Cartórios baianos são parecidos com os do Haiti

ENTREVISTA

Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, com sede em Brasília, Rogério Bacellar acompanha passo a passo a discussão sobre a privatização dos cartórios na Bahia e tem respostas prontas para dúvidas levantadas pelos deputados baianos, que se preparam para votar em agosto o projeto de autoria do Judiciário. Bacellar, que é contra a privatização gradativa e acha injusto retirar o direito de opção dos tabeliães, credita à falta de informação das autoridades baianas o atraso no processo que já é realidade nos outros estados da Federação: "A Bahia não merece isso".

A Anoreg tem acompanhado o debate sobre a privatização dos cartórios na Bahia?

Desde o início. Em 2001, em um congresso nacional realizado em Salvador, o tema chegou a ser tratado. Na época, nem o governo do Estado nem o Tribunal de Justiça queriam saber desse assunto. Mas nós já apresentávamos um trabalho que mostrava como o Ipraj (Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária) não era suficiente para suprir a demanda cartorial no Estado. Ano passado, participei de uma audiência pública feita pelo relator do projeto na época, deputado Pedro Alcantara, que tinha todo interesse em aprovar o projeto antes de acabar a legislatura, já que não havia sido reeleito. Mas não conseguiu.

E agora, acredita na aprovação?

Bom, os cartórios baianos são um caos. Se o projeto não for aprovado, continua fá tudo como está. Acabei de chegar do Haiti, onde fomes criar os cartórios de civil e de imóveis. Lá, a desorganização impera. É lento o processo para se obter um documento. Na Bahia, a situação é parecida. O Estado não merece mais isso, pois é o único em que a privatização ainda não aconteceu.

Como a privatização vai resolver essa situação de caos que o senhor define?

A privatização dará qualidade aos cartórios. Conheço bem os cartórios baianos. Não têm material de expediente, faltam computadores, internet, falta estrutura de um modo geral. O material humano é mal preparado, pois não tem condições financeiras de participar de cursos e congressos. Se o fizessem, teriam de pagar do próprio bolso. Com a privatização, eles terão acesso a cursos da própria Anoreg, disponível até para quem ainda não pode pagar… Na Bahia, os cartórios de protesto usam a estrutura dos bancos para funcionar. O cartório de registro de imóveis não faz corretamente os cadastramentos. Isso precisa mudar.

De onde virão os recursos para tantas mudanças?

Os cartórios que não dão lucro são os de registro civil. Os demais irão arcar com os próprios custos e, por isso, terão interesse em investir para melhorar cada vez mais o atendimento. Quando há a privatização, os tabeliães ficam somente com os acervos e as fichas. Arcam com o restante, como o aluguel do imóvel, os móveis, as contas. Ganham para isso. Por outro lado, como titulares dos cartórios, responderão civil, administrativa, trabalhista e criminalmente por eles. Têm que prestar um bom serviço.

Mas eles sairão de uma situação de total dependência do Judiciário para assumir esses gastos…

Com a perspectiva de lucro, vão poder assumir investimentos como num negócio qualquer. Procurar um financiamento a juros mais baixos. Enfim, buscar condições de investir no seu negócio.

E o Tribunal de Justiça? A instituição também vai deixar de arrecadar com as taxas cartoriais…

O tribunal passaria a receber recursos do Fundo de Reaparelhamento do Judiciário, oriundos de parte das taxas e custas, já que terá a atribuição de fiscalizar e controlar o sistema judicial. Com a participação nos emolumentos e sem gastos com o funcionamento dos cartórios, terá uma arrecadação muito maior.

Na Assembleia Legislativa, o Fundo Compensador é que tem esquentado o debate. Na verdade, é um dos pontos polêmicos do projeto e um dos principais motivos para que comissão parlamentar saia em visita a cinco capitais brasileiras que já adotaram a privatização. Os parlamentares não chegaram a um consenso quanto ao percentual que os cartórios repassarão do fundo. Essa é a discussão fundamental?

