Clipping – Dicas para quem vai deixar herança – Jornal Estado de Minas

Poucas pessoas sabem que procedimento para legar bens e dinheiro a parentes pode ser simples e barato 

PAOLA CARVALHO

Quem nunca escutou a história de uma família unida que, depois da morte de um ente, travou batalha na partilha da herança? Não existe a obrigatoriedade de se fazer testamento em vida, mas essa atitude pode evitar transtornos no delicado momento em que se lida com a morte. “Embora os testamentos sejam populares em outros países, não são tão comuns aqui. Estima-se que, no Brasil, menos de 10% das pessoas que deixam herança o façam por meio de testamento”, afirma a especialista em direito de família e sucessão, Ivone Zeger. O que muita gente não sabe é que o procedimento pode ser simples e barato: de R$ 150,97 a R$ 226,40, se feito em cartório. Mas também pode ser escrito em casa,sem custo algum, assinado por testemunhas não beneficiadas e guardado por pessoa de confiança. Especialistas alertam, contudo, que é preciso conhecer algumas regras para o documento ter validade. 

“Em princípio, quando uma pessoa morre sem deixar testamento, a lei já cuida de distribuir seus bens e direitos entre os parentes mais próximos. Não necessariamente haverá problemas na falta dele mas, sendo feito o testamento, há mais facilidades para se cumprir as vontades do Falecido e agilizara distribuição dos bens”, diz o presidente da Comissão de Direito da Família da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Nacib Rachid Silva. Ivone, autora do livro Herança – Perguntas e respostas, ressalta que testamento “não é coisa de rico”. A lei não impõe restrições quanto ao tamanho do patrimônio de quem deseja testar. Mesmo quem tem poucos bens tem o direito de fazer um testamento.  

“Uma das vantagens é que, assim, você tem a oportunidade de participar da partilha de seus bens mesmo quando não estiver mais presente e, em certa medida, de contribuir para que eventuais desentendimentos entre os herdeiros sejam evitados”, afirma Ivone. Segundo Silva, qualquer maior de 16 anos pode fazer testamento. “As pessoas deviam pensar em fazê-lo enquanto estão gozando de boa saúde física e mental, sem estar sofrendo qualquer pressão

Psicológica ou assédio de possíveis herdeiros. Quando já doente ou com a idade muito avançada, é comum as pessoas sofrerem alteração da sua vontade em razão de situações momentâneas”, avalia. 

O advogado Marcelo Vieira de Mello, também especializado em direito de família e sucessões, explica que o código civil estabelece três tipos de testamento: público (feito no cartório por meio de escritura), particular (escrito pela própria pessoa e assinado por testemunhas) e o cerrado (escrito pela própria pessoa mas validado pelo tabelião). “É interessante consultar um advogado, porque existem regras a serem cumpridas”, disse. De acordo com a nossa legislação, uma pessoa só pode dispor em testamento de metade dos seus bens. A outra metade é reservada para os chamados “herdeiros necessários”, ou seja, os descendentes (filhos, netos e bisnetos), os ascendentes (pais, avós e bisavós) e o cônjuge. 

“Se fosse brasileira, Paris Hilton ficaria bem mais rica. O avô da socialite americana, o bilionário Barron Hilton, de 80 anos, anunciou que pretende doar 97% de sua fortuna, avaliada em US$ 2,3 bilhões, a obras de caridade e não às suas duas netas, Paris e Nicky”, compara. De acordo com as regras brasileiras, Barron só poderia doar para caridade metade de sua fortuna. A outra

metade seria obrigatoriamente destinada à sua filha,a mãe de Paris e Nicky. Somente depois da morte dela é que o dinheiro finalmente pararia nas mãos das duas socialites. Por outro lado, se o senhor Hilton não tivesse nenhum herdeiro necessário, estaria livre para doar todo os seus bilhões para quem bem entendesse – desde que o fizesse por meio de um testamento. Na ausência de testamento e de herdeiros necessários, a fortuna iria para os parentes mais próximos,como irmãos, tios e sobrinhos. E na ausência de parentes, a herança ficaria em poder do Estado. 

