Clipping – Adoção – Esperança que se renova – Jornal Estado de Minas

ADOÇÃO
Esperança que se renova
Cadastro nacional vai facilitar a vida de mais de 12 mil candidatos a acolher crianças e adolescentes no país. Em BH, são 300 nomes à espera
 
Meninas brancas, recém-nascidas, saudáveis ou com, no máximo, três anos de vida. Este é o perfil desejado pelos pais que engrossam a fila de adoção no Brasil, o que dificulta o processo e deixa mais de 600 crianças, com mais de 10 anos, nos abrigos de Belo Horizonte. No Brasil são 1.887 que esperam, sem sucesso, uma família substituta. A realidade das crianças disponíveis para adoção é outra: apenas 33% delas são brancas e a maioria tem dois ou três irmãos, vítimas de negligência e maus-tratos, que não querem ficar separados, mesmo num novo lar.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 80,7% dos interessados em adotar exigem crianças com, no máximo, três anos, ao passo que só 7% das cadastradas possuem essa idade. Perto de se tornar adolescente, então, é quase impossível achar um interessado.

Apesar das exigências dos futuros pais adotivos, a longa fila de candidatos, com mais de 12 mil nomes, deve andar mais rápido com a criação do Cadastro Nacional de Adoção. Promessa de mais de uma década, o cadastro começa a funcionar, timidamente, mas com expectativa de amenizar o quadro. Hoje, uma pessoa que quer adotar uma criança e se inscreve em Belo Horizonte, por exemplo, só tem acesso ao cadastro dessa cidade. Com o cadastro, uma só inscrição dá à mesma pessoa de BH condições de candidatar-se à adoção em outros estados. O perfil buscado pelo adulto é cruzado com os dados de crianças de todo o Brasil, aumentando as chances de conseguir um resultado positivo. Apesar de ter sido criado em abril de 2008 e ter começado a funcionar no fim do ano, as informações ainda são mínimas, considerando o tamanho do país e do problema. Mas, em pouco tempo, há chances de se ter um quadro completo de diferentes localidades brasileiras.

Os primeiros registros do cadastro identificaram no país 12.836 pessoas interessadas em adotar. Só em Belo Horizonte, há mais de 300 nomes na fila, informa a psicóloga Jane Franco, do Setor de Estudos Familiares do Tribunal de Justiça de Minas. Desde novembro, eles começaram a ser convocados para dizer se querem participar do cadastro. “É preciso que estejam dispostos a ir a outros estados e custear os gastos, caso apareça uma criança que atenda as expectativas”, explica Jane.

Pelos resultados iniciais, é possível se ter uma ideia do desencontro entre pessoas que querem adotar e das crianças que esperam uma família. A exigência de crianças saudáveis é generalizada. Embora apenas 33% dos menores disponíveis para adoção sejam brancos, 70% dos possíveis pais só aceitam filhos dessa raça.

A aposentada Vera Lúcia Bastos, de 61 anos, moradora da capital, é exceção. Há 14 anos, ela se tornou mãe de coração, como gosta de dizer, de Marlon, que foi para sua casa recém-nascido. Antes, Vera trabalhou oito anos nos Estados Unidos, o que a ajudou a fazer uma boa poupança. “Eu não tinha marido, mas voltei certa de que queria adotar.” O primeiro desejo era uma menina, mas soube de uma moça que estava disposta a doar uma criança e foi ao hospital mesmo sem saber o sexo. Ao chegar, viu o menino, de lábios leporinos (má formação congênita que resulta em abertura do lábio). “Ele estava isolado das outras crianças e não tive dúvidas de que queria ser sua mãe e cuidar dele.”

Na nova família, Marlon fez nove cirurgias para correção dos lábios, sete delas em São Paulo. Há três anos, a mãe se aposentou e hoje sobra tempo para viajar e passear com o filho. “Queria curtir muito meu filho e pude fazer isso. Mesmo solteiro, é possível adotar, basta que comprove condições e tenha amor.”

