O testamento vital ainda é pouco conhecido no Brasil. Não tem relação com o patrimonial: trata-se de um documento no qual uma pessoa indica a quais tratamentos e procedimentos deseja ou não ser submetida em casos de doença grave ou de incapacidade de verbalizar suas vontades. O testamento vital pode informar, por exemplo, se o paciente rejeita técnicas como reanimação cardiorrespiratória ou ventilação mecânica.
Os médicos devem valorizar o documento e, em respeito aos desejos do paciente, avaliar quais procedimentos são adequados ou desproporcionais, explica Filipe Gusman, presidente da Regional Sudeste da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. O especialista tem de mostrar que uma diálise, por exemplo, pode ser importante no caso de uma complicação aguda e potencialmente reversível. Mas é uma ação desnecessária num quadro de doença grave, pode apenas prolongar o sofrimento.
Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), de 1º janeiro a 18 de novembro, 552 pessoas lavraram testamentos vitais ou Diretivas Antecipadas da Vontade em cartórios. O levantamento mostra que a busca por esse tipo de registro vem crescendo. Para se ter uma ideia, ao longo de todo o ano passado, foram elaborados 549 documentos, número três vezes maior que o de 2012, ano em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) passou a reconhecer o testamento vital por meio da Resolução 1995/2012.
Para anular completamente o risco de um processo judicial por omissão de socorro, a advogada Luciana Dadalto, doutora em Ciências da Saúde, afirma que seria necessário existir, no Brasil, uma legislação que regulamentasse o testamento vital. Segundo ela, alguns países europeus têm bancos de dados com esses documentos, que podem ser consultados por médicos, e aproximadamente 45% da população americana fazem testamentos vitais.
Precisamos regulamentar o testamento vital com respostas para algumas perguntas. Menor de idade pode fazê-lo? Deve ser registrado em um cartório? É necessário uma testemunha? O meu conselho é elaborar o documento com o auxílio de um médico de confiança e um advogado, para evitar que a pessoa peça, por exemplo, injeção para agilizar a morte, o que é proibido. Assim, evita-se que o documento seja anulado judicialmente diz Luciana, acrescentando que o testamento pode ser modificado pelo paciente.
Advogada: Não é preciso estar doente
De acordo com a advogada, a pessoa que faz um testamento vital pode designar um (ou mais) representante para tomar decisões em seu nome:
A pessoa não precisa ficar doente para tomar essa iniciativa. Acho que é dever de toda a classe médica esclarecer dúvidas em relação ao testamento vital.
A também advogada Tânia da Silva Pereira, de 68 anos, pensa da mesma forma. Ela fez um testamento vital e apresentou o documento à família.
"Eu e meus filhos estamos em entendimento em relação aos meus desejos. Conhecendo o que considero prioritário, eles saberão dar o encaminhamento necessário diante de eventuais dúvidas por parte de médicos. Eles sabem, inclusive, que sou doadora de órgãos, caso os mesmos possam ser úteis para outras pessoas", comenta Tânia.
Ela conta que passou a se questionar sobre o assunto há dez anos, quando uma tia faleceu. Tânia escreveu o livro “Vida, morte e dignidade humana” com outras duas autoras.
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Vivenciei os dias finais de uma tia muito querida e tive a oportunidade de refletir sobre uma existência plena e a possibilidade de uma morte com dignidade, diz Tânia, que esteve ao lado dela até o último minuto. Viúva e sem filhos, minha tia pediu para que a deixassem morrer em casa. Ela não queria ficar entubada no CTI, num lugar onde a luz fica sempre acesa, em meio a pessoas desconhecidas e tagarelas.
Fernando Kawai, diretor do programa Cuidados Paliativos Multidisciplinar do Hospital Presbiteriano de Nova York e professor assistente de Medicina na Universidade Cornell, destaca que, nos Estados Unidos, já há diferentes tipos de testamentos vitais:
Foi criado, por exemplo, um documento com quatro itens de múltipla escolha. As pessoas assinalam as opções que desejam. Foi pensado para ficar à vista, colado numa geladeira, para qualquer eventualidade. No exterior, o paciente tem muito mais autonomia que no Brasil. Aqui, a medicina ainda é centrada no médico.
Fonte: O Globo