Clipping – Cartórios omitem dados – Jornal Correio Braziliense

INSS continua a pagar benefício porque estabelecimentos deixam de informar morte de aposentados
Lúcio Vaz

Parte dos cartórios do país não têm cumprido a Lei 8.212/1991, que obriga a informação dos óbitos ao INSS até o dia 10 do mês seguinte ao registro. Os dados não são enviados, chegam com atraso ou com erros. Em maio do ano passado, 1.505 cartórios deixaram de informar os óbitos ocorridos no mês anterior. Entre janeiro de 2003 e abril de 2008, foram identificados 47 mil casos de inadimplência cartorial. A auditoria do TCU apurou ainda 1,3 milhão de óbitos registrados no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, mas que não constavam no Sistema Nacional de Controle de Óbitos (Sisobi), do INSS.

O tribunal também apurou o uso indevido de contas de usuários, inclusive de falecidos, para acesso ao Sisobi. Essas contas, compostas por um nome (login) e por uma senha de acesso, permitem que servidores públicos operadores do sistema façam consultas, alterem e insiram dados de óbitos. Foi constatado que, após a morte dos responsáveis pelas contas, suas senhas continuaram a ser utilizadas para registrar 642 mortes. Existem, atualmente, 5.120 usuários no Sisobi. Cerca da metade nunca informou um falecimento. Pelo perfil identificado, 3.347 são funcionários de cartórios.

Foram encontrados usuários com acesso ao Sisobi responsáveis por até cinco cartórios. Alguns registraram falecimentos em nome de vários cartórios em um mesmo dia, inclusive estabelecimentos localizados em cidades diferentes. Um deles registrou óbitos em municípios distantes 720km entre si e pertencentes a estados distintos.


Remessa suspensa 

Óbitos não informados por cartórios em 5 anos

As falhas em Caxias, no Maranhão, com cerca de 180 mil habitantes, chamaram a atenção dos técnicos que realizaram a auditoria do Tribunal de Contas da União. Na cidade, de porte médio, houve uma interrupção demorada do repasse de informações sobre óbitos por cartórios ao INSS.

A titular do 3º Ofício Extrajudicial, Delfina de Abreu, confirma que houve problemas na cidade. Com a gratuidade dos registros, foi aberta uma central de registros no Fórum. Houve um período em que o cartório ficou sem mandar informações por conta dessa mudança. Faz uns quatro anos. A titular não ficou totalmente responsável para enviar os dados. Então, houve bastante erro , relatou. Ela afirma, porém, que tudo já está normalizado. Estão mandando todo mês para o INSS. Houve uma pausa porque houve erros, até por conta do INSS, que tinha um programa mas nem todos os cartórios tinham computador. Antes, os registros eram lavrados diretamente no livro, a punho, e agora é informatizado.

A falha foi confirmada também pela titular do 4º Ofício Extrajudicial de Caxias, Isaura Soares. O INSS indicou um funcionário mas não organizou o trabalho. Eu mando os dados impressos e eles não aceitam. Tem de ser por e-mail. Isso tem bem uns quatro anos , contou Isaura. Questionada por que não envia os dados à central do Fórum, respondeu: Já informamos a eles, mas eles não fizeram nada .

Defesa

O juiz da Vara de Registro Civil de Caxias, Clésio Cunha, responsável pela central de registros na cidade, afirma, porém, que não houve interrupção no envio dos dados. Não houve interrupção. Se o TCU constatou essa falta de informação, é porque o INSS perdeu as informações . Mas ele reconhece que há problemas no estado. O interior do Maranhão tem uma comunidade muito pobre. Eu fui juiz no interior. Muitas pessoas não tinham registro do nascimento e ainda hoje não têm. Muitos morreram e também não fizeram atestado de óbito , relata. Antigamente, aqui no Maranhão, os donos de cartórios eram os cardeais do interior. Então, alguém só chegava no cartório se fosse através de alguém do poder. Era o estado dos donos de cartórios.

