ARTIGO – Vislumbres da Atividade Notarial no Meio Eletrônico e Novas Perspectivas na Produção de Atas Notariais Puramente Eletrônicas


A atividade notarial no Brasil tem passado por uma significativa transformação com a implementação do e-Notariado, a plataforma digital desenvolvida pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB-CF), que permite a prática de atos notariais eletrônicos.

Muito além de uma autoridade certificadora; posiciona-se como um verdadeiro balcão de serviços digitais, centralizado, trazendo modernidade aos serviços notariais, o que possibilitou a realização de atos como: escrituras públicas das mais variadas, autorização eletrônica de doação de órgãos, autorização eletrônica de viagem, procurações, autenticações de documentos, reconhecimentos de firma eletrônica, entre outros.

O e-Notariado destaca-se pela inovação. No módulo de reconhecimento de firma eletrônica “e-Not Assina”, o reconhecimento das assinaturas eletrônicas de documentos é feito remotamente com praticidade, segurança e eficiência. Já o módulo “CENAD” – Central Notarial de Autenticação Digital – permite a autenticação eletrônica de documentos, garantindo a validade e integridade dos documentos por meio de criptografia assimétrica. O e-Notariado também traz inovações nos processos de materialização e desmaterialização de documentos, assegurando a validade jurídica tanto de documentos físicos quanto eletrônicos.

A desmaterialização converte um documento físico em digital, enquanto a materialização converte o documento digital em físico, com o notário autenticando a impressão e garantindo que o conteúdo corresponde integralmente ao original digital. A posterior autenticação do documento pelo notário, seja ele digital ou físico, assegura sua integridade e validade jurídica, permitindo que documentos circulem com segurança em ambos os formatos.

Não é de hoje, que no meio digital, se processam e repercutem os “atos e fatos jurídicos”, com implicação direta tanto na vida de indivíduos quanto organizações, o que pode resultar em ilícitos civis e penais, com impactos significativos em diversas áreas, como negócios, vida privada, até segurança pública. Nesse contexto, a produção de provas eletrônicas por meio das atas eletrônicas desempenha um papel importante na prevenção de litígios, apaziguamento de interesses e na redução de processos judiciais, sendo fundamental, noutra senda, à instrução probatória em processos litigiosos ou mesmo procedimentos administrativos.

Atualmente, em descompasso com o avanço tecnológico, para comprovar a autenticidade, integridade e veracidade de fatos em meio digital, as pessoas se valem da ata notarial e, para tanto, devem se deslocar até o tabelião. Nestes acontecimentos virtuais o tabelião acessa o endereço (www) e verifica o conteúdo de um determinado sítio (página, subpágina ou site) materializando tudo que presenciou, certificando o conteúdo, assim como a data e horário de acesso. A imagem da página acessada a critério do tabelião ou a pedido do solicitante, se inscreve no próprio instrumento notarial como parte integrante indissociável.

Além o desdobramento burocrático, risco maior se tem quando se verifica a supressão do conteúdo; neste caso impossível a “chancela” quanto à autenticação dos fatos que se pretendia provar.

Instiga-se romper com o modelo atual, que padece por decrepitude, propondo uma solução prática de usabilidade, com vantagens em relação às tecnologias com apelo disruptivo, mas que, em sua maioria, são sistemas baseados em chaves criptográficas não “auto operáveis” e que requerem do usuário aparato tecnológico mínimo, conhecimentos técnicos razoáveis, ou mesmo intermediação de empresas que oferecem o serviço a um alto custo.

Abra-se às escâncaras e à toda evidência que meios há, de notável singeleza, capazes de transpor à toda burocracia, morosidade e falibilidade do modelo notarial até aqui empregado. A força probante do produto entregue, independentemente do país onde haja produzido ou a quem seja dirigido, tende a inovar o ordenamento jurídico vigente.

Tanto pelas inovações trazidas, quanto, antes, pelas ferramentas tecnológicas que dispõe, o e-Notariado se mostra apto à produção de atas notariais puramente eletrônicas, ampliando o escopo de aplicação dos serviços notariais. A geração das atas no ambiente digital envolve a captura de dados digitais, certificação, assinatura digital, além do registro e armazenamento seguro da ata. A rastreabilidade é um elemento fulcral nesse processo, capaz de assegurar que todas as etapas sejam verificáveis e que os atos notariais reflitam fielmente a realidade dos fatos dispostos no meio digital. Importa dizer que sejam auditáveis e válidas, assegurado o seu uso juridicamente seguro.

A plataforma e-Notariado é dotada de notável apropriação tecnológica, o que, aliado à fé pública (nobre atributo da atividade tabelioa), faz com que nenhum outro ente possa abraçar este intento para, em tempo real, 24 horas por dia, apor a sua chancela, autenticando fatos, certificando a integridade de conteúdo; entregando assim prova suficiente ao fim almejado, para uso em todo o orbe terrestre, tanto no meio físico quanto digital, em sua mais variada extensão.

