Brasil tem projeto para novo documento que substituiria o RG e teria o número dos outros documentos, mas já deveria existir há quase três anos.
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Números, registros, matrículas. Na última reportagem sobre o excesso de burocracia no Brasil, Fabio Turci e Franklin Feitosa mostram como a quantidade enorme de documentos sobrecarrega o cidadão.
Nasce um brasileiro. “Esse aqui é o Matheus, tem 3,49 kg, nasceu fortão e bonitão. Esse aqui é o Matheus, nasceu hoje. Três quilos, quatrocentos e noventa, bonitão”, conta Marcelo bertagnon, pai de Matheus.
Nasce um cidadão brasileiro. “Esses dados é o que vai ficar aqui no cartório. Nome da criança, seria o primeiro, e o número da declaração é esse aqui em cima”, afirma o escrevente.
É só o começo. O Matheus ainda vai ter muito documento na vida, como qualquer cidadão brasileiro. Carteira de identidade, CPF, título de eleitor. Como é homem, vai ser reservista, e ainda a carteira de trabalho. Tem o número do PIS, carteira de motorista. Papéis, números, cadastros fazem parte da identidade do brasileiro.
“Se dá para votar com o RG, porque a gente tem titulo?”, pergunta a supervisora de limpeza Fátima Prates.
“Muito número, é muito número”, opina o cozinheiro José Denildo da Silva.
Em alguns países, os cidadãos vivem com apenas um documento. No Chile, por exemplo, é o RUN, Rol Único Nacional. Na Colômbia, a cédula da cidadania.
O Brasil tem projeto para um novo documento que já deveria existir há quase três anos, mas até agora nada. É o RIC, Registro de Identidade Civil.
Ele seria uma carteira nacional e substituiria o RG, que é estadual e deixa uma brecha: um brasileiro pode ter vários RGs em estados diferentes. A nova carteira teria o número dos outros documentos, mas não acabaria com eles, pelo menos em um primeiro momento.
O brasileiro vai continuar cheio de documentos. Um para cada situação.
Em Goiânia, era do RG que dona Otacília precisava para comprar o remédio. Na farmácia, percebeu que tinha perdido.
“É para o colesterol. Agora estou sem tomar o remédio, porque preciso da identidade e não tenho”, revela a aposentada Otacília Alves da Silva.
E, para fazer um novo RG, vai demorar 50 dias. “Não podia demorar tanto assim. Muito tempo, muito tempo mesmo, mas o que eu posso fazer?”, afirma Otacília.
Em Goiás, o processo de emissão do RG é manual. As fichas de identificação são em papel, e é no olho que as impressões digitais são classificadas e comparadas.
“É muito tempo. Com o novo projeto que temos de informatização, eu creio que esse prazo vai diminuir consideravelmente, no máximo, para sete dias”, declara Jovânio Angelo dos Santos, coordenador de identificação civil de Goiás.
Os computadores que já foram comprados também podem ajudar na concessão de aposentadoria aos servidores de Goiás. Hoje, o processo demora, em média, oito meses. Não só porque tem muito papel, mas também porque o papel anda muito.
O funcionário público dá entrada na aposentadoria na repartição onde ele trabalha. O processo vai para a Procuradoria Geral do Estado, que analisa se ele preenche os requisitos para se aposentar. Depois, segue para a Casa Civil, que edita duas portarias: uma declara que o servidor está aposentado, a outra fixa o valor do beneficio.
A GoiasPrev analisa o processo, confere as contas e inclui a aposentadoria na folha de pagamentos de inativos. A aposentadoria é registrada na ficha do servidor. Vai para a Controladoria Geral do Estado que confere tudo. Depois, para o Tribunal de Contas do Estado, que também checa se está tudo dentro da lei e registra o beneficio. Finalmente, o processo termina onde tudo começou e a documentação é arquivada.
O objetivo, agora, é encurtar o caminho. “Algumas podem, e serão, suprimidas. São etapas que nós entendemos que são desnecessárias para a análise e concessão das aposentadorias com segurança”, declara o diretor de Gestão e Planejamento da GoiasPrev, João Potenciano.
Dona Oscarina não vê a hora. “Eu pedi essa aposentadoria, mas está difícil. Vai caminhando de órgão em órgão e não dá o resultado”, confessa a auxiliar de enfermagem Oscarina Alves da Silva.
Só que diminuir o número de órgãos por onde passa o processo é um desafio de poder. “Na hora de tirar a assinatura das chefias, de eliminar locais onde aquele processo caminha, há uma resistência muito grande por parte das pessoas”, afirma Giuseppe Vecchi, secretário de Gestão e Planejamento de Goiás.
Se, dentro dos órgãos públicos, dá para eliminar etapas e informatizar processos, fora, dá para abrir um novo guichê para o cidadão: o da internet. O Governo Federal estuda como fazer um portal que agilize a abertura de empresas. Em São Paulo, 20 serviços do Detran já são feitos pela rede. A Maria é que não sabia.
“Teria feito tudo pela internet. Isso teria me poupado de ter saído do trabalho, com certeza”, diz a técnica de som Maria Carvalho.
Para o advogado Jorge Zaninetti, outra mudança importante seria colocar o serviço público contra o relógio.
“Seria necessário que a atividade pública estivesse submetida a prazos e a metas para o atendimento dessas demandas”, avalia o advogado tributarista Jorge Zaninetti.
Assim, um escritório de contabilidade talvez não precisasse três anos pelo direito de abater o imposto que o cliente paga.
“Muita coisa. Se você pegar o prejuízo que o cliente está tendo, é um valor significativo para ele, ele poderia estar investindo em outras coisas”, diz João Adolfo Terceiro, contador.
O Ministério da Justiça informou que o projeto do novo documento brasileiro está sendo reformulado e que o Registro de Identidade Civil será um novo sistema tecnológico para garantir, com segurança, a identificação dos cidadãos. O ministério afirma que esse sistema é muito mais complexo do que o imaginado inicialmente, e que não há previsão para a conclusão.
Fonte: Jornal Nacional
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