A democracia no Estado contemporâneo necessita, de maneira imprescindível, da consagração da supremacia constitucional e do respeito aos direitos fundamentais, que somente estarão presentes nos países em que houver um Judiciário forte, dotado de plena independência e que possa efetivar suas decisões.
Nesse contexto, nasceu o Conselho Nacional de Justiça, lutando pelo fortalecimento do Judiciário como instituição republicana e proclamando, desde seus primeiros julgamentos, posicionamentos em defesa da absoluta independência dos juízes na formação de suas convicções. A independência judicial constitui direito dos cidadãos, e é triste o país que não a possui.
O magistrado, no momento de julgar, não pode receber ordens de nenhuma autoridade interna ou externa, sendo essa idéia essencial à independência do Judiciário -e função primordial do CNJ zelar por essa autonomia. Daí porque proclamou, de maneira cristalina, a inadmissibilidade da realização de qualquer controle administrativo sobre a independência dos juízes no exercício de suas funções jurisdicionais, sob pena de grave e flagrante desrespeito à Constituição e à segurança dos brasileiros.
Porém, é consenso que as estruturas liberais sobre as quais se assentaram as regras básicas de funcionamento dos três principais órgãos estatais necessitam constantemente de adaptações, por causa do agigantamento do Estado. Há, portanto, necessidade de repensar o Executivo e o Legislativo, aproximando-os mais da verdadeira vontade popular, para o bem da democracia representativa. Mas também é inegável a necessidade de modernização na prestação jurisdicional, a introdução da informatização e tecnologia de ponta no desenvolvimento dos atos processuais, a agilização das decisões -pois Justiça tardia é Justiça falha, sem credibilidade, que gera impunidade e descrença em todo o sistema judicial- e a garantia de maior acesso ao Judiciário, principalmente pelas camadas mais carentes.
A criação e a atuação constitucional do CNJ se direcionam para objetivos de planejamento, coordenação e controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
Em nove meses de existência, o CNJ demonstrou a importância de sua criação e um respeito à confiança que lhe foi depositada, adotando importantes medidas e tocando em pontos cruciais nunca antes enfrentados, os quais passaram a ser equacionados, planejados e executados visando tanto a atividade meio quanto a atividade fim do Poder Judiciário.
Com a criação do sistema de estatísticas, será permitida a análise detalhada da situação de todos os ramos da Justiça, complementada pela formação de comissões para especialização de varas em todo o país e pelo fortalecimento dos Juizados Especiais, que possibilitarão maior celeridade na prestação da Justiça e maior aproximação com a população. As necessárias alterações legislativas, visando maior rapidez e efetividade nas decisões judiciais, estão sendo encaminhadas ao Congresso a partir de estudos da Comissão de Regulamentação da Reforma do Judiciário.
Problemas centenários existentes no Judiciário foram solucionados. Por exemplo, a garantia de maior efetividade da prestação jurisdicional, com a vedação de férias coletivas e a fixação de critérios para a promoção por merecimento dos juízes, determinando que as votações sejam abertas e fundamentadas a partir de requisitos objetivos, tornando mais democrática a ascensão.
O CNJ combateu, corajosamente, uma das grandes pragas do serviço público com a edição de resolução que vedou o nepotismo em todos os tribunais, proclamando sua incompatibilidade com as normas constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência.
Equacionou outro grande problema que, apesar de inúmeras tentativas no âmbito dos três Poderes da União, não havia sido resolvido. Após diversos estudos técnicos e contatos com os membros do Judiciário, em suas diversas instâncias e associações, fixou um teto salarial para magistrados de todo o país, para que a questão remuneratória dos juízes seja totalmente transparente e respeite os parâmetros constitucionais.
Essas conquistas foram do Judiciário, do qual faz parte o CNJ, que nada mais fez do que canalizar a vontade da esmagadora maioria dos juízes brasileiros, os quais lutam e dedicam suas vidas por uma magistratura independente, democrática, transparente e justa e jamais se esquecem da lição do grande Rui: “A autoridade da Justiça é moral, e sustenta-se pela moralidade de suas decisões”.
Fonte: Folha de São Paulo – 25.03.2006 – Tendências e Debates
Autor: Alexandre de Moraes, 37, professor doutor e livre-docente da USP e do Mackenzie, é membro do Conselho Nacional de Justiça. Foi secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania em São Paulo (2002-2005). É autor, entre outras obras, de “Direitos Humanos Fundamentais”.