Sim, mas esse fundo será para compensação de atos gratuitos, realizados apenas pelos cartórios de registro civil, que não têm renda. O percentual vai depender da realidade de cada Estado. A Anoreg fez o levantamento dos percentuais adotados em todos os estados brasileiros. Isso precisa ser feito. Mas fundamental é que o fundo seja administrado pelos sindicatos ou titulares dos cartórios. Quando o Tribunal de Justiça administra, isso não funciona. Geralmente os recursos são utilizados também para as despesas administrativas do próprio tribunal.

Já que não haverá custos para o TJ e o sistema cartorial será melhorado, por que a resistência da Bahia em adotar a privatização?

Eu acho que falta informação. Já tive a oportunidade de, num encontro casual, falar com o governador Jaques Wagner. Ele se mostrou interessadíssimo, mas ficou preocupado com os recursos que o governo do Estado teria de aportar. Eu disse que não teria que investir nada. Ao contrário, o governo passaria a ganhar. Para manter os cartórios, o Tribunal de Justiça entra no orçamento do Estado. Isso deixará de acontecer. No Rio de Janeiro, é previsto um percentual do pagamento de custas destinado à Defensoria Pública. O Paraná já estuda também essa possibilidade. Portanto, o Estado só tem a ganhar.

Outro ponto do projeto que esquenta o debate entre os deputados é sobre dar ou não aos tabeliães o direito de optar entre manter a titularidade do cartório ou continuar no serviço público. Qual a sua opinião a respeito disso?

Sou totalmente a favor do direito de opção. Seria um crime tirar dos titulares a oportunidade de usufruir da fase de pujança, depois de sofrerem tanto tempo com a falta de estrutura. Quando as coisas vão melhorar, troca meles por pessoas de fora, já que novos concursos abriram vagas para todos os estados? Foram selecionados de acordo com as normas baianas, garantidas pela constituição de 88, são tabeliães registrados, não incorreram em nenhum ato ilegal. Têm todo o direito de manter a titularidade ou abrir mão dela, se desejarem. Pelo menos antes de viajarem para pesquisar outras capitais, no dia 13, a tendência entre os deputados era da privatização total.

O TJ defende a privatização gradual, à medida que os tabeliães se aposentem ou morram. O que recomenda a experiência em outros estados da federação?

A privatização total, evidentemente. Não se trata um doente terminal com sedativos. É preciso um choque de gestão. Como o Tribunal de Justiça vai justificar o atendimento precário nos cartórios oficializados quando os privatizados estarão funcionando bem? Dizendo que ainda não foram privatizados? Isso não tem sentido.

A propina é um dos grandes problemas dos cartórios baianos. É quase uma regra ter que dar um "por fora" para que a máquina funcione com mais rapidez. A privatização também vai eliminar a corrupção?

Com certeza. O funcionário de cartório recebe a propina porque terá que trabalhar fora do seu horário de trabalho para conseguir fazer o serviço dentro do prazo pedido. Os cartórios privatizados vão conseguir pagar salários justos aos seus funcionários e a propina será desnecessária.

Quer dizer que, quanto mais se protela a privatização, mais perdas a população acumula?

Protelar a aprovação desse projeto significa perda para todos, principalmente para a população. Os cartórios privatizados têm um serviço totalmente digitalizado, rápido. Conseguem em segundos o que a Bahia leva dias para conseguir. Em relação a outros estados, a Bahia está com mais de 3o anos de atraso.

A Anoreg é a única entidade da classe com legitimidade para representar os titulares de serviços notariais e de registro do Brasil em qualquer instância ou Tribunal. Nessa busca de informações, os deputados baianos que apreciam o projeto chegaram a procurá-lo?

Ainda não. Mas tenho certeza de que temos muito a contribuir.

 

Fonte: Jornal A Tarde – BA