Clipping Folha de S. Paulo – Novas práticas para melhorar o Judiciário

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Em geral se acredita que o aprimoramento das funções judiciais depende de novas leis. Não é verdade. Certas práticas muito antigas, dominantes nos serviços cartorários, podem ser substituídas por soluções organizacionais, mesmo se sabendo da resistência burocrática que tem impossibilitado a melhora dos serviços. Há, atualmente, um clima de reação. A boa vontade de muitos servidores chega a surpreender.

Dou o exemplo de uma jovem juíza de São Paulo, Ana Paula Sampaio de Queiroz Bandeira Lins, na coordenação do setor de cartas precatórias da capital. Reduziu o estoque de cartas encontradas em andamento e encurtou de 20 para cinco meses o tempo de cumprimento delas. A precatória, informo o leitor fora da área jurídica, é ordem emitida por juiz para ser cumprida em outra comarca, no Brasil.

Ana Paula publicou comentário no “Boletim Inter-AÇÃO”, da Escola Paulista da Magistratura, narrando o esforço desenvolvido. Defendeu a tese (não unânime entre seus colegas) de que o juiz “pode ser administrador, e um bom administrador; e que, ainda que faça uso de analistas externos, apenas ele, através do exercício diário de sua atividade profissional, vê em perspectiva as necessidades desse exercício…”.

Para dar razão a Ana Paula Bandeira Lins será necessário estimular a disposição de muitos juízes para agirem como administradores, o que não é comum. Nem é culpa deles, pois são treinados apenas para julgar. Muitos vêem a ciência da administração como denso mistério, que não se animam em enfrentar.

A juíza Maria Lúcia Pizzotti Mendes foi vencedora de um dos prêmios do concurso “Innovare”, de cuja comissão julgadora participei durante 2005. O concurso é promovido pela AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros e pela Fundação Getúlio Vargas, com patrocínio da Companhia Vale do Rio Doce. A prática com a qual Maria Lucia triunfou envolveu procedimento para resolver questões fora da disputa em juízo, no Foro Central de São Paulo. Diagnóstico do problema, situação dos litigantes, disponibilidade do direito são previamente avaliados. O objetivo de diminuir o número de processos judiciais, mediante conciliação das partes, foi alcançado, apesar das dificuldades enfrentadas.

Convidado por Sérgio Renault, que ao tempo presidia a comissão da Reforma do Judiciário no Ministério da Justiça, apreciei o número recorde de propostas de magistrados e promotores chegados de várias partes do Brasil para o “Innovare”. A qualidade de muitas delas foi animadora. Para ampliar o espectro de novas práticas serão necessários muitos passos.

A contar das idéias expostas pela juíza Ana Paula Bandeira Lins, resumi uma espécie de decálogo de medidas que não dependem de lei para melhorar o serviço: a) primazia de planificação burocrática; b) aconselhamento de especialistas em gestão de meios; c) adequação dos meios, com aproveitamento dos progressos da ciência; d) otimização de recursos técnicos, humanos, financeiros; e) clara definição dos fins visados; f) contato direto e intenso com a atividade jurisdicional; g) simplificação de rotinas; h) serviços divididos segundo linhas de produção; i) estagiários para funções de menor complexidade; j) servidores experientes para serviços que exijam maior capacitação, sob chefias responsáveis.

As preocupações e soluções que vêm sendo propostas, mais a gratificante participação no julgamento do “Innovare” com a professora Maria Tereza Sadek (Ciência Política, USP) na fase final, estimularam a esperança de melhora.

WALTER CENEVIVA – COLUNISTA DA FOLHA



Fonte: Folha de S. Paulo