APRIMORAMENTO O juiz titular da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Marcos Flávio Lucas Padula, comemora a criação do cadastro, mas pondera que precisa ser aperfeiçoado. Ele atribui a inserção de dados aos juízes e à equipe técnica, mas conta que “não se alocou verba para capacitar o setor técnico e, em alguns casos, aumentar o quadro de pessoal, porque é um trabalho dobrado”.

Em geral, o interessado em assumir uma criança espera um ano e meio, segundo Padula, situação que pode ser acelerada com informações de outras cidades. Em geral, os recém-nascidos conseguem rapidamente uma família. Os maiores ficam em um dos 46 abrigos da capital, à espera de adoção ou da certeza de que não voltarão mesmo para as famílias de origem.
 
Comarcas ficam sem comunicação
 
A Justiça mineira também quer um sistema integrado para comunicação fácil sobre adoção. Mesmo em cidades vizinhas, as comarcas estão isoladas, sem comunicação de dados, a não ser que o candidato em adotar abra processos diferentes em cada cidade do seu interesse. Segundo o juiz titular da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Marcos Padula, um programa foi feito exclusivamente para esse fim, mas ainda não há data para o seu início. “Um sistema nacional é muito bom, mas queremos incluir informações sobre os abrigos também, que não foram contemplados no cadastro.”

Uma das dificuldades para a integração é o padrão do sistema usado em BH, “muito completo, mas obsoleto”, diz. Para inserir dados em um sistema estadual e no nacional haveria necessidade de digitá-los um a um. No Setor de Estudos Familiares, por exemplo, as informações sobre os interessados em se tornarem pais adotivos, são registrados manualmente.

O juiz Marcos Padula considera pouco também apenas um juiz da vara cível (ele próprio) para cuidar de adoção, guarda, abrigamento, afastamento do lar e trabalho infantil. “A demanda não é pouca. São mais de 4 mil processos em andamento.” Em contrapartida, na vara infracional relacionada a crianças e jovens, são quatro juízes. “Talvez seja por causa de uma preocupação maior com a parte punitiva.” (BM)
 
Estrangeiros só em último caso
 
Uma alternativa para crianças e jovens abrigados pode ser a esperança de um lar em países estrangeiros. A adoção internacional em Minas está a cargo da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) e é considerada a última opção. O juiz da Vara da Infância e Juventude de cada comarca define quando encaminhar as crianças para possíveis pais de outras nacionalidades. Estão inscritos cerca de 140 menores na Ceja. Deles, apenas 14 são menores de 10 anos, sendo que três já beiram os 18.

Do outro lado, há 370 estrangeiros habilitados à espera de um filho brasileiro. Os italianos equivalem a praticamente metade (47%), percentual explicado pelo incentivo à adoção naquele país, explica a coordenadora da comissão, Liliane Maria Lacerda Gomes. Em 2008, foram finalizados 34 processos de paternidade e, no ano passado, outros 27 seguiram para outros países. Além de documentação e cadastros criteriosos, é exigido que o interessado faça o chamado estágio de convivência no Brasil. Ele fica em companhia da criança por 30 dias no mínimo, com acompanhamento de representantes do Judiciário. Hoje, 21 crianças estão sendo monitoradas nesse estágio.

No ano passado, um casal que vive nos Estados Unidos realizou uma adoção rara: dois irmãos de 14 e 16 anos. “Eles já chegam ao país com liberações da Polícia Federal, passaporte e cidadania do destino”, explica Liliane. “Além de adotarem meninos acima de 5 anos e, às vezes, até alguns adolescentes, eles não fazem distinção de raça, cor ou sexo. É justamente o contrário da adoção nacional.”

