Artigo – União Estável x Concubinato – Por Renato de Mello Almada

“Companheira e Concubina – Distinção. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel.

Autor: Renato de Mello Almada

União Estável – Proteção do Estado. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. (Ministro Marco Aurélio. Recurso Extraordinário nº 397.762-8 – Bahia)”

Elogiável é a clareza da ementa acima, da lavra do eminente Ministro Marco Aurélio de Mello. Não poucas vezes temos nos deparado com situações em que a confusão entre os diferentes institutos se faz presente.

Nada mais odiosa é a teimosia em não se reconhecer à confusão existente e com isso criar e perpetuar verdadeira “algazarra processual”.

Não há mais espaço para se confundir os institutos da união estável e do concubinato, bem assim os direitos de cada um deles derivados.

Infelizmente, não são raros os casos nos quais, embora seja uma das partes legalmente casada, ingressa-se com ação objetivando o reconhecimento da união estável supostamente havida com uma pessoa impedida de se casar, tendo, por conseqüência lógica, o interesse na divisão do patrimônio e na fixação de alimentos, principalmente dado o caráter de irrepetibilidade deste.

Temos presenciado casos em que não só há equívoco na elaboração do pedido inicial como, também, na análise preliminar feita pelo juízo.   Estando patente que uma das partes é casada, não existe possibilidade jurídica de ser reconhecida uma união estável, devendo de pronto ser o pedido repelido.  Da mesma forma, se em uma análise inicial surge a dúvida quanto ao real estado civil de uma das pessoas da relação a que se busca dar o status de união estável, prematuro, no mínimo, é a fixação de alimentos provisórios em tais circunstâncias. O magistrado deve agir com prudência em casos dessa natureza, sob pena de criar um emaranhado que tende a se agigantar caso logo não seja resolvida a contenda.

Por isso que concordamos integralmente com o irretocável conteúdo da Ementa ora em comento. Ela é objetiva, clara e precisa.

Não é demais lembrarmos que o artigo 1.723 do Código Civil estatui que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

De outro lado, prevê o artigo 1.727 do Código Civil que “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.

Ora, a lei é clara e não dá margens a diferentes interpretações.

Para caracterização da união estável é indispensável que entre homem e mulher haja convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.

Por ter como objetivo a constituição de família é que a lei previu expressamente (conforme § 1º do art. 1.723 do CC) que “a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art, 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.

Em razão disso, existindo prova de uma das partes ser casada e com seu cônjuge sempre ter convivido, nunca dele tendo se separado, seja de fato ou de direito, impróprio é rotular de união estável uma eventual relação simultânea ao casamento.

Em tal situação, nada obstante estarmos diante de um fato que contraria a boa moral, em termos jurídico, quando muito, poderíamos dizer tratar-se de um concubinato impuro ou impróprio, nunca de uma relação de união estável. E por se tratar de concubinato, não há que se falar em direito a alimentos.[1]

Nesse diapasão, farta é a jurisprudência. Tomemos por exemplo as seguintes:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. DECLARAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ÔNUS DA PROVA. RELAÇÃO EXTRA MATRIMONIAL. AUSÊNCIA DE PROVA INSUFICIENTE DA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPEDIMENTO LEGAL. O reconhecimento da união estável exige que, além da demonstração da convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família, inexistam impedimentos à constituição dessa relação. Os casados estão impedidos de constituir união estável, ressalvada apenas a hipótese em que estiverem separados de fato. Demonstrado que convivência afetiva era mantida concomitantemente com o casamento, não sendo o consorte separado de fato, cuida-se de caso de relacionamento extraconjugal em que descabe o reconhecimento de união estável. Recurso improvido. A prova da separação de fato deve ser cabal e substanciosa, hábil a demonstrar o rompimento do vínculo matrimonial, estabelecido de modo formal, público e solene”. (TJMG – Rel. Dês. Heloisa Combat; data do julgamento 14.10.2008; data da publicação 03.11.2008; Processo nº 1.0398.06.000889-1/001).

“CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS. COMPANHEIRO CASADO. No caso de pessoa casada a caracterização da união estável está condicionada à prova da separação de fato. Agravo regimental não provido”. (AgRg no Agravo de Instrumento nº 670.502 – RJ – 2005/0053159-3 -; Rel. Ministro Ari Pargendler, j. 19 de junho de 2008).

“UNIÃO ESTÁVEL – MATRIMÔNIO – HÍGIDO – CONCUBINATO -Relacionamento simultâneo. Embora a relação amorosa, é vasta a prova de que o varão não se desvinculou do lar matrimonial, permanecendo na companhia da esposa e familiares. Sendo o sistema monogâmico e não caracterizada a união putativa, o relacionamento lateral não gera qualquer tipo de direito”. (TJRS, Ap. 70010075695, 2002, maioria).[2]

Como visto, a questão é pacífica nos Tribunais e na melhor doutrina, até porque decorre da Lei – “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.[3]

Como bem demonstrado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 397.762-8, Relatado pelo eminente Ministro Marco Aurélio, em julgamento ocorrido em data de 03 de junho de 2008, cuja Ementa ilustra nosso artigo, a proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nesta não está incluído o concubinato.”[4]

Disso deriva ser imprópria a fixação de alimentos em casos em que não esteja cabalmente demonstrada a convivência em união estável e, ao invés, ao menos em um primeiro momento, esteja tipificada a existência de concubinato que, à evidência, não gera direito à obtenção de alimentos.

Assim, não só as partes, mas também o próprio Estado-Juiz – que deve zelar pela rápida solução do litígio – devem estar atentos aos institutos, expressões e vocábulos empregados no caso posto em juízo, sob pena de a babel se configurar marca registrada daquela lide, ocasionando desdobros outros, que contribuirá para atravancar ainda mais nosso judiciário.


Renato de Mello Almada é Associado ao IBDFAM  e sócio da Almeida Alvarenga e Advogados Associados.


[1] Aliás, mesmo em se tratando de união estável é interessante destacar que alguns civilistas sustentam que os alimentos provisórios só são admissíveis quando houver documento comprobatório da união estável. Outros, ao revés, asseveram que, em não havendo documento, o juiz deve marcar uma audiência de justificação prévia, decidindo, em seguida, sobre a liminar.  Persistindo a dúvida, descabe a fixação de alimentos provisórios.

[2] Apud “Direito Civil – Famílias”, Paulo Lobo, editora Saraiva, 2008, p. 165 (nota 180).

[3] Artigo 1.727 do Código Civil.

 

Fonte: IBDFam