Marília Machado: 10º período de Direito da PUC Minas
Desde a promulgação da Constituição brasileira em 1988, os militantes e simpatizantes do direito de família aplaudiram a coragem do constituinte em reconhecer e destinar proteção do Estado à união estável, entidade familiar constituída de modo informal. Essa mudança de comportamento e tratamento legal é, sem dúvida, reflexo do evoluir do conceito de família que se transformou e exigiu que o direito absorvesse as mudanças operadas na ordem dos fatos, normatizando regras condizentes com a realidade.
A Lei11.441/07 inaugurou em nosso ordenamento jurídico, além do inventário e da partilha, a possibilidade de separação e divórcio consensuais na via cartorária, cujos requisitos são os previstos no Código de Processo Civil (CPC) para a separação consensual em juízo, acrescidos da exigência de o casal não ter filhos menores ou incapazes. O procedimento criado veio, portanto, no intuito de facilitar, mediante certos requisitos, a dissolução da sociedade conjugal e do vínculo matrimonial, inventário e partilha sem a necessidade de homologação judicial.
Sua importância remonta a tendência desburocratizante do direito de família contemporâneo, a redução na tramitação de processos necessários para esse fim, a afirmação da dignidade humana como fundamento de todas as normas constitucionais, a retirada do Estado da vida privada dos cônjuges, restabelecendo-lhes a autonomia privada e restaurando a liberdade de autodeterminação. Enfim, a nova lei atende a instrumentalidade e efetividade do processo contemporâneo. Processo esse que deve atender ao direito material subjacente.
Por meio do posicionamento de juristas como Cristiano Chaves, Maria Luiza Póvoa Cruz, Christiano Cassetari, não há como excluir a dissolução da união estável do procedimento administrativo instaurado com a nova lei. Isso porque a união estável é constituída, na maioria das vezes, na informalidade, sem a interferência do Estado. Não poderia então, no momento da sua dissolução, ser exigida formalidade, burocracia e chancela estatal.
Com efeito, restou demonstrado que há manifesta liberdade para as pessoas constituírem união estável, sendo que os requisitos para a sua configuração devem ser analisados com maleabilidade, caso a caso. A própria possibilidade de realizar contrato de convivência, público ou particular, é prova dessa liberdade, por isso é inaceitável não permitir esse procedimento facilitador na dissolução da união estável.
Em razão do tratamento recebido na Constituição Federal, a família informal merece ser tutelada com a mesma eficácia e efetividade que as uniões formais. No dizer de alguns doutrinadores, o casamento e a união estável distinguem-se na forma de constituição e na prova de sua existência, mas jamais quanto aos efeitos protetivos em relação aos seus componentes. Não é crível, nem tolerável, que as pessoas sejam obrigadas a casar somente para adquirir mais direitos.
O instrumento que permite aplicabilidade do procedimento administrativo de extinção matrimonial por escritura pública à dissolução de união estável é a analogia, pois a não-regulamentação da dissolução da união estável na via administrativa, ou seja, a lacuna da lei, leva à necessidade de integração do direito. E, considerando que casamento e união estável são realidades semelhantes, a solução interpretativa deve ser a mesma: a dissolução administrativa.
Ademais, devemos abrir espaço para o “novo modelo interpretativo constitucional”, o qual exige que “a busca do sentido e do alcance dos institutos e debates propiciados pela nova lei esteja, sempre, articulada com o propósito de concretizar a Constituição, por meio da efetivação de seus princípios e normas”. Deve, por isso, produzir efeitos em todo o âmbito infraconstitucional, inclusive, no novo procedimento administrativo de separação e divórcio, por meio de escritura pública.
Por fim, resta dizer que este novo modelo interpretativo constitucional exige que seja aplicado o procedimento previsto na Lei 11.441/07 à dissolução da união estável, concretizando, assim, os princípios e normas constitucionais.
Fonte: Jornal Estado de Minas