O CNJ e a chamada “reforma do Judiciário” estão, na verdade, trazendo muitos transtornos para o Judiciário, não somente para o seu funcionamento mas também para a sua imagem.
Primeiro, é preciso que a sociedade saiba que o teto e os respectivos subtetos não representarão economia para os cofres públicos. Na verdade, irão destruir a carreira da magistratura, já que o juiz, ao ingressar no Judiciário, passará a receber a mesma remuneração de um desembargador depois de 50 anos de exercício. O que isso irá representar para o orçamento dos Estados?
Por falar em Estados, lembramos, mais uma vez, que o Brasil é uma Federação.
Constitucionalmente, está assegurada aos Estados a autonomia para organizar sua Justiça. No entanto, o CNJ vem, com mão-de-ferro, estabelecendo uma realidade única para o país. O conselho está indo além de sua função de fiscalização administrativa para a qual foi criado. Está a legislar, em desrespeito às Constituições e legislações vigentes, além de quebrar o pacto federativo.
Irredutibilidade dos vencimentos, direito adquirido e coisa julgada são preceitos constitucionais ignorados pelo CNJ. Cada cidadão deve analisar, friamente, o que pode vir a significar a quebra de cláusulas pétreas da Constituição, a insegurança jurídica que será criada. O teto já estava previsto na CF e tem de ser implantado. Mas a sua regulamentação está sendo feita pelo CNJ sem obediência aos princípios legais já citados -quando quem deveria fazê-la é o Congresso Nacional.
Outro item da “reforma do Judiciário” imposto severamente pelo CNJ em nome do aperfeiçoamento da Justiça foi o fim das férias coletivas. É um equívoco pensar que os tribunais funcionam melhor com férias individuais. Pelo contrário, elas travaram seu funcionamento: as decisões são colegiadas, e, todo mês, há desembargadores de férias.
Muitos jornais têm anunciado que a insatisfação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais existe porque os desembargadores ganham remunerações acima de R$ 50 mil. Chegaram ao absurdo de dizer que aqui, em Minas, existem 40 tipos de gratificações. É uma inverdade. Há, realmente, desembargadores que ganham acima do teto de R$ 22,1 mil, com algumas remunerações em torno de R$ 30 mil. Possuímos qüinqüênios e equiparação salarial com os deputados mineiros, tudo garantido pela Constituição do Estado. O que estão a dizer sobre os vencimentos são tentativas de desmoralizar o Judiciário mineiro.
Há também aqueles que dizem que a resistência mineira decorre do fim do “nepotismo”. Que fique bem claro: antes mesmo que a resolução nº 7 do CNJ fosse declarada constitucional pelo STF, já havíamos publicado normas para que as pessoas enquadradas nas proibições se identificassem.
Aprovada a resolução, todos os parentes foram demitidos -vários deles, a pedido, e os outros, por determinação da presidência do TJ-MG. Isso já é passado. E é questão resolvida. É necessário, agora, que os outros Poderes façam o mesmo.
Aliás, o correto seria que o Congresso legislasse sobre essa matéria, criando normas para o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.
Queremos deixar claro: nós, desembargadores mineiros, somos contrários à forma de atuação do CNJ, legislando, violando as normas legais e o pacto federativo, numa posição autoritária.
Ao tomar posse como presidente do TJ-MG, citei palavras do papa João Paulo 2º: “Os tempos em que vivemos são indescritivelmente difíceis e turbulentos”. À época, eu dizia temer a instalação do CNJ. Hoje, tenho certeza. Vê-se uma intromissão no Judiciário sem o retorno que a sociedade almeja: a melhoria da prestação jurisdicional, o que exige o aperfeiçoamento das leis processuais e da estrutura da instituição.
Diante de tudo isso, o que temos a dizer é que os processos são distribuídos 24 horas após a entrada no TJ-MG. Que temos trabalhado incansavelmente, com prejuízo de finais de semana, feriados e férias, em benefício dos jurisdicionados. O TJ-MG estruturou os Juizados Especiais, modelo para o país. Temos estimulado a disseminação de Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs). Há ainda as Centrais de Conciliação, que buscam o acordo entre as partes de um processo, os Juizados de Conciliação, a Escola Judicial e o Programa de Atenção Integral ao Portador de Sofrimento Mental Infrator (Pai-PJ), já reconhecidos.
Por tudo isso, temos orgulho do nosso trabalho. Somos uma instituição séria. Exigimos respeito e o direito de não nos calarmos quando o CNJ vai além das suas atribuições, entrando na seara do Legislativo em nome de “melhorias” para o Judiciário. Lembramos, finalmente, que democracia se faz com um Judiciário forte -e que a sociedade esteja sempre atenta a isso.
Fonte: Folha de São Paulo – 23.03.2006 – Tendências e Debates
Autor: Hugo Bengtsson Júnior, 69, desembargador, é presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas, juiz do Tribunal de Alçada, promotor de Justiça e advogado.