De todas as difíceis batalhas financeiras e emocionais que figuram em um processo de divórcio, a partilha de bens é uma das poucas que podem ser discutidas no terreno da hipótese. antes mesmo de o casal subir ao altar.
Trazer à tona as condições de uma possível separação às vésperas do casamento certamente não é um cenário dos mais românticos, claro. Mas, se o casal conseguir de comum acordo vencer a relutância natural em tratar do assunto, provavelmente terá dado um passo importante para garantir sua harmonia futura: segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quatro em cada dez divórcios concedidos em 2011 ocorreram entre cônjuges com menos de dez anos de união.
Os casais brasileiros começam a aprender a lição: de acordo com os especialistas em direito de família e sucessão consultados por VEJA, embora ainda haja preconceito dos noivos em negociar uma possível divisão patrimonial, tem aumentado o número de consultas pré-nupeiais sobre o regime de separação de bens. Veja, a seguir, o que dizem os especialistas a respeito das principais dúvidas relacionadas à partilha de bens em caso de divórcio.
Quais são os tipos de regime?
Se o casal não define o regime, vale automaticamente a comunhão parcial, que determina que somente os bens adquiridos por meio do trabalho durante o casamento entram na partilha no momento da separação. Segundo dados do IBGE, a comunhão parcial é de longe o regime mais adotado no país: o índice de divórcios sob esse regime passou de 68%, em 200, para 84%, em 2011. Na comunhão universal, todos os bens. inclusive os adquiridos antes do casamento e recebidos por doação ou herança, são divididos igualmente.
Há ainda outros dois regimes no país: a separação total, em que cada um sai com o que comprou antes da união e no seu decorrer, e a participação final nos aquestos. Esse último, inspirado no direito europeu, é raro por aqui. Se houver um divórcio, os bens serão divididos como na comunhão parcial, mas, durante o casamento, cada um faz o que quer com suas posses – não é preciso um acordo para vender a casa comprada durante o relacionamento se ela está em nome de apenas um dos cônjuges, por exemplo. "O casal também pode mesclar regimes no contrato antenupcial da forma que quiser", explica o advogado mineiro Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam). A lei é restritiva apenas para as pessoas com mais de 70 anos: estas só podem entrar num matrimônio com separação total de bens.
Os regimes de bens valem para as uniões estáveis?
Sim. Companheiros – homens e mulheres ou pessoas do mesmo sexo – em união estável também podem optar pelo regime de bens no momento em que firmam um contrato ou uma escritura pública oficializando a relação. Assim como no casamento, se o documento não especificar o regime de bens. valerá a comunhão parcial. "No caso de separação em uma união sem contrato ou escritura pública, pode ser providenciado em cartório um documento de dissolução da união estável em que o casal admite sua existência por determinado período e estipula o regime de bens. Basta apenas que os dois estejam de acordo", explica a advogada carioca Luciana Gouvêa, diretora do escritório Gouvêa Advogados Associados. A única restrição para a escritura de dissolução, segundo ela, é quando há filhos menores. Nesse caso, o Ministério Público terá de verificar se os direitos do menor, como a visitação dos pais, estão resguardados.
É possível mudar o regime de bens depois do casamento ou de firmada a escritura de união estável?
Sim. Basta o casal chegar a uma decisão consensual e fazer um pacto pós-nupcial na Justiça em que se estabelece o regime de bens a partir daquele momento. "A mudança de regime de bens tem sido uma boa forma de manter os casamentos. Os casais que estão incomodados ou se sentindo injustiçados com o atual regime podem solucionar esse aspecto e salvar a essência da relação, que é o lado afetivo", diz Rodrigo Pereira, presidente do Ibdfam.
Como, no momento da ruptura, um casal pode provar a existência de uma união estável não oficializada por escritura pública ou contrato?
Provas de dependência no plano de saúde, de associação a clubes, de conta-corrente ou cartão de crédito conjuntos, documentos de aquisição de patrimônio, testemunhas – quanto mais evidências for possível reunir, melhor. Fotos de viagem e da comemoração do dia em que foram viver juntos também somam. Atenção: moradia conjunta e filhos são importantes, mas isolados não são provas convincentes, já que há casais que optam por viver em casas separadas e filhos que nascem de relações que não são estáveis.
O que fazer se um dos cônjuges percebe que o outro está dilapidando o patrimônio antes da conclusão do divórcio?
Quem se sente prejudicado pode pedir o divórcio, se ainda não o tiver feito, e também requerer um levantamento dos bens num período retroativo. "Se ficar comprovado que o marido, por exemplo, comprou bens no nome de outra companheira, é possível reverter a situação. Com uma ação cautelar, o advogado também pode pedir informações ao Banco Central e à Receita Federal para saber das transações e aquisições", explica a advogada paulista Ivone Zeger, autora do livro Família – Perguntas e Respostas. Nos regimes de separação total, cada cônjuge pode dispor como quiser do seu patrimônio.