A solução proposta vincula-se à criação de um módulo dentro da plataforma do e-Notariado, que permita ao usuário alimentar o sistema com o upload de imagens e, mediante a escolha de um cartório da sua confiança, se faça a geração “intuitiva” da ata.

O “Módulo de Inserção de Imagens para Atas Notariais” possibilitaria que o próprio usuário carregue imagens e vídeos dispostos na web; adicione legendas, notas ou comentários para cada imagem, explicando seu contexto; de modo que as imagens são automaticamente incorporadas no corpo da ata notarial, garantindo que o registro visual acompanhe a narrativa escrita, assegurando assim, que as imagens sejam autenticadas digitalmente, juntamente com o conteúdo textual da ata (este último de responsabilidade do autor). Este módulo seria especialmente útil para documentar situações em que evidências visuais são cruciais. Na medida que em o usuário acessa o conteúdo web no ambiente controlado do módulo, sucessivos certificados seriam gerados a partir trafegabilidade, a começar pelo “carimbo do tempo” (de conteúdo não assinado); “printagem” das telas; podendo se estender à degravação de conteúdo áudio visual para o formato de texto.

As imagens em geral contêm metadados que incluem informações sobre a data de criação, o dispositivo utilizado, entre outros dados, porém, esses metadados podem ser facilmente manipulados, por isso são uma evidência menos confiável.

Ao transitar pelo módulo competente, dentro da plataforma do eNotariado, um hash criptográfico (impressão digital única do arquivo) é gerado no momento de sua criação, sendo possível compará-lo com o hash da imagem acessada no momento de sua utilização. Se os hashes forem idênticos, a imagem não foi alterada. Com o uso de blockchain para armazenar hashes ou informações sobre a imagem no momento de sua criação é fornecida uma trilha auditável e segura para que se possa verificar a autenticidade da imagem.

A rastreabilidade antecedente garante a origem e o histórico de determinado objeto pesquisado desde o seu ponto inicial de criação até o momento em que a ata notarial finalizada é consultada, garantindo autenticidade e integridade dos documentos e das informações nele contidas. Fator determinante para assegurar que todos os procedimentos e padrões legais foram respeitados com a certeza de que o produto – ata notarial – se mantenha hígido, que não sofreu qualquer tipo de manipulação.

A tecnologia de registro digital (blockchain) já empregada pelo eNotariado, em resumo, pode ser usada neste contexto para comprovar a existência de um ato ou fato jurídico repercutido no meio digital em dado momento, provada a sua autenticidade e a data em que determinado documento vicejou disponibilizado na web, ainda que ao depois tenha perecido.

A Monetização no uso do módulo de “Geração de Atas Notariais Eletrônicas” dentro da plataforma do e-Notariado pode ser uma estratégia viável para garantir os investimentos na criação e manutenção do sistema, para tanto sugere-se: Assinatura Mensal/Anual; para tanto seria criada uma Conta Corrente com Depósito Prévio; ou se daria sob a forma de Licenciamento por Uso. Demais disso, seriam pagos os emolumentos (segundo as leis de cada estado), ao cartório escolhido para gerar e entregar a ata notarial.

A combinação de tecnologias avançadas de criptografia e autenticação digital com os princípios tradicionais do notariado latino, pautado na fé pública, faz do e-Notariado uma ferramenta essencial para a certificação de eventos no ambiente digital, real time.

Indo além, ainda no âmbito das atas notariais eletrônicas, poder-se-ia se criar uma nova possibilidade, a qual denomino de “Diligência Reversa”, no preparo das atas notariais. Tal se afiguraria como mais uma evolução no campo notarial, onde o notário, mediante solicitação expressa do cliente e segundo os limites por ele determinados, utilizando plataformas de acesso remoto como os já conhecidos “Anydesk” e “TeamViewer”, interaja e acesse remotamente ambientes digitais protegidos para verificação e certificação de conteúdo.

Em suma, a atuação na seara das atas notariais puramente eletrônicas estabeleceria um novo paradigma para a atividade. Este modelo não apenas modernizaria e ampliaria as capacidades do notariado brasileiro, mas também potencializaria a eficiência e a acessibilidade aos serviços notariais, reforçaria e asseguraria a continuidade da tradição de confiança nos serviços, atendendo assim a mais uma das demandas contemporâneas da sociedade.

JÚLIO CÉSAR MOISÉS

Registrador Civil/Tabelião no Serviço de Registro Civil e Tabelionato de Notas de Serra do Salitre/MG. Mediador/Conciliador