Em julgamento ocorrido em dezembro de 2019, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o termo inicial do prazo prescricional para ajuizamento de petição de herança é a abertura da sucessão, mesmo que o herdeiro não tenha conhecimento de sua condição jurídica ou não saiba do falecimento do autor da herança (AREsp 479.648). A decisão ainda está pendente de publicação no Diário de Justiça Eletrônico.
Seguindo esse entendimento, é a partir do momento da sucessão, portanto, que o herdeiro preterido deve ajuizar a ação para buscar eventual direito de herança. Caso esse herdeiro não tenha sido reconhecido em vida, deverá cumular a petição de herança com a ação de investigação de paternidade.
Anteriormente, o STJ vinha adotando entendimento no sentido de que o prazo prescricional para ajuizamento de petição de herança se iniciava somente com o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento da paternidade, aplicando-se a teoria da actio nata (nascimento da pretensão). Tal entendimento, no entanto, estava longe de ser unânime, como se podia concluir dos votos divergentes dos ministros Moura Ribeiro e Ricardo Villas Bôas Cueva no julgamento do REsp 1.368.677, por exemplo.
Conforme notícia extraída do portal do Superior Tribunal de Justiça, o relator do AREsp 479.648, ministro Raul Araújo, aderiu aos fundamentos do voto-vista da ministra Isabel Gallotti, que defende o entendimento de que o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento de paternidade como início do prazo prescricional para petição de herança conduz, na prática, à imprescritibilidade desta ação, gerando grave insegurança jurídica às relações sociais.
Essa mudança de entendimento do STJ representa importante passo para garantir a estabilidade e segurança jurídica das partilhas sucessórias. Afinal, a manutenção do entendimento de que o termo inicial da prescrição é o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento da paternidade torna a petição de herança, na prática, imprescritível.
Prevalecendo o entendimento anterior, podemos considerar como “instáveis” as partilhas anteriormente realizadas com os herdeiros até ali conhecidos, independentemente do tempo em que estas partilhas tenham sido homologadas, uma vez que, a qualquer momento, pode aparecer possível sucessor dos falecidos, reconhecido por meio de ação de investigação de paternidade.
A insegurança jurídica e instabilidade que isso causa nas relações jurídicas é palpável e pode ser sentida em outros casos concretos atualmente em trânsito perante nosso Poder Judiciário e que muito se amoldam ao tema.
Exemplificadamente, podemos trazer ao conhecimento do leitor uma ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança ajuizada por pretenso filho no ano de 2000, tendo o pai falecido há mais de 10 anos.
Por ocasião do ajuizamento da ação de investigação de paternidade, o inventário do falecido “pai” já havia sido encerrado, tendo sido realizada a competente partilha de seus bens. Também já estavam consumadas as partilhas de dois dos filhos do pretenso pai, falecidos pouco tempo depois do genitor.
Transcorridos aproximadamente 10 anos da propositura da ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança, faleceu a última filha do investigado, tendo também sido realizada a partilha de seus bens.
Após 30 anos do falecimento e partilha dos bens do pretenso pai, foi julgada procedente a ação de investigação de paternidade, determinando, por conseguinte, a nulidade da partilha de seus bens.
A sentença foi objeto de recurso de apelação por parte dos netos do investigado, uma vez que seus filhos já não mais estavam vivos. Os efeitos da nulidade de uma partilha de bens ocorrida há 30 anos são alarmantes. Nesse período, houve sucessivas partilhas, sobrepartihas, alienações e permutas dos bens que inicialmente compunham o acervo hereditário, a maioria delas realizadas antes da própria propositura da ação e a terceiros de boa-fé.
Nessa situação, a insegurança jurídica está instalada!
É evidente que os princípios da aparência do registro público e da estabilidade das relações jurídicas devem ser observados, não podendo se admitir a nulidade de todos os negócios jurídicos realizados.
Além disso, o artigo 1.827 do Código Civil ressalva expressamente em seu parágrafo único que essas alienações feitas a título oneroso pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé são eficazes.
Prevalecendo o entendimento inicial do STJ, no sentido de que o prazo prescricional para ajuizamento de petição de herança se inicia somente com o trânsito em julgado da sentença de reconhecimento da paternidade, como ficará na prática a situação de todos aqueles que de boa-fé receberam ou adquiriram os bens que compunham o acervo hereditário do pai falecido há mais de 30 anos?