Uma traição pode ter peso na hora da partilha de bens?
Não. A culpa pela falência do casamento não tem impacto na partilha de bens. "0 peso da culpa pelo fim do matrimônio foi bastante mitigado no Código Civil de 2002 e deixou de influir em questões como guarda dos filhos, mas ainda pode influenciar a pensão alimentícia do cônjuge", explica a advogada paulista Alessandra Rugai Bastos, do escritório Guimarães Bastos Chieco Um dos cônjuges pode pedir pensão alimentícia mesmo não tendo filhos?
Pode, independentemente do regime de bens que regia o casamento. "Uma mulher que nunca trabalhou ou que está numa idade em que não vai conseguir voltar ao mercado de trabalho, por exemplo, pode pleitear pensão alimentícia", diz Ivone Zeger. O mesmo vale para o marido, caso fosse a mulher a principal provedora do lar.
Filhos têm participação na partilha de bens do divórcio?
Não. "Em uma partilha litigiosa, porém, há uma tendência da Justiça em deixar a casa onde a família morava, por exemplo, com quem ficar com a guarda dos filhos", diz a advogada Alessandra Rugai Bastos.
Com quem ficam as crianças
A discussão em torno da guarda dos filhos é, provavelmente, o assunto mais delicado com que o casal depara quando o casamento ou a união estável chegam ao fim. Veja o que dizem a legislação brasileira e os especialistas sobre os três modelos possíveis de guarda Guarda unilateral: apenas um dos pais detém a guarda e o poder de decisão sobre questões como saúde, educação e segurança. O outro tem direito à convivência com o filho e pode apenas opinar sobre as decisões a seu respeito Guarda alternada: a criança tem duas residências e passa períodos alternados com o pai e a mãe – as mudanças podem ser semestrais, por exemplo. "Esse modelo não é mais considerado adequado porque a criança fica afastada de um dos pais por um longo período e perde o convívio familiar", diz o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Ibdfam.
Guarda compartilhada:
os dois detêm a guarda, mas a criança pode ter a residência fixa na casa de um deles. "Trata-se do modelo mais desejável, pois ambos os pais podem participar da vida do filho e conviver com ele no dia a dia", explica Pereira. Para a criança, a opção pela guarda compartilhada também é benéfica. "Ela se sente protegida, pois, embora more com um dos pais, tem contato frequente com o outro. Por outro lado, a criança que vive em meio a uma relação conflituosa entre os pais e percebe que é objeto de disputa sente-se insegura. Essa situação pode gerar traumas, stress e problemas de socialização", diz Ceres Alves de Araújo, psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Quem paga pensão?
O pedido de pensão alimentícia para os filhos não depende do tipo de guarda. O valor é estipulado levandose em conta as possibilidades de quem paga e as necessidades de quem recebe. Pode-se optar pelo repasse de um valor predefinido ou pelo pagamento de despesas como educação e saúde. Se o pai é quem fica com a guarda do filho, a mãe pode ter de contribuir com a pensão alimentícia, já que o sustento da criança é responsabilidade dos dois. Os filhos têm direito à pensão até os 18 anos, mas esse prazo pode ser prorrogado até os 25 anos se eles cursarem faculdade ou ainda não tiverem renda, por exemplo.
Agilidade no divórcio
Desde 2007, quando foi sancionada a Lei 11441, é possível se divorciar por meio de escritura pública em um cartório. Para tanto, basta que haja consenso entre os cônjuges e que eles não tenham filhos menores – se tiverem, será preciso que o Ministério Público se manifeste sobre a guarda das crianças, e o divórcio deverá ser feito através de processo judicial. O divórcio por escritura pública é mais prático que o convencional, que depende de audiência com um juiz. Para a escritura pública, tudo pode ser resolvido no cartório em um único dia. Casais que vivem em união estável também podem formalizar a relação ou se separar por escritura pública.
No fim de um relacionamento sem formalização, é possível providenciar em cartório o documento que atesta que houve a união estável e estipular o regime de bens. A partir daí, a escritura pública põe fim à união. "No divórcio por escritura, o casal precisa reunir vários documentos antes de ir ao cartório, mas já sai de lá com a situação resolvida. No processo judicial, depois da audiência com o juiz ainda há vários trâmites, que podem levar dias para ser resolvidos", explica a advogada Alessandra Rugai Bastos, do escritório Guimarães Bastos Chieco.
Fonte: Revista Veja