por Elaine Resende
A visita do papa Bento XVI ao Brasil suscitou uma série de questões de ordem moral e familiar, como o uso de preservativos, o direito do aborto, sexo antes do casamento a indissolubilidade do casamento. Questões que deveriam incomodar ou preocupar apenas os católicos, viraram temas nacionais com direito a palpite do presidente da República e declarações oficiais do ministro da Saúde do Estado laico do Brasil .
Diante dos dogmas da moral familiar da Igreja Católica, contudo, nem tudo está perdido. Católicos que seguem as leis da Igreja que recomenda e impõe a união de marido e mulher “até que a morte os separe” buscam cada vez mais a anulação do casamento religioso dentro das próprias regras da Igreja. O caminho é o Tribunal Eclesiástico, o instrumento legal é o Direito Canônico.
O engenheiro civil Geraldo Chama Junior, 44, separado há nove anos, é um desses incomodados com o peso de não poder ter um novo casamento reconhecido pela igreja.
Ainda nesse ano, ele pretende ingressar com ação no Tribunal Eclesiástico para tentar anular sua união que durou quatro anos. Agora ele quer se ‘habilitar’ para “começar de novo aos olhos de Deus”, diz.
“Sempre encarei o casamento como algo muito sério, para a vida toda. Suportaria as divergências conjugais por acreditar nos votos que fiz na Igreja. Quando me separei fiquei muito triste. É como se tivesse contrariado uma crença muito forte em mim”.
Ainda que tenha saído o desquite ou o divórcio, casais dispostos a um segundo casamento se arriscam a dizer que casar na igreja faz grande diferença.
“Eu queria me casar novamente na igreja, mas quem fazia mesmo questão era minha ex-mulher, que foi quem entrou com a ação de nulidade”, diz o ginecologista José Luis Crivellin.
O processo do médico foi montado no Tribunal Eclesiástico de São José do Rio Preto em 1997 e levou um ano, tramitação em tempo recorde. O argumento aceito pela igreja foi de imaturidade. À época, segundo Crivellin, ele e a ex-mulher ainda faziam faculdade, moravam longe da família e dos amigos, o que contribuiu para a decisão de viverem juntos.
Casado pela segunda vez há sete anos, Crivellin comemora. Com uma filha e a esposa grávida de outra, o casamento dessa vez, assegura, é para a vida inteira.
Condições para nulidade
Instituição jurídica que influenciou na história das nações, o direito canônico ainda é parte presente na vida dos fiéis. Além da anulação de casamento, esse instituto disciplina o gerenciamento do patrimônio da Igreja e regras internas.
Segundo o promotor de justiça e professor de direito da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha, o procedimento de anulação tem como condição necessária a presença de um bacharel em direito.
Para pedir a anulação diante do Tribunal Eclesiástico, o advogado deve apresentar seus argumentos perante três juízes. O processo requer acompanhamento de um defensor do vínculo, espécie de promotor de justiça que irá se posicionar a favor ou contra a anulação, conforme análise concreta do caso. Da decisão proferida no Tribunal Eclesiástico, cabe recurso em segunda instância, que pode ser também reformada por decisão de Roma, última instância do processo.
O código canônico traz cláusulas específicas prevendo as possibilidades de anulação. Uma delas é a recusa de um dos cônjuges em ter filhos, não havendo impedimento médico. Outra é a imaturidade severa, por falta de compromisso com o companheiro ou com a Igreja e, por fim; problemas psicológicos.
Para a igreja católica romana o matrimônio é indissolúvel e só pode ser terminado quando um dos cônjuges morre. Declarar um casamento nulo significa reconhecer que ele de fato nunca existiu.
Quanto custa a nulidade
A ação de nulidade de casamento custa três salários mínimos em primeira instância e quatro salários mínimos em segunda instância. Mas se a pessoa comprovar a miserabilidade pode entrar com a ação gratuitamente, como acontece na justiça comum brasileira.
Na primeira instância, o tempo para anulação é, em média, de dois anos. O mesmo prazo na segunda instância. Se o processo chegar a Roma pode levar mais tempo que isso, principalmente em razão da necessidade de tradução dos autos.
Segundo o advogado Rogério Cunha, é muito difícil a ação chegar a Roma. A maior parte dos casos se resolve na 1ª e 2ª instâncias.
A ação exige provas similares às da justiça comum, como perícia e testemunhas.
Fonte: Conjur