Clipping – Bigamia, um crime sem castigo – Jornal O Estado de São Paulo

Em versão moderna, dona flor pode ter seus dois maridos, desde que não se case duplamente

Publicado em: 19/07/2007


Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léo que amava Paula que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Rita que resolveu se casar com Dora. Não viveram felizes para sempre, Carlos saiu de casa e foi morar com Rita. Mas ainda era casado no civil com Dora.

A princípio, parece se tratar de bigamia. Mas a manutenção do estado civil e a constituição de uma união estável simultaneamente não constitui o crime. No Brasil, a bigamia é crime e prevê reclusão de 2 a 6 anos, mas só se consuma se a pessoa casar novamente, de papel passado como dizem, sem ter se divorciado.

Lei

Um cidadão pode ser casado e manter duas, três ou até quatro relações estáveis com outras mulheres e ainda assim ele não cometeu o crime da bigamia. Apenas aquele que se casa duas vezes no civil está fora da lei e pode ser processado.

A pena do crime de bigamia é de reclusão de dois a seis anos de prisão, explica Leonardo Pantaleão, advogado e professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus. E mais: a mulher com quem o cidadão se casou deve desconhecer o fato de que ele já era casado, a linda precisa ter sido induzida a erro. Assim, ela será a vítima do delito.

Esse é um crime ultrapassado, inoperanteâ, ressalva Pantaleão. Isso porque hoje existem duas formas de se constituir família: o casamento e a união estável. É perfeitamente possível uma pessoa que é casada no civil perante o juiz de paz forme e mantenha uma nova família por meio da união estável, mesmo antes de se divorciar, explica o advogado Pantaleão.

Como o Direito Penal impede a aplicação da analogia para prejudicar o réu, a bigamia não se aplica para aquele que, embora casado, viva em união estável com outra pessoa. A questão não está no que pode ser considerado bígamo (isto está claro: é quem se casa duas vezes no cartório). O que atrai meu olhar profissional nesses casos não são os casamentos monogâmicos seqüenciais, com ou sem registro no cartório.

E o convívio?

O que me intriga é ver como duas pessoas podem conviver intimamente anos a fio, durante os quais uma delas (ou até ambas) vive experiências emocionais intensas sem partilhá-las com o parceiro – e sem que este sequer se dê conta, avalia a psicoterapeuta Lídia Aratanguy.

Para a terapeuta de casais, a coexistência de relacionamentos paralelos, longos e significativos mostra que, por maior que seja a intimidade do casal, é possível manter, como o Barba Azul, uma ala do castelo interior a que o parceiro não tem acesso. E sem o risco de perder a cabeça…

 

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo