Um dos mais disputados e diferenciados concursos públicos do Estado de São Paulo está com inscrições abertas até o próximo dia 29. Trata-se da disputa para obter o direito de se tornar titular de um cartório – uma exigência da Constituição federal de 1988. Em terras paulistas, a primeira prova do gênero foi realizada em 1999. Agora, no décimo concurso, estão em jogo 143 vagas.
Coordenador da LFG, que oferece cursos preparatórios para concursos, Nestor Távora diz que também há processos abertos, em diferentes fases, no Pará, Roraima, Piauí, Sergipe, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul.
Em São Paulo, a competição atrai em média cerca de 10 mil candidatos, de acordo com o presidente do Colégio Notarial do Brasil (CNB), o tabelião Ubiratan Pereira Guimarães, de Barueri. Além do público em geral com formação em direito há participação até de juízes e desembargadores, de acordo com Távora.
Remuneração. O motivo para a procura são os ganhos que um cartório pode chegar a auferir. De acordo com dados disponíveis na página do Conselho Nacional de Justiça, o campeão de arrecadação bruta no Estado foi o 11º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que amealhou R$ 27,45 milhões no último semestre informado (não especifica qual).
Do valor bruto arrecadado, cerca de 50% a 60% vão para as taxas e obrigações legais que os cartórios são obrigados por lei a pagar. Professor da Damásio Educacional e titular de um cartório em Laranjal Paulista, André Barros afirma que esse porcentual é de 70%.
O que sobra, os emolumentos, fica com o oficial ou tabelião para administrar o cartório, pagar funcionários – alguns chegam a ter número elevado de trabalhadores. A título de exemplo, o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 22º Subdistrito – Tucuruvi, ou simplesmente 22º Cartório do Tucuruvi, na zona norte de São Paulo, possui 100 funcionário. É comandado pela oficial e tabeliã Maria Elena Castagnoli Costa Neves, que foi aprovada no primeiro concurso realizado no Estado.
No entanto, são poucos os cartórios que chegam a ter uma arrecadação tão robusta. São Paulo possui, inclusive, um fundo para compensar os deficitários. Barros estima que em torno de 1% a 2% dos cartórios têm uma arrecadação altamente expressiva como a informada pelo 11º Registro de Imóveis.
“É em torno desses 1% a 2% que existe a verdadeira disputa”, diz Barros, referindo-se ao concurso. Nessa faixa estão os cartórios que podem proporcionar um ganho para o titular acima dos valores recebidos por um magistrado, que está no topo da pirâmide do funcionalismo, em termos de recebimento.
E, diferentemente de outros concursos, para os concorrentes não basta ser aprovado. “É uma disputa em que não interessa só passar”, reforça Barros.
O objetivo é passar e ficar muito bem classificado para ter o direito de escolher aqueles cartórios em disputa que podem proporcionar um ganho superior ao de juiz. Tem quatro fases, sendo que na primeira, é realizada uma prova objetiva de seleção. O número de candidatos que passa para segunda fase corresponde a oito vezes o total de vagas disponíveis. Nesta segunda etapa, há uma prova escrita e prática e também é preciso desenvolver uma peça como uma escritura, um testamento ou procuração, etc.
A terceira fase é oral e, assim como a anterior, é eliminatória e classificatória. A quarta e última, é o exame de títulos. Nela, participantes que tenham pós-graduação, mestrado e doutorado, entre outros itens, ganham pontos, que podem ser importantes para ficar entre os primeiros.
Oportunidade. Tendo em vista essa possibilidade, Daniel Driessen Junior, de 29 anos e residente em Curitiba, cursou pós-graduação em Direito Notarial e Registral na LFG-Anhanguera Uniderp. Ele chegou à quarta fase do concurso que está em curso no Paraná.
Advogando há cinco anos, Driessen Junior recomenda calma a quem participa. De acordo com ele, normalmente, o processo todo dura um ano, mas em uma disputa em que qualquer ponto pode ser importante para se chegar a titular de uma serventia rentável, é comum candidatos recorrerem à Justiