presidentes dos Tribunais.
O Código Civil de 1916 (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil) é uma das legislações que consolida a utilização do termo cartório, pois em diversos artigos utiliza o termo, em alguns momentos para designar a atividade extrajudicial, em outros para designar a atividade judicial.
No âmbito do direito registral imobiliário, o decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939, que dispôs sobre a execução dos serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil de 1916, menciona o termo cartório 56 (cinquenta e seis vezes), ou seja, é a consolidação do termo para designar o local em que é desenvolvida a atividade notarial e registral no Brasil.
Em texto Constitucional, o termo cartório surge pela primeira vez na Constituição de 1934:
“Art. 67 – Compete aos Tribunais: a) elaborar os seus Regimentos Internos, organizar as suas secretarias, os seus cartórios e mais serviços auxiliares, e propor ao Poder Legislativo a criação ou supressão de empregos e a fixação dos vencimentos respectivos; (…) c) nomear, substituir e demitir os funcionários das suas Secretarias, dos seus cartórios e serviços auxiliares, observados os preceitos legais.”
A Constituição de 1937, de forma muito semelhante à Constituição de 1934, também menciona o termo Cartório para designar de forma genérica o local de exercício da atividade de auxílio ao Poder Judiciário e prevê também a competência para legislar sobre registro civil, que é da União.
A Constituição de 1946 e de 1967 não mencionam a palavra cartório, mas ao designar o local em que deve ser formalizado o casamento, utilizam o termo Registro Público. A de 1946 foi a primeira a versar sobre a vitaliciedade do exercício da atividade, que nesta época era exercida de forma conjunta com os serviços de auxílio direto à atividade jurisdicional.
Conforme já mencionado, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 utiliza ambos os termos: Serventia e Cartório, entretanto, em nenhum momento exclui ou substitui o termo Cartório por Serventia.
Mencionando a divergência e se posicionando pela não extinção do termo cartório é Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Já se expôs, amplamente, que, ao contrário do suposto na pergunta, a Constituição e a Lei 8.935/94 não fizeram desaparecer as unidades conhecidas como “cartórios” e que, não tendo se servido de tal expressão, valeram-se de outras para referir tais específicas e individuadas unidades que concentram plexos de atribuições públicas a serem exercidas em caráter privado”4.
Em comentário sobre a lei 8.935/94, Celso Antônio Bandeira de Mello assim afirma: “(…) é bem ver que nomes são meros rótulos apostos às coisas. Nenhum deixa de existir ou se transforma em outro pelo simples fato de ser designado por outro nome”. Menciona ainda que: “(…) Com ou sem tal nome, o certo é que nos termos da citada lei (como resulta dos art. 16, parágrafo único, 20, §5º, 21, 27, 28, 29, I, 39, §2º, 43 e 44 da lei 8.935/1994), persiste existindo o mesmo que se designa por Cartório ou Tabelionato (…)”5.
Pesquisando o termo Cartório na Constituição de 1988, verifica-se que ele é utilizado no art. 64, que versa sobre a obrigatoriedade de a imprensa nacional e demais gráficas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios divulgarem edições populares do texto integral da Constituição:
Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil.
Analisando-se o referido artigo, verifica-se que o legislador originário utiliza a palavra cartório em igualdade com outros institutos de conhecimento da população: escolas, sindicatos, igrejas e quartéis, fazendo crer que a própria Constituição reconhece a popularidade do termo Cartório como sendo o local em que se desenvolve a atividade notarial e de registro.
Os métodos de interpretação e as denominações: serventia e cartório
O primeiro método de interpretação a ser utilizado em qualquer análise hermenêutica é o método gramatical. Referido método é insuficiente para se afirmar qual terminologia deve ser utilizada para designar, por si só, o local em que se desenvolve a atividade notarial e registral no Brasil, entretanto, é um ponto de partida para a análise dos dois termos.
Pela interpretação gramatical, verifica-se que no dicionário Michaelis o termo cartório significa: “1 Lugar onde se arquivam cartas, notas, títulos e outros documentos de importância. 2 Escritório destinado ao funcionamento de tabelionatos, ofícios de notas, registros públicos etc. EXPRESSÕES Casar no cartório, COLOQ: formalizar união entre duas pessoas perante a lei. Ter culpa no cartório, FIG: ser culpado de alguma falta ainda não punida. ETIMOLOGIA der de carta+ório.”
No mesmo dicionário o termo serventia não é utilizado como sinônimo de cartório, bem como não indica tratar-se do local de arquivamento de documentos ou local de funcionamento dos registros públicos. Observe-se o que significa a palavra serventia no referido dicionário: “1 Qualidade do que é útil ou tem aplicação; préstimo, utilidade. 2 Uso que se faz de algo; utilização. 3 Trabalho desempenhado por servente. 4 Trabalho de serventuário. 5 Abertura para passar; tudo o que serve para passar; passagem. 6 Trabalho temporário ou em substituição a outra pessoa. 7 Condição do que serve; servidão. ETIMOLOGIA der de servente+ia1.”
O dicionário Aurélio indica que cartório é: “Substantivo masculino. 1. Lugar onde se registram e guardam cartas ou documentos importantes; arquivo: o cartório de uma empresa. 2. Repartição onde funcionam os tabelionatos, os ofícios de notas, as escrivanias da justiça, os registros públicos, e se mantêm os respectivos arquivos. Casar no cartório. Contrair casamento civil; casar no civil: “Casei no padre; a mulher “tá querendo casar no cartório também”.