Por outro lado, prevalecendo esse novel entendimento esposado no julgamento em comento, privilegiada estará a tão almejada segurança jurídica, gerando a necessária estabilidade das relações jurídicas.
Oportuno, no caso, é a citação dos lúcidos argumentos contidos no voto vencido proferido pelo eminente ministro Moura Ribeiro, quando do julgamento do REsp 1.368.677, e que vão ao encontro das considerações acima tecidas.
Sob outra perspectiva, é preciso alertar que a orientação adotada no voto do ministro relator e nos precedentes anteriores desta 3ª Turma depõe contra o entendimento majoritário a respeito da prescritibilidade da pretensão em debate. Com efeito, postergar para o final da ação de investigação de paternidade o termo inicial da prescrição é o mesmo que, na prática, tornar imprescritível a própria pretensão de petição de herança. Afinal, se a ação de petição de herança puder ser ajuizada no prazo de dez anos depois do trânsito em julgado da decisão havida na ação investigatória de paternidade, que pode ser proposta a qualquer tempo, isso significa que, na prática, ela será imprescritível. A orientação adotada no voto do Relator acaba por tornar virtualmente imprescritível a pretensão de recebimento de herança o que não se compatibiliza, em absoluto com a necessidade de estabilização das relações jurídicas.
(…)
A prevalecer o entendimento adotado pelo ministro relator, teríamos de reconhecer que a maioria das partilhas sucessórias realizadas até hoje no país estariam agora sob suspeita. Se a qualquer momento pode, em tese, surgir alguém se apresentando como sucessor do de cujos, caso se admita que a ação de petição de herança possa ser ajuizada no prazo de dez anos a partir do reconhecimento da paternidade, teríamos de reconhecer que as partilhas já realizadas, não importa a quanto tempo tenham sido homologadas, também poderão ser questionadas. Esse cenário, a toda evidência, atenta contra o princípio da segurança jurídica. Todos temos, em nossas famílias, entes queridos que já faleceram e cujos patrimônios foram inventariados e partilhados entre os herdeiros então conhecidos. A tese adotada no voto do ministro relator e também nos julgados desta turma anteriormente citados impõem, como consequência, a eterna possibilidade de essas partilhas virem a ser questionadas judicialmente. Com efeito, se não existe prazo para o ajuizamento da ação de investigação de paternidade e se a petição de herança puder ser proposta após o trânsito em julgado da decisão havida naquele feito, teremos de reconhecer que todas as partilhas já realizadas podem, em tese, ser desfeitas, não importa quão antigas, bastando para isso, que surja um novo herdeiro.”
Com efeito, a mudança de entendimento do STJ terá efeitos benéficos para estabilizar e trazer segurança jurídica às partilhas sucessórias também em casos que não tratam especificamente de prescrição, mas lidam com os efeitos do tempo.
Isso não quer dizer que eventual herdeiro não conhecido ao tempo da sucessão será prejudicado. É evidente que seu direito será respeitado, mas não com possíveis ofensas ao direito de terceiros que se encontravam em boa-fé.
Nessa linha de raciocínio, caso seja mantida a decisão que reconheceu a paternidade e a consequente percepção do quinhão da herança, considerando-se as particularidades de cada caso, deve ser afastada a nulidade da partilha, resolvendo-se a questão em perdas e danos, como previsto no artigo 1.817 do Código Civil cumulado com o 499 do Código de Processo Civil.
Essa seria uma decisão plenamente eficaz e que privilegiaria o princípio da segurança jurídica, garantindo, de outro lado, os direitos ao filho cujo reconhecimento se deu posteriormente à morte de seu pai.
No nosso entender, prevalecendo esse novo entendimento, o STJ estará assegurando a todos a estabilidade das relações jurídicas que conferem a garantia da segurança jurídica na sucessão.
Renato de Mello Almada é advogado especialista em Contencioso Cível e sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Bruna Queiroz Riscala é advogada especialista em Contencioso Cível e sócia do Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Thiago Vinícius Capella Giannattasio é advogado especialista em Contencioso Cível e sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Fonte: Conjur
O Recivil divulga produções acadêmicas e científicas. Entretanto, os artigos são inteiramente de responsabilidade do autor. As ideias aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do Recivil.