Recife – Em uma decisão inédita no Brasil, o juiz Élio Braz, da 2ª Vara da Infância de Recife, emitiu sentença favorável a um casal homossexual que se inscreveu no cadastro de adoção para cuidar de duas crianças. A decisão foi aceita pelo Ministério Público de Pernambuco e não cabe mais recurso. De acordo com o magistrado, outras duas sentenças brasileiras já beneficiaram pessoas do mesmo sexo que vivem juntas, mas, em ambos os casos, cada parceiro entrou com o pedido na Justiça sozinho, e não como um casal. Esse tipo de estratégia de adoção individual é a principal forma encontrada por casais homossexuais para barrar o preconceito de alguns juízes e garantir o direito à paternidade e à maternidade. A decisão desta semana, porém, abre precedente em todo o país.
O casal beneficiado mora em Natal, capital do Rio Grande do Norte, e já havia tentado a adoção naquele estado, sem sucesso. Os dois companheiros chegaram a esperar dois anos por uma resposta da Justiça, mesmo aceitando crianças mais velhas do que as normalmente escolhidas pelos pretendentes a pais. Depois da expectativa frustrada, os dois foram ao Recife e entraram no cadastro de adoção juntos, como um casal heterossexual faria normalmente.
A resposta chegou rápido, na forma de duas irmãs de 3 e 5 anos, que moravam em um abrigo do Recife e tinham acabado de ser destituídas do poder familiar. “Normalmente o estágio de convivência entre os pretendentes e os adotantes é de apenas um mês, mas nesse caso durou um ano, afinal, estávamos enfrentando um desafio legal e os supostos impedimentos para a adoção”, explicou o juiz que garantiu a decisão.
O magistrado entende que a legislação brasileira não proíbe a adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais. “O que acontece é que durante votação do Projeto de Lei 6.222/2008, na Câmara Federal, os deputados retiraram o artigo que autorizava a adoção por pessoas do mesmo sexo. No entanto, ficou a lacuna. Na minha sentença sou claro: a existência de lacuna não impede o direito”, ressaltou. O projeto de lei ainda vai seguir para avaliação do Senado.
Um parecer psicológico favorável ao casal foi emitido pela psicóloga Edineide Silva, da Coordenação do Núcleo da Adoção e Estudos da Família da 2ª Vara da Infância da Capital. “Quando um casal homossexual deseja adotar, vai buscar posicionar a criança no lugar de um filho. Essa posição não se configura na presença do gênero em si, se os pais são homem ou mulher. Essas funções são simbólicas e podem se configurar em casais do mesmo sexo também”, ressaltou.
CAMPANHA A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou ontem a segunda etapa da campanha Mude um destino, em favor da adoção consciente no país. A intenção dos juristas é chamar a atenção para as vantagens do processo através do Judiciário que, segundo eles, não é burocrático. “As pessoas têm o direito de escolher. A AMB não é contra isso. Mas é preciso alertar para as conseqüências da escolha por um tipo determinado de criança. A espera pode chegar a até cinco anos. Não há burocracia. Não podemos destituir o poder familiar de forma irresponsável para atender as escolhas dos casais”, ressaltou o coordenador nacional da campanha, Francisco de Oliveira Neto.
Fonte: Jornal Estado de Minas