Da mesma forma como se verificou nos demais dicionários, o Aurélio não atribui ao termo serventia qualquer significação de local de exercício da atividade de notas ou registros públicos: “Substantivo feminino. 1. Qualidade do que serve; utilidade, préstimo, proveito. 2. Uso, serviço, emprego, aplicação. 3. Servidão (1). 4. Serviço (14). 5. Serviço provisório ou feito em nome de outrem. 6. Trabalho do serventuário. 7. Trabalho do servente.”
Valendo-se do método de interpretação sistemática, que tem por objeto comparar os dispositivos com outros dispositivos, extrai-se que os diversos dispositivos que utilizam o termo cartório e serventia, sempre utilizam os dois termos para designar o local em que a atividade notarial e registral é exercida. Assim, a legislação utiliza os vocábulos como sinônimos, não há contradição em suas utilizações, sempre que aparecem são utilizadas para designar o mesmo instituto.
De outro lado, apesar de identificar os dois vocábulos como sinônimos, a interpretação sistemática também é fundamental para verificar a força do termo cartório, pois pela interpretação sistemática extrai-se que em todas as normas que utilizam o termo serventia, utilizam também o termo cartório, entretanto, o contrário não é verdadeiro, ou seja, diversas normas utilizam apenas o termo cartório, sem nenhuma menção ao termo serventia.
Verificando-se o referido método pelo critério quantitativo, ou seja, pelo número de vezes de utilização das palavras nas normas, é possível afirmar também uma preponderância da palavra cartório, pois o termo serventia é de rara incidência no ordenamento jurídico, até mesmo em normas que tratam apenas do direito notarial e de registro preferem a denominação Cartório.
Seguindo-se e utilizando-se agora do método histórico de interpretação entende-se que em todas as normas analisadas, o termo cartório surge como elemento de conhecimento de toda a população como sendo o local em que se exerce a atividade notarial e de registro. De outro lado, o termo serventia é utilizado com intuito de desvincular a atividade notarial e registral do termo Cartório.
Analisando-se os dois vocábulos também pelo método teleológico ou axiológico, segundo o qual a interpretação deve sempre verificar as previsões e consequências que deveriam ter sido avaliadas pelo legislador, a palavra cartório segue em ampla vantagem, pois representa os fins sociais do direito às exigências do bem comum, ainda que, de fato, possa parecer que este fim social não tenha sido atingido. De outro lado, o termo serventias, por estar totalmente dissociado do fim social a que se destina o exercício da atividade notarial e registral, possui grande desvantagem no aspecto axiológico em relação à palavra cartório.
Conclusão
Conforme mencionado, o presente artigo não tem a pretensão de esgotar o estudo sobre a utilização dos termos Serventia Extrajudicial ou Cartório Extrajudicial no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, serve de início para o debate científico sobre a necessidade de se denominar adequadamente o local em que a atividade notarial e registral é desenvolvida, impedindo a utilização dos termos por empresas privadas que não representam o serviço público delegado aos Notários e Registradores.
Verificou-se que o termo Serventia Extrajudicial não possui uma evolução histórico-legislativa, surge em 1977, fruto da Emenda Constitucional nº 7, com objetivo de, por meio de uma norma, afastar o termo Cartório Extrajudicial do ordenamento jurídico, que sempre foi o nome utilizado para representar o local de atuação dos Tabeliães e Oficiais de Registro.
Entretanto, o próprio legislador não foi coerente com sua opção legislativa, pois em todas as normas em que utilizou o termo Serventia, valeu-se também do termo Cartório para indicar o local em que a atividade notarial e registral se desenvolve. De outro lado, diversas normas utilizam apenas a denominação Cartório, sem nenhuma menção à palavra Serventia.
Do estudo dos métodos de interpretação tradicionais: gramatical, sistemático, histórico, teleológico e sociológico é possível afirmar que em todos eles a palavra Cartório recebe destaque, ou seja, é a mais adequada para referir-se ao local de atuação dos Tabeliães e Oficiais de Registro Brasileiros, bem como, por sua natureza pública, não pode ser utilizado por empresas que não prestam referido serviço.
*André Villaverde de Araújo é doutor em Direito Constitucional na Universidade de Fortaleza – UNIFOR-CE. Mestre em Teoria do Direito e do Estado pela UNIVEM, de Marília/SP. Graduado em Direito pela UNICEM/UNIC de Sinop/MT. Professor do Complexo de Ensino Renato Saraiva – CERS; ENNOR – Escola Nacional de Notários e Registradores; ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Damásio Educacional e de diversas Universidades, Faculdades e Cursos Preparatórios para Concursos Públicos; Oficial do 2º Registro de Imóveis do Recife-PE. Autor do Livro: Cartórios – Prática para a Segunda Fase, da Ed. Foco.
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1 RIBEIRO, João Pedro. Dissertações chronologicas e criticas. 2ª ed. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1896, t. V, dissertação XIX; p. 3.
2 CAETANO, Marcelo. História do direito português. 4ª ed. Lisboa: Verbo, 2000; p. 73.
3 MACHADO, Joaquim de Oliveira. Manual do official de registro geral e das hypothecas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1888; p. 111.
4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A competência para a criação e extinção de serviços notariais e de registro e para delegação para provimento desses serviços. (in) Coleção Doutrinas Essenciais Direito Registral. 1ª ed. Vol I. Org. DIP, Ricardo e JACOMINO, Sérgio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011; p. 82.
5 BANDEIRA DE MELLO. Op. Cit. P. 52.
Fonte: Migalhas
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