De acordo com a legislação brasileira, existem casos em que os herdeiros necessários podem ser excluídos da herança. Para que isso aconteça, porém, é preciso que existam motivos sério se comprovados. Essa situação pegou de surpresa A.V.M, quando sua tia faleceu. “A herança dela foi dividida entre os irmãos. Como meu pai havia falecido, 50%do dinheiro foi para minha mãe e a outra metade para os filhos. Mas tínhamos relacionamento distante. Acho que a vontade dela era deixar para um prima nossa, que morava com ela, mas não teve direito a nada. Por isso, acho importante fazer o testamento em vida”, diz. Já o administrador de empresa Luiz Camilo Ottoni teve uma experiência positiva. “Meu pai, em vida, teve a preocupação de providenciar o inventário. Deixou tudo pronto para a gente e com todas as despesas pagas. Foi tudo muito transparente e, por isso, não tivemos problema algum. Recomendo essa tranquilidade para todos”, afirma.

PERGUNTAS E RESPOSTAS

O QUE É TESTAMENTO, INVENTÁRIO E PARTILHA?

Testamento é a manifestação de última vontade que uma pessoa deixa registrada para que seja cumprida depois de sua morte. O inventário é a ação judicial ou administrativa de levantamento do patrimônio deixado e sua distribuição entre as pessoas designadas pelo falecido e entre seus parentes mais próximos. A partilha é o resultado do inventário, distribuindo-se os bens entre aquelas pessoas que forem consideradas herdeiros do morto.Também pode ser feita a partilha ainda em vida, quando a pessoa distribui entre os seus futuros herdeiros os bens que seriam a herança deles. 

SE UM PAI DE FAMÍLIA MORRE, OS BENS FICAM PARA QUEM?

Se ele não deixou testamento, a ordem de chamada dos herdeiros é: primeiro os filhos, netos ou bisnetos; se não existirem, chamam-se os pais, os avós ou bisavós; se não existirem também, chama-se o esposo ou a esposa. Por fim, se não tiver, chamam-se irmãos, tios e primos, nesta ordem. Nos dois primeiros casos (descendentes e ascendentes), o marido ou a esposa recebe o que seria seu na divisão dos bens do casal. 

DIVORCIADOS TÊM DIREITO À HERANÇA DO EX-CÔNJUGE?

Não. Nem os divorciados nem os separados judicialmente. Apenas se o falecido assim determinou em testamento. Quem está separado de fato há mais de dois anos, terá direito à herança do falecido se não tiver sido culpado pela separação. 

EM QUAIS CASOS A ESPOSA DIVIDE COMOS FILHOS A HERANÇA DEIXADA PELOMARIDO E EM QUAIS SITUAÇÕES ELA NÃO TEM DIREITO A NADA?

Depende do regime de bens. Se casados por comunhão universal a esposa já tem direito a 50% de todos os bens.Se a comunhão é parcial, ela tem direito a 50% dos bens adquiridos após o casamento e divide com os filhos os bens adquiridos antes. No regime de separação total, ela divide com os filhos os bens do falecido.  

QUEM VIVE EM UNIÃO ESTÁVEL TEM DIREITO A HERANÇA?

Sim, mas apenas em relação aos bens adquiridos na vigência da união estável. 

SE A PESSOA NÃO TEM PAIS, É SOLTEIRA E NÃO TEM FILHOS, OS BENS FICAM PARA QUEM?

Se não definir em testamento, na ausência de herdeiros legítimos os bens do falecido ficam para o poder público, especificamente o município ou Distrito Federal.  

O TESTAMENTO PODE SER CONTESTADO POR ALGUÉM NA JUSTIÇA?

Sim, o testamento pode ser questionado se não seguir as formalidades da lei ou se o testador (quem deixa o testamento) se dispuser de seus bens de forma não permitida pela legislação.  

É POSSÍVEL DESERDAR ALGUÉM?

Sim. Pode ser feito por testamento e nos casos de um possível herdeiro ter atentado contra a vida do testador ou de seus familiares, por exemplo. 

QUEM DEVE PAGAR AS DÍVIDAS E HONRAR COMOS COMPROMISSOS DO FALECIDO?

Após o falecimento de uma pessoa, abre-se o que o direito chamado de sucessão. Tudo o que o morto deixou, tanto bens, direitos e também as dívidas, recebem o nome de espólio, e um dos herdeiros, que recebe o nome de inventariante, fica responsável por pagar todas as dívidas, mas somente até o limite da herança.Se o falecido devia mais do que tinha, os herdeiros não ficam obrigados a pagar além do que receberiam por herança.

 

Fontes: advogados especialistas em direito de família e sucessões Nacib Rachid Silva e Marcelo Vieira de Mello

 

Fonte: Jornal Estado de Minas – 18.04  – Caderno Economia