As crianças e jovens só vão para o acolhimento internacional depois que a Justiça destitui o poder familiar dos pais biológicos. Diz o texto de apresentação da Ceja que a comissão, criada em 1992, não objetiva “dificultar a adoção internacional, mas é seu entendimento de que se trata de medida excepcional, que deve merecer a tutela jurisdicional apenas quando esgotadas todas as possibilidades de adoção por brasileiros”. (BM)
 
Limite preconceituoso
 
Famílias não se interessam por crianças com idade acima de 10 anos, reduzindo as chances de quem espera, nos abrigos, a oportunidade de ganhar um lar estruturado
 
Aos 10 anos, quando outras crianças só se preocupam em brincar e aprender as lições da escola, as que estão na fila de adoção já são consideradas velhas. Pelo menos 200 abrigados em Belo Horizonte estão acima dessa faixa etária. Nem todos passaram pelo processo judicial de destituição familiar, o que significa que parte deles, ao menos em tese, ainda pode ser encaixado em suas famílias de origem. Acima dessa idade, as chances de serem acolhidas por famílias substitutas são praticamente nulas dentro do país e pequenas no estrangeiro. Entre as 45 crianças adotadas em BH, no ano passado, apenas uma tinha mais de 10 anos.

O juiz da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Marcos Padula, admite que elas não são o foco dos trabalhos. “Quando as condições de atenção não são ideais, precisamos priorizar. E, na prática, fazemos isso com os casos de 6 a 10 anos porque há possibilidade efetiva de adoção”, diz ele, se referindo aos julgamentos para liberar os menores para adoção antes que eles se tornem crescidos demais. Segundo Padula, um processo de destituição familiar de um jovem com mais de 10 anos não teria “efeito prático” porque, na maioria das vezes, os pais já perderam a guarda. A alternativa, de acordo com o juiz, é encaminhá-los nas datas comemorativas aos padrinhos. Ele garante que, de seis em seis meses, são feitas também tentativas para localizar familiares. “O cadastro dos que têm mais de 10 anos não é arquivado.”

Outra dificuldade é conseguir manter os irmãos juntos. Nos abrigos de Belo Horizonte não é raro aparecer turmas de seis irmãos, vítimas de abandono ou de maus tratos. A estatística do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que 86% dos interessados no país querem uma só criança, enquanto 74% dos menores cadastrados têm irmãos. Ao completar 18 anos, não há mais acolhida nos abrigos. Durante o tempo na instituição, eles frequentam a escola e, na medida do possível, fazem cursos profissionalizantes para auxiliar na busca de um emprego.

EXEMPLO A dona-de-casa Rosângela Carvalho, de 54, quer ser voluntária para tentar alegrar a vida de jovens abrigados. Ela própria adotou dois, Ricardo, hoje com 29, e Priscila, de 24. O médico avisou que ela não poderia engravidar e, com o consentimento do marido, ela levou para casa o filho, na época com quase 3 anos. Ela era uma jovem de 25 com apenas três de casada, mas com ânsia de encher a casa de riso e cheiro de criança. Quando Ricardo completou 5 anos, pediu uma irmã e a mãe o atendeu sem problemas. “As pessoas ficam muito vinculadas à caridade, mas, no meu caso, fiz porque queria ser mãe, não conseguia engravidar biologicamente e os gerei no coração. Meus filhos não têm rótulos. São meus filhos.”

A filha, de 24, foi tentar a vida na Europa. Há menos de um mês, o mais velho se tornou pai e deu a Rosângela a notícia de que também pretende adotar uma criança. “Como mãe, foi bonito ouvir. Ele disse que lembrou-se do dia em que chegou em casa e de como era observado por nós enquanto brincava com seu primeiro presente, um aviãozinho azul.” O cadastro do CNJ contabilizou que a maioria, 76,5% dos candidatos a pais, ainda não tem filhos.


Cadastro Nacional de Adoção

Perfil do candidato à adoção
90% são casados ou têm união estável

50% ganham de 3 a 10 salários mínimo

76,5% não têm filhos

As crianças
65,29% são negras ou pardas

Adoções em BH
Fila: Mais de 300 pessoas

Adotados em 2008
39 bebês (abandono em maternidade ou doação
da família)

45 crianças que estavam abrigadas

Telefones para informação: 3207-8129/8150
 
 
Fonte: Jornal Estado de Minas