Audiência pública discute a utilização de nomes sociais de travestis e transexuais no ambiente escolar no estado do Amazonas

O assunto foi discutido na manhã desta terça-feira, 26, em uma audiência pública no auditório do Centro Educacional de Tempo Integral (Ceti) Gilberto Metrinho.


O Conselho Estadual de Educação do Amazonas (Ceeam) vai se reunir, no próximo dia 2 de abril, para definir se travestis e transexuais poderão ser tratados pelo nome social nas escolas da rede pública estadual. O assunto foi discutido na manhã desta terça-feira, 26, em uma audiência pública no auditório do Centro Educacional de Tempo Integral (Ceti) Gilberto Metrinho, no bairro Educandos, zona Centro-Sul de Manaus. A audiência contou com o apoio da Secretaria de Estado de Educação (Seduc).

A presidente substituta do Ceeam, Fernanda Melo, informou que, durante a reunião do dia 2, os conselheiros vão avaliar se estão prontos para dar um parecer sobre o assunto, ou se ainda há dúvidas com relação ao tema. “Nós vamos discutir lá dentro da câmara de educação básica. E se por acaso ainda houver essa necessidade (de novas discussões) a gente já vai fazer. Se não, a gente já parte para a normatização (do tratamento de travestis e transexuais pelo nome social dentro das escolas)”, explicou Fernanda.

O debate sobre o tratamento de travestis e transexuais dentro das escolas do Amazonas pelo nome social, e não pelo de registro de nascimento, foi iniciado pela associação Garotos da Noite em 2010, quando o grupo deu entrada em um processo junto ao Ceeam. Segundo a presidente substituta do conselho, depois de ouvir a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o colegiado quis ouvir o que pensa a sociedade sobre o tema, antes de se posicionar.

Desde 2010, em estados como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Pará, as secretarias estaduais de educação permitem que o aluno tenha o nome social escrito em sua documentação escolar, como, por exemplo, na lista de chamada utilizada pelo professor. “Quando falamos de travestis e transexuais, falamos de uma pessoa que, 24 horas por dia, se veste e se comporta como mulher. Então, na hora que o professor faz a chamada dos alunos, e chama aquela pessoa por um nome masculino, isso causa um constrangimento muito grande”, defende Dartanhã Silva, presidente da associação Garotos da Noite.

Nomes sociais

A audiência pública desta terça-feira contou com a participação da conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE) Rita Potyguara. Militante na área dos Direitos Humanos, Rita defendeu a regulamentação do tratamento de travestis e transexuais pelo nome social nas escolas, como forma de garantir o acesso à educação a todos. “O uso do nome social vai de encontro ao preceito de que a gente quer uma escola para todos. De garantir o direito à educação de qualidade a todos e todas, que independente da identidade sexual ou de gênero, essa pessoa se sinta representada e contempla na escola”, disse Potyguara.

Durante sua exposição, Rita Potyguara explicou que por nome social se entende o nome pelo qual o travesti ou transexual se reconhece e é tratado no seu meio social. A conselheira do CNE também expôs exemplos de como escolas em Estados e municípios vêm aplicando essa normatização dentro das escolas. “No ato da matrícula, ou durante o decorrer do ano letivo, o aluno, maior de 18 anos, dever solicitar por meio de uma declaração, que a escola inclua na chamada do professor, por exemplo, o nome social dele, ao lado do nome de registro. E que o professor o chame pelo nome social”, explicou Potyguara.

A conselheira lembrou que documentos oficiais, que saem do âmbito da escola, como certificados, diplomas e histórico, o nome que prevalece é o de registro. “Nesses casos, o nome só muda se a pessoa conseguir na Justiça o direito de mudar de nome. Mas esse é outro processo, que não cabe a escola ou aos conselhos decidirem”, ressaltou Rita Potyguara.

