Brasil tem, em média, 9 casamentos com adolescentes por dia

No ano passado, foram 3.176 matrimônios; desde 2003 são 47 mil

O caso do prefeito de Araucária, no Paraná, Hissam Hussein Dehaini, de 65 anos, que casou com uma adolescente de 16 anos, chamou a atenção para o casamento infantil. A união com adolescentes é mais comum do que se imagina: foram, em média, nove matrimônios registrados em cartório em 2022. Foram 74.760 casamentos em cartório envolvendo adolescentes, no Brasil, desde 2003.

A Organização das Nações Unidas (ONU) categoriza o casamento infantil como a união formal ou informal em que pelo menos uma das partes tenha menos de 18 anos. Com isso, o Brasil ocupa o quinto lugar no mundo em casamentos infantis, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), ficando atrás apenas para Índia, Bangladesh, Nigéria e Etiópia. 

Pensando nisso, a reportagem da Itatiaia conversou com especialistas para compreender o que diz a lei e quais são as consequências.

O que diz a lei que regulamenta casamento com adolescentes?


Em 2019, foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro a Lei 13.811, que proíbe o casamento de menores de 16 anos. O Código Civil prevê a possibilidade na qual pais ou responsáveis de jovens com 16 e 17 anos podem autorizar a união.

Flávia Mendes, advogada do Recivil, explica que o casamento é uma forma de emancipação do adolescente. “A partir do momento, os pais não detêm mais o poder familiar sobre aquele filho. Então, o filho ele se torna capaz para todos os atos da vida civil”, disse.

Ela explica que novo texto estabelece que “não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil”. Conforme a Flávia, a legislação anterior admitia o casamento em caso de gravidez ou para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal, já que ter relações sexuais com menores de 14 anos é crime com pena que vai de 8 a 15 anos de reclusão.

Número de casamentos adolescentes no Brasil


Segundo o levantamento feito pelo Cartório de Registro Civil de Minas Gerai para a Itatiaia, em 2021, foram 3.334 casamentos com adolescentes de 16 a 18 anos. Em 2020, foram 3.070. Os dados mostram um aumento significativo a partir de 2015. Em 2018, o número de registros bateu recorde dos últimos 20 anos: 3.829.

As meninas são as maiores vítimas

Apesar dos dados do Cartório não constar os recortes sexo e idade dos envolvidos, a organização não governamental (ONG) Plan International afirma que o número casamento infantil, em sua maioria, ocorrem com meninas, entre 15 e 16 anos, negras e pobres.

“Marcadores sociais como raça, territorialidade e classe social agravam mais ainda o acesso das meninas aos direitos a políticas públicas efetivas”, disse Ana Nery Lima, especialista em gênero e inclusão pela organização.

E especialista ainda chama a atenção para a união informal, que ainda é muito frequente e, também, naturalizada no nosso país. “A lei não dá conta de inibir essas práticas, resultando em um ciclo complexo e vicioso múltiplas causas que estão imbricadas nesse processo”, afirmou.

Por que os casamentos acontecem?

Segundo dados da organização não governamental (ONG), entre os fatores que levam ao casamento, estão o desejo de um membro da família, “proteger a reputação” de uma menina que engravidou; o desejo de controlar a sexualidade das meninas; a vontade de obter segurança; e o desejo dos maridos de se casar com meninas mais jovens consideradas mais atraentes e, principalmente, de mais fácil controle.

Já entre as principais consequências do casamento infantil estão o aumento do serviço doméstico, o cuidado parental exercido predominantemente por elas, a falta de profissionalização, a exclusão do mercado de trabalho, o atraso ou mesmo o abandono escola, a restrição da mobilidade e da liberdade, exposição à violência por parte do parceiro.

“Para coibirmos esse problema é preciso desconstruir a ideia de que o casamento com menores de anos é natural. Esse é o fenômeno naturalizado na nossa sociedade e precisamos pensar que as meninas e meninos podem, devem e precisam ter acesso a informações de qualidade sobre direitos sexuais, reprodutivos e à educação de qualidade para poderem tomar decisões sobre as suas vidas”, acrescentou Ana Nery.

Fonte: Itatiaia