Aventura na história: Como fazíamos sem cartório

A prática de registrar documentos em cartórios surgiu como uma forma de simplificar a vida das pessoas, dando fé pública a acordos e acontecimentos e reduzindo a necessidade da mediação de um juiz ou da presença de testemunhas. O registro de documentos tem origem com a própria invenção da escrita. Na Pré-História, a formalização de negociações – incluindo casamentos e divisões de heranças – era feita com uma festa que celebrava o “contrato”. O evento funcionava como um anúncio público do que fora acordado, e tinha por testemunhas os convidados. Os sumérios eternizaram esses acordos em registros escritos. Os mais antigos documentos, forjados em tabuletas de argila e com um selo de assinatura do escriba, foram encontrados na Mesopotâmia e são anteriores ao próprio Código de Hamurabi, que data de 1700 a.C.


Ainda na Mesopotâmia, durante o reinado de Nabucodonosor (626 a 587 a.C.), o profeta Jeremias registrou no Velho Testamento detalhes sobre o processo de transmissão de imóveis da época: “Toma estes documentos, este contrato de compra, o exemplar selado e a cópia aberta e coloca-os em um lugar seguro, para que se conservem por muito tempo”.


No Egito antigo, cartas, contratos, comunicados diplomáticos, testamentos, informações sobre impostos e todos os documentos administrativos, econômicos e religiosos passavam pelas mãos dos escribas. Indicados pelo imperador, eles faziam parte de um complexo sistema burocrático com acesso a todos os eventos relevantes do Império e cobravam taxas pelo registro de documentos privados – para cadastro de uma transmissão imobiliária de 185 a.C. foi cobrado um vigésimo do valor da escritura.


Foi com os romanos, porém, que o ofício se estruturou e se aproximou do que é praticado até hoje. O político Cícero (106 a 43 a.C.) determinou a separação entre os registros públicos – ligados às cortes e produzidos pelos “notarii” – dos privados, mais comumente de testamentos e acordos consensuais produzidos pelos “tabelliones”.  Os notários da antiga República romana não só asseguravam a veracidade de documentos como conferiam um ar mais formal às inscrições – cunhando um estilo de escrita peculiar que viria a ser associada posteriormente ao direito romano.


Com a queda do Império Romano e a ascensão do poder da Igreja Católica, esta assumiu a responsabilidade pelos registros públicos e pela indicação dos notários. Assim, cabia ao Vaticano apontar os guardiões dos documentos nos territórios que anteriormente compunham o Império Romano – com especial influência na França e na Península Ibérica.


Entre 1100 e 1200, no período em que se formou o Estado português, documentos reais e particulares eram lavrados por notários para atestar a prática de atos em conformidade com os interesses da coroa e da Igreja. Tal prática foi estendida às colônias e, entre 1500 e 1800, o papel dos cartórios no Brasil era formalizar transações de caráter particular, como doações, dotes, procurações e alforrias. Dada sua importância, sempre que uma cidade era fundada, um cartório local também era criado.


A França foi o primeiro país a retornar a função de registros civis e jurídicos para o Estado – pelo Código Napoleônico, no início do século 19. No Brasil, apenas na década de 1870 a Igreja perdeu para os municípios o privilégio de conduzir tais registros. Os cartórios eram instituição pública no Brasil durante parte do século 20, mas hoje são órgãos privados que funcionam por concessão do governo.


Os cartórios pela lei dos comuns


Na Idade Média, havia diversos cartórios ativos na Inglaterra – especialmente durante os reinados de Eduardo I e II (1043-1066 e 1307-1307). Henrique VIII, ao romper com o Vaticano, em 1534, assumiu o direito de nomear notários, por meio do Arcebispo de Canterbury – uma prática que, de forma simbólica, permanece até hoje.


Por essa reviravolta histórica, e também pelo caráter do sistema legal anglo-saxão, baseado em jurisprudência, os países que adotaram a Lei dos Comuns – Reino Unido, Estados Unidos e demais membros da Commonwealth – não desenvolveram os cartórios de registros de notas na mesma medida que os países que adotaram o Sistema de Direito Civil, de origem romana. Naqueles países, a principal ocupação dos cartórios é a validação de documentação para o comércio internacional, e a autenticação de documentos é desnecessária, pois, pela lei, as cópias possuem o mesmo valor dos originais.

 

 

Fonte: Site Aventuras na História – UOL