Ele salienta que, em 2004, a Corregedoria de Justiça criou o programa de universalização de serviços de registro de óbito e nascimento, implantando as centrais de registros. Como a gente expandiu muito o trabalho, perdeu-se, em algumas oportunidades, o controle sobre alguns registros, reconhece. Ele também conta que existem fraudes nas informações de certidões de falecimento. Há pessoas que não morreram, mas inventam o óbito para a esposa fraudar o INSS. Muitos homens vão embora para os garimpos do Pará, do Amazonas. Depois de muito tempo que eles não aparecem, as mulheres registram o óbito para receber pensão. (LV)  

Conta paga pelos mortos

Agentes funerários descontavam pagamento por serviço fúnebre de benefícios do INSS. Óbitos eram comunicados seis meses depois

Montes Claros (MG) Os desvios de milhões da Previdência Social, que se sucederam ao longo de anos, com o pagamento de aposentados depois de mortos, descobertos em auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) podem ter o envolvimento de funerárias. Há alguns anos, o esquema da máfia das funerárias foi investigado em inquérito instaurado pela Polícia Federal em Montes Claros, no norte de Minas.

De acordo com as investigações, a fraude era praticada da seguinte forma: toda vez que morria um aposentado de família humilde, um agente funerário oferecia aos parentes serviços para cuidar do enterro. Pedia o cartão do benefício, com a senha, e avisava que o valor das despesas seriam divididas em três ou quatro prestações mensais. Somente depois que as parcelas eram quitadas, o agente funerário comunicava o óbito ao cartório para o registro no Sistema Nacional de Controle de Óbitos (Sisob) do INSS. Se essa prática foi descoberta em Montes Claros, certamente também ocorreu ou pode continuar ocorrendo em outras cidades , analisa o delegado da PF Geraldo Guimarães, que presidiu o inquérito na cidade mineira.

Conivência

O delegado conta que, após reunir documentos e ouvir os depoimentos de várias pessoas, chegou à conclusão de que foram feitos pagamentos dos benefícios a um número considerável de mortos-vivos . O inquérito foi encaminhado à Justiça Federal para abertura de processo contra os envolvidos. As fraudes foram descobertas em 2002, quando fizemos a investigação e encaminhamos o inquérito para a Justiça , relata. De acordo com Geraldo Guimarães, as funerárias que agiam em Montes Claros contavam com ajuda de um gerente dos dois cemitérios locais, administrados pela prefeitura. O delegado da PF conta que, assim que as denúncias começaram a ser investigadas, o funcionário cometeu suicídio.

Desvio bilionário

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluída este ano constatou que foram feitos pagamentos a 503 mil beneficiários já mortos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O prejuízo potencial com as fraudes é de R$ 1,67 bilhão. O tribunal também descobriu a emissão de crédito após o óbito do titular em pouco mais de R$ 300 milhões. Mas nesses casos, o dinheiro não foi sacado no banco. Muitas fraudes ocorreram devido à demora de cartórios de informarem o falecimento no Sistema Nacional de Controle de Óbitos (Sisob). A partir da inclusão no sistema, o benefício é suspenso.

Enterro informal

Uma funcionária de um cartório em Montes Claros que não quis se identificar confirmou à reportagem que a fraude era praticada por funerárias. Mas garante que o cartório somente tomou conhecimento do esquema após a investigação da Polícia Federal.

Segundo ela, com a conivência de um funcionário da administração dos cemitérios da cidade, as funerárias conseguiam permissão para os sepultamentos de beneficiários do INSS sem a apresentação do atestado de óbito do cartório. A lei determina que uma pessoa somente pode ser sepultada com a emissão da certidão de óbito. Nas cidades maiores, a lei é cumprida. Em cidades pequenas e médias, porém, há uma liberalidade em relação aos prazos. Em Montes Claros, de 360 mil habitantes, por exemplo, quando alguém morre no fim de semana há tolerância em relação ao documento. O enterro é feito e as famílias podem apresentar o atestado ao cemitério em até dois dias após o sepultamento.

O esquema montado na cidade com a conivência de funcionários dos cemitérios, porém, conseguia esticar ainda mais esse jeitinho . As funerárias envolvidas somente solicitavam a emissão do atestado de óbito depois de um período de até seis meses após a data real da morte. Assim, sem a comunicação ao Sisob que deve ser feita pelo cartório de registro civil no prazo de seis dias o INSS considerava a pessoa viva e os pagamentos dos benefícios eram liberados todo mês.

Há suspeitas de que casos semelhantes ocorram em outros locais. Na cidade de Santo Antonio do Retiro, de 6,9 mil habitantes, também no norte de Minas, é apurada denúncia de fraudes contra o INSS, com o pagamento a mortos-vivos. O suposto desvio, que é investigado pelo Ministério Público Federal, teria o envolvimento de um cartório local, que seria ligado a um político da cidade. (LR)


 

 

Fonte: Jornal Correio Braziliense