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Direito & Justiça

Morte presumida e os efeitos de um acidente aéreo


A letra da lei é de clareza cristalina ao estabelecer que a morte encerra a existência das pessoas e, em uma interpretação mais extensa, acaba também com sua personalidade civil, iniciada a partir do nascimento com vida





Wilder Garavello Martins – Advogado, professor de introdução ao direito da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Belo Horizonte (Facisa-BH), professor de direito civil do Centro de Ensino Técnico da Polícia Militar de Minas Gerais (CET)

Em se tratando de morte natural ou mesmo acidental, em que se pode determinar a causa mortis e se tem os corpos das vítimas, as consequências são conhecidas e os desdobramentos do fato transcorrem de forma natural e facilmente entendidos por todos. Assim, dá-se início ao inventário e posterior partilha de bens quando for o caso. Ocorre que, quando o momento exato das mortes não pode ser determinado e nem mesmo os corpos das vítimas são encontrados, a situação muda bastante e as providências preliminares a serem adotadas pelos familiares são de extrema importância para o deslanche do inventário e consequente partilha dos bens deixados pelos falecidos.

Diz o Código Civil (CC) brasileiro, em seu artigo 8º, que “se 2 (dois) ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”. Assim, no caso do acidente envolvendo o voo 447 da Air France, em que não se pôde determinar o exato momento da morte de cada passageiro, estamos diante de um clássico exemplo de comoriência.

Todos os ocupantes da aeronave terão o seu falecimento definido no mesmo horário, sem que uns precedam aos outros. As maiores consequências práticas da comoriência envolvem o direito das sucessões, pois como havia no avião parentes herdeiros uns dos outros, com a morte simultânea de todos, os patrimônios deles serão repassados por meio do competente inventário e respectiva partilha aos seus herdeiros. Devemos lembrar que a ordem de sucessão estabelecida pelo artigo 1.829 do CC traz em primeiro lugar os descendentes.

Assim, exemplificando a situação, se estavam no avião pai e filho, e esse tendo deixado filhos vivos, poder-se-ia arguir a seguinte linha de pensamento: o avô morreu primeiro, então a parte de sua herança que seria para o seu filho vai direto para os seus netos, pois o pai deles também morrera no voo. Ocorre que no direito das sucessões a coisa não é tão simples assim. É por isso que se torna de imperiosa importância estabelecer o momento da morte de cada pessoa. Como nem sempre isso é possível, o que se busca com a comprovação da comoriência é a rapidez do processo de inventário e posterior sucessão, pois é cediço que em determinadas situações não há como estabelecer-se o exato momento da morte, mesmo que sejam usados os mais inovadores estudos de perícia técnica.

Pois bem, passada e bem definida a situação da comoriência, ainda há um outro fator a levantar, qual seja, a decretação da morte dos passageiros cujos corpos não foram encontrados. O caput do artigo 6º do mesmo diploma legal (CC), em sua primeira parte, diz o seguinte: “A existência da pessoa natural termina com a morte”. Pessoa natural é a nova denominação da antiga pessoa física. Ora, a letra da lei é de clareza cristalina ao estabelecer que a morte encerra a existência das pessoas e, em uma interpretação mais extensa, acaba também com sua personalidade civil, iniciada a partir do nascimento com vida (artigo 2º, CC).

Ocorre que, para ser decretada a morte com a competente declaração de óbito, deverá haver corpo e, no caso de alguns dos ocupantes do voo 447, seus corpos ainda não foram resgatados. Aliás, a título de exemplo, citamos como fato idêntico ao agora estudado o ocorrido com o presidente da Assembleia Nacional Constituinte que formulou a atual Constituição da República Federativa do Brasil, Ulysses Guimarães. O corpo dele nunca foi encontrado e sua morte presumida fora declarada para fins de início do processo de inventário e resultante partilha.

Dessa forma, para aqueles mortos cujos corpos não forem encontrados, fica caracterizada a morte presumida, prevista no artigo 7º do Código Civil que diz que “pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; Parágrafo único: A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento”. Ora, o simples exame do caso em questão nos leva facilmente a concluir que deverá ser aplicado o artigo 7º citado, pois clara é a probabilidade da morte dos que estavam no voo 447.

Assim, depois de a Marinha do Brasil declarar oficialmente que foram encerradas as buscas pelos corpos restantes das pessoas que estavam no interior do avião, as famílias dos desaparecidos deverão ajuizar, individualmente, ações para que sejam declaradas por sentença as mortes presumidas dos seus entes queridos, constando em tal decisão, inclusive, a data provável dos falecimentos, que só terá condição de ser estabelecida depois dos exames realizados pelos peritos. Tal providência é de extrema importância e vitalidade, pois os respectivos processos de inventário dos falecidos, bem como as suas sucessões, somente terão início depois da juntada aos autos da sentença que declara as mortes presumidas.

Por fim, cabe registrar que, caso os familiares dos mortos no acidente não constituam advogados e adotem as providências necessárias para que se tenham as sentenças declaratórias das mortes presumidas de seus parentes, os inventários não terão andamento e, com isto, as sucessões ficarão prejudicadas e os herdeiros ver-se-ão impedidos de praticar uma


 


Fonte: Jornal Estado de Minas – Caderno Direito e Justiça