Informatização do Judiciário deve durar só mais quatro anos, segundo secretário do Conselho Nacional de Justiça
BIANCA MELO
As capas de papel amarradas em barbante e acumuladas em enormes pilhas de processos judiciais estão com os dias contados. Segundo o secretário geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Sérgio Tejada, elas devem durar só mais quatro anos e serão substituídas por arquivos digitais. A informatização do Judiciário deve agilizar em até 60% os processos, conforme Tejada e outros especialistas.
Aprovada em dezembro de 2006, a lei nº 11.419, que autoriza o Judiciário a informatizar todos os seus processos e o arquivo, começa agora a gerar mudanças no sistema de atendimento da Justiça em todo o país. Das 27 capitais brasileiras, dez já utilizam o sistema em pelo menos uma vara do seu Tribunal de Justiça. As outras, informa o secretário, já estão em fase de testes. A lei não proíbe os advogados de entrar com processos de papel, mas, nesses casos, os funcionários da Justiça deverão digitalizá- los logo na chegada ao fórum.
Em agosto, Minas deve inaugurar sua primeira experiência de processo totalmente sem papel. O Juizado Especial Cível da praça Afonso Arinos, no centro de Belo Horizonte, será o piloto da proposta que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) pretende implantar em todo o Estado gradativamente. O programa a ser utilizado, Processo Judicial Digital (Projudi), foi desenvolvido pelo CNJ em software livre, o que significa que poderá ser usado sem custos por qualquer tribunal federal ou estadual interessado.
Quando o sistema estiver implantado, os advogados poderão entrar com um processo de qualquer computador, via Internet. Antes, ele deverá obter um certificado digital na Justiça, que será sua assinatura de reconhecimento em toda ação proposta por ele. Hoje o advogado precisa protocolar a ação no fórum e, se necessitar pegar comprovantes ou apresentar acréscimos ao processo, tem que voltar. No novo formato, ele só precisará ir ao fórum no dia de audiência, se houver.
Nos casos em que não é necessário advogado, como os Juizados Especiais Cíveis (antigos Tribunais de Pequenas Causas), o requerente assina um documento que será escaneado pelo funcionário e, a partir daí, tudo será eletrônico. Segundo o juiz Fernando Botelho, integrante da comissão de tecnologia da informação do TJMG, a mudança gera a possibilidade de apresentação de provas digitais também. “Hoje, mesmo se tiver prova eletrônica, é necessário chamar testemunhas e nem todos os juízes aceitam.”
Mais à frente, explica o juiz, há expectativa de que as audiências passem a ser multimídia também. “Vi uma experiência em Goiânia, que deve ser estendida a outros lugares, onde a sentença do juiz é oral e fica disponível em MP3.” Botelho já visitou tribunais que iniciaram a informatização em Tocantins, Paraná, Manaus, Goiânia e Santa Catarina. “Onde foi implantado o serviço, houve uma rápida disseminação para outros tribunais”, afirmou.
O advogado Bernardo Menicucci Grossi, da Décio Freire & Associados, pondera que há receios quanto à aplicação da lei. “Acredito que não estamos preparados para ter um processo eletrônico e tenho a preocupação do acesso à Justiça. Até hoje háadvogados usando máquina de escrever.” Na opinião dele, o melhor é que o processo seja implantado mais lentamente com treinamento de todos os envolvidos.
Botelho explica que a regra é não implantar sistema eletrônico quando a comarca não oferecer condições técnicas para isso. Uma alternativa da lei para os locais com dificuldade de acesso é implantar no fórum um computador com acesso à Internet para uso dos advogados interessados. O arquivo morto dos tribunais e os processos ativos em andamento também serão digitalizados. Só no TJMG tramitam 3,5 milhões de processos atualmente. “Não temos autorização para incinerar nada e vai acumulando fungo e bactéria”, afirmou Botelho.
Informatização chega a 80% de juizados federais
Antes dos Tribunais de Justiça, os Juizados Especiais Federais, que cuidam das ações contra a União de até 60 salários mínimos, também já começaram a digitalização de suas atividades. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 80% desses juizados usam a tecnologia eletrônica em 60% das ações. “O processo só não é mais rápido porque, em muitos casos, há necessidade de modificar a estrutura, mas a adesão é unânime”, afirmou o presidente da Associação de Juízes Federais do Brasil, Walter Nunes.
Ações isoladas começam a aparecer em todo o país. Há duas semanas, o Fórum Lafayette, em Belo Horizonte, enviou, pela primeira vez na história, uma carta precatória para Nova Lima pela Internet. Antes disso, a carta, que é a comunicação de um juiz de uma comarca com o de outra, deveria ser entregue pessoalmente por um funcionário do fórum. O secretário geral do CNJ, Sérgio Tejada, acredita que os funcionários sem função serão remanejados para atividades mais nobres.
O novo modelo vai permitir aos advogados terem acesso 24 horas por dia a aos autos (conjunto de todas as peças do processo). Em vez de acessar só a tramitação, como é hoje, a assinatura digital, a ser criada, facilitará o acesso da parte interessada. Mas a assinatura digital é um dos motivos que levaram a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a questionar a lei, em maio deste ano. Eles acham que a certificação dos advogados deve ser feita pela ordem. Representantes do setor solicitaram audiência pública para discutir o assunto, mas ela ainda não foi realizada. (BM)
Ação de empresário para receber aluguel durou 11 anos
A informatização do processo judicial pode favorecer pessoas como o empresário e professor Sudário Papa. Para receber um pagamento de aluguel em atraso ele precisou esperar 11 anos. Segundo Sudário, os trâmites burocráticos e o vai-e-vem do processo postergaram o caso ao ponto de ele quase desanimar. “À medida que você não consegue solução, cria uma cultura de que as pessoas vão poder protelar”, diz o empresário. Em 1996, ele entrou com uma ação exigindo que um inquilino em uma loja de sua propriedade lhe pagasse uma dívida de R$ 7.000 em aluguéis atrasados.
Como ele não conseguiu resolver no Juizado Especial Cível (Pequenas Causas), levou o assunto para a Justiça comum. O empresário reclama que enfrentou muitas dificuldades. Só para conseguir localizar o réu e levá-lo a uma audiência, seguiram- se quatro anos, de acordo com ele. Depois foram muitos outros até localizar o único bem do devedor que poderia pagar a dívida: uma casa na área rural de Morada Nova de Minas (a 303 km da capital).
A Justiça reconheceu o direito de Sudário sobre o imóvel em 2001, mas só no início deste ano ele conseguiu o despejo do morador e o imóvel de volta. “Hoje o valor veio corrigido, mas tive muita despesa para buscar as informações, com advogado e viagem ao interior.” (BM)
Fonte: Jornal O Tempo