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Que caminho é esse que está levando cada vez mais gente ao casamento? Até quem já está há um longo tempo na estrada. Dobrou o número de pessoas com mais de 60 anos de idade que resolveram se casar no civil. O Brasil está criando atalhos para quem quer oficializar a união. Um projeto de vida, mas que até pouco tempo, para alguns, parecia muito distante.
A novidade vem sobre rodas. Nas estradas de São Paulo, outro motivo para o aumento do número de casamentos: um cartório itinerante que facilita os registros civis. O destino: Nova Europa, a cidade de uma história de amor em que oficializar o casamento já parecia improvável.
“Como o casamento tem duas testemunhas, grande coisa não é”, brinca o aposentado Walter Gassebner. Parecia brincadeira até para os parentes. Afinal, a aposentada Etelvina Amaral e seu Walter estão juntos há 36 anos numa união estável.
“Para nós, foi uma surpresa. Eles estão juntos há tanto tempo que ninguém esperava”, diz uma parente.
“É muito bacana, bonito”, comenta outro parente.
Enquanto o ônibus-cartório se aproximava, a noiva defendia a decisão: “Nunca é tarde para se casar”. “Nunca é tarde para ser feliz”, completou uma jovem da família.
Final feliz para uma história que começou a ser escrita há décadas e está nos livros de registro civil da cidade. Um capítulo que escandalizou os moradores de Nova Europa. Foi quando a vida de Walter e Etelvina se entrelaçou com a de outro casal: a dona de casa Aparecida e o aposentado Werner Barbist. Eles são primos irmãos. Nascidos na Áustria, vieram para o Brasil muito cedo. Elas são brasileiras de Nova Europa.
Em 1959, se casaram, mas não com os pares de hoje: Walter com Aparecida e Werner com Etelvina. Moravam juntos num sítio. Cada casal teve dois filhos. Seu Walter garante que não olhava para dona Etelvina, que era mulher de Werner.
“Na verdade, era uma prima minha, convivia no sítio. Mas o outro era diferente”, conta seu Walter.
O outro, o primo Werner, não resistiu ao amor por Aparecida.
Dona Aparecida conta que se apaixonou por seu Werner e foi correspondida. “Estamos aqui até hoje”, ressalta.
Com dez anos de casamento, em 1969, os dois casais se desfizeram. Dona Aparecida diz que foi muito difícil tomar a decisão de deixar os casamentos anteriores e ficar juntos. “Os dois casais já tinham filhos”, lembra seu Werner.
“Foi preciso muita coragem”, acrescenta dona Etelvina.
“A gente diz que muito feijão queimou na panela em Nova Europa, porque a mulhereda ficava na rua”, comenta dona Aparecida.
Se a separação já era motivo de fofoca nas ruas, imagine quando, depois, Werner foi viver com a ex-mulher do primo, Aparecida, e Walter com Etelvina.
“Acho que se o primeiro não der certo, a gente tem que ter mais uma chance. E, nosso caso, deu certo”, afirma dona Etelvina.
Werner e Aparecida também. Os primos foram sócios na relojoaria da cidade por 40 anos. Walter e Etelvina tiveram mais três filhos. Werner e Aparecida, mais um. E se casaram no civil em 2004. Há um mês, ele sofreu um derrame e se recupera com a ajuda da mulher.
“Cuido dele como se fosse um bebezinho”, conta dona Aparecida.
“No começo, a gente tinha respeito um pelo outro. Depois, com o passar do tempo, os filhos nascendo, foi ficando diferente”, conta dona Etelvina. E assim o amor foi surgindo.
Foi assim que o casal decidiu embarcar em um novo casamento. O ônibus-cartório pára em frente à igreja de Nova Europa e atrai os interessados. Enquanto Walter e Etelvina não chegam, outros moradores buscam o serviço: registros de nascimento e casamentos de graça.
Os três filhos do lado de fora, e os pais, ansiosos, dentro do ônibus. “É uma coisa muito maravilhosa! Um sonho que eu tinha bem antes de ter as crianças”, diz a dona de casa Duciane Zambon. Ela e Juliano viviam juntos havia dez anos, mas não tinham se casado.
“Estava difícil, nunca sobrava dinheiro para casar assim”, justifica Juliano. “Em todo lugar que a gente ia, dizíamos que éramos amasiados. Agora, somos casados”, orgulha-se. E a certidão é a prova.
“Hoje, entre dez casais que pegam o pedido de habilitação, sete já estão vivendo juntos. Eles estão legalizando”, revela o oficial de cartório Lucas de Arruda Serra.
O Novo Código Civil, que entrou em vigor em 2002, deu os mesmos direitos dos casados a quem tem uniões estáveis, mas o registro civil ainda é uma garantia maior. “A diferença é que os companheiros têm que fazer a prova do companheirismo e, no casamento civil, você tem este direito independentemente. É só mostrar a certidão que você já tem esse direito líquido e certo”, explica a advogada Graça conde.
Desde que foi criado pela Associação de Cartórios do Estado de São Paulo, há um ano e meio, o serviço itinerante já realizou mais de 1,2 mil casamentos. Felicidade para as famílias que não tinham acesso ao cartório.
“Imaginava ele casando, mas não no ônibus. A experiência foi maravilhosa, muito linda!”, elogia a tia de Juliano, Ivone do Amaral. “Com certeza, foi o casamento mais diferente na família”.
E, finalmente, chega a vez de seu Walter e dona Etelvina, 36 anos depois. “Passando, a partir deste momento, os nubentes ao estado civil de casados”, anunciou o oficial de cartório. “Agora pode dar um beijinho na esposa!”, completou.
Como vai ser o casamento agora? “Talvez um pouquinho mais firme”, diz seu Walter.
“É um momento de alegria. Depois de tantos anos, ver a sua mãe casando é uma surpresa. Espero que venha um irmãozinho”, brinca Ronaldo Barbist, filho de dona Etelvina. Fonte: Rede Globo de Televisão |