Sociedade deve opinar

Potyguara elogiou a iniciativa do Ceeam de permitir que a sociedade opine sobre uma importante decisão que o colegiado é cobrado a tomar. “Conselho dá uma lição. Mostra que não é uma instituição que se enclausura num castelo e que decido coisas apenas da cabeça de seus conselheiros. Ele responde as pressões e demandas da sociedade. Nesse processo, os conselheiros formam e são formados”, disse a membro do CNE.

Fernanda disse que cabe ao Ceeam, após as discussões públicas, normatizar a forma como se dará o tratamento dos travestis e transexuais dentro das escolas pelo nome social. “E como a gente precisa dar uma reposta, decidimos fazer uma audiência pública. Na discussão desse tema, tem toda a questão da mobilização por uma educação sem homofobia, a própria Conferência Nacional de Educação (Conae), em 2010, já tratou disso, e o movimento vem reivindicando uma decisão do conselho”, comenta Fernanda.

A presidente do Ceeam avaliou a audiência pública como produtivo, mas lamentou a ausência de representantes de movimentos ligados a travestis e transexuais. “A audiência foi boa, no sentido da discussão, dos esclarecimentos que a professora Rita (Potyguara) trouxe. Mas senti muita falta de muitas instituições que poderiam se fazer presentes aqui e não vieram, porém foram convidadas”, comentou Fernanda.

Decisão pode favorecer a escolarização

Na audiência, Dartanhã alegou que o constrangimento de ser tratado dentro da escola por um nome masculino é uma das causas para muitos travestis e transexuais abandonarem os estudos. O ativista estima que 70% dos travestis em Manaus não têm o ensino fundamental completo. “Assim que o conselho de educação aprovar, vamos fazer uma campanha para que essas pessoas voltem para as escolas”, informa o presidente da associação Garotos da Noite.

Dartanhã disse que o direito de ser tratado pelo nome que é conhecido no seu meio social já foi conquistado no âmbito das secretarias de assistência social do município de Manaus (Semasdh) e do Estado (Seas). “Falta agora na área da educação”, comenta. O presidente da associação Garotos da Noite disse que espera o assunto ser resolvido no âmbito do Ceeam para avançar com a discussão dentro das escolas municipais e universidades.

“Esperaremos o assunto tramitar no Estado, para partir para os municípios. Mas aí temos que tratar o assunto com cuidado, porque a maioria dos alunos é menor de idade. No ensino superior, se a gente solicitar direto das faculdades, elas têm autonomia para decidir isso. Pode baixar norma interna autorizando o uso do tratamento pelo nome social. É importante que nessa audiência a gente entenda que o assunto é uma questão de cidadania”, defende Dartanhã.

Dartanhã reforçou durante os debates que no encaminhamento da discussão que fez ao Ceeam, a associação Garotos da Noite sugeriu que os travestis e transexuais fossem tratados pelo nome social apenas nas relações internas da escola. “Ninguém quer mudar de nome. O que se quer é apenas que essas pessoas sejam tratadas pelo nome que elas se reconhecem. Quando for para emitir certificados, diplomas, históricos ou transferências, aí a escola tem que usar o nome oficial”, explica o ativista social.

Relator do processo dentro do Ceeam, o conselheiro Manoel Paixão disse que já está com o relatório pronto, e adiantou que o voto dele é favorável à reivindicação dos travestis e transexuais. “Sou professor, e não vejo porque negarmos esse direito de uma pessoa ser tratada pelo nome que ela deseja ser tratada”, opinou o conselheiro.

A presidente substituta do Ceeam informou que somente durante a fase de regulamentação da norma é que o conselho vai definir que tipo de documentação interna da escola constará o nome social dos alunos. Além dos membros do Conselho Estadual de Educação, participaram da audiência pública representantes do Conselho Municipal de Educação de Manaus, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), da Universidade Estadual do Amaznoas (UEA), do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas, do Fórum Estadual de Educação, da Secretaria de Estado de Assistência Social (Seas) e da Câmara Municipal de Manaus (CMM).



Fonte: Site A Crítica