Audiências de separação em BH têm choro e discussões

“Vão se divorciar mesmo?”, perguntou o juiz titular da 1ª Vara de Família de Belo Horizonte, Newton Teixeira de Carvalho. A mulher confirmou com a cabeça, mas o homem hesitou. “Você ainda gosta dela, não gosta?”, percebeu o juiz. O marido — ainda o era, ao menos oficialmente — admitiu: “Amar, eu amo, mas e daí? Quando um não quer…”. O magistrado, então, voltou-se para a esposa: “Está vendo a declaração expressa de amor? Tem certeza que não tem mais volta?”. Ela continuou decidida.

Foi assim o começo de mais uma audiência de divórcio na capital mineira, em uma das salas do Fórum Lafayette. No início da conversa, como manda a lei, o juiz tentou a reconciliação, embora soubesse ser pouco provável. No caminho percorrido pela ação desde o momento em que ela é ajuizada, aquela é a última das audiências, a de instrução e julgamento.

Nesse encontro, de nada adianta que alguém do casal ainda deseje manter a aliança. Se o outro não quiser, pronto: é selada a dissolução judicial do matrimônio. Não é preciso apresentar motivo, como infidelidade ou maus-tratos. A vontade basta desde 2009, quando o novo Código Civil eliminou a necessidade de comprovar uma razão para o fim do matrimônio, como agressões físicas ou morais, abandono de lar, atividades criminosas, ociosidade e alcoolismo.

Esse é um dos pontos em que os processos de divórcio no Brasil se diferenciam daquele mostrado no filme iraniano A separação, premiado com o Globo de Ouro e que concorre hoje ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira. No longa-metragem, uma mulher quer se separar de seu marido, mas tem o pedido negado pelo juiz, que considera insatisfatórias as razões alegadas por ela.

Realizada em uma tarde de sexta-feira, a audiência presidida pelo juiz Carvalho também teve a presença dos advogados e de um promotor estadual. O marido, antes inconformado, acabou por aceitar o divórcio, convertido de litigioso para consensual. Mas, minutos depois, ele ainda tentou convencer a mulher, sentada à sua frente. “Você saiu de casa dizendo que eu te batia. Nunca te bati”, argumentou. Calma, ela replicou: “Nunca? Você não se lembra?”

Guarda e pensão O grupo passou a discutir a guarda dos filhos, dois meninos de 10 e 9 anos de idade, que moram com o pai há dois anos. “O mais velho fala que quer ficar comigo, mas o caçula é mais apegado a ela”, revelou o homem, de 36 anos. Carvalho sugeriu: “Por que não fica um com ele e o outro, com ela?”. “Desse jeito, não quero”, retrucou a mulher, de 31. Diante do impasse, o juiz determinou que os garotos continuassem com o pai, em caráter provisório, até que se submetessem a um estudo psicossocial, conduzido por assistentes sociais e psicólogos.

Enquanto isso, a mãe deveria pagar uma pensão alimentícia. “Estou ajudando com roupa, tratamento dentário”, ela lembrou. O advogado do homem insistiu em que a pensão se descontasse da folha de pagamento. Então, Carvalho sentenciou que fossem depositados, por mês, 30% do salário mínimo da mulher, que trabalha como atendente de caixa registradora.

A mãe achou que 30% era muito e começou a chorar. Ela afastou suas mãos quando o homem, esticando um dos braços sobre a mesa, tentou pegá-las. “Eu te ajudo”, disse ele, enxugando as próprias lágrimas com a camisa. “Não, não, você não ajuda”, ela continuou chorando, as mãos cobrindo o rosto. Para provar que ajudava, o homem, empregado como vigilante, se dispôs a transportar os filhos até a mãe, nos dias que passarão na companhia dela. Assim, a atendente de caixa não gastaria dinheiro em passagens de ônibus. A proposta foi aceita e a ata da audiência, lida e assinada.

Sensibilidade “Uma pessoa de temperamento muito forte, explosiva, não pode ser juiz de família. Nessa área, é preciso desenvolver uma sensibilidade maior, por causa da natureza do conflito. Nas relações familiares, entra o componente da emoção, do amor”, considera o juiz Carlos Salvador Carvalho. Ele coordena a Central de Conciliação do Fórum de Belo Horizonte, responsável por realizar audiências de conciliação.

Desde setembro de 2002, quando a Central foi criada, 58% das 90,6 mil audiências realizadas resultaram em acordo. “Nas conciliações, tem sempre gente chorando, tem sempre ‘barraco’. Outro dia, dois estavam berrando um com o outro. De vez em quando a pessoa passa mal, desmaia. Isso tudo faz parte do jogo”, relata Carlos. “Todas as audiências de família são muito exaustivas. Você tem que ficar atento a tudo, a todas as reações das pessoas. Os casais tentam se manipular. Há muita mágoa, muito rancor”, confirma a juiza Aldina Soares, titular da 2ª Vara Cível de Santa Luzia, município da Região Metropolitana de BH.

“Muitas vezes, a gente precisa aconselhar, tranquilizar o casal. Às vezes nosso papel é só abrir portas, fazer com que eles conversem, retomem o diálogo. É preciso deixar que falem, desabafem, mas não pode deixar demais, senão perde o foco”, ensina a conciliadora Lílian Moraes, estudante de direito de 25 anos.


No filme , juiz nega divórcio a mulher

Candidato a melhor filme em língua estrangeira, o iraniano A separação estreou no Brasil em 20 de janeiro (no Rio e em São Paulo). O filme do diretor Asghar Farhadi conta a história de um casal e de sua filha de 11 anos, que veem sua vida se transformar depois da decisão por uma separação nada amigável. Na trama, além dos conflitos comuns em rompimentos de relações, problemas que envolvem o cuidado de um idoso com mal de Alzheimer e uma mulher grávida às voltas com o violento marido desempregado. O fim é surpreendente. Atualmente está em cartaz em 11 cidades (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Vitória, Maringá e Recife). Em Belo Horizonte, pode ser visto apenas na sala 3 do Belas Artes – Rua Gonçalves Dias, 1.581, às 14h30, 16h50, 21h30. As filas têm sido constantes na porta do cinema.

 

Fonte: Site Jornal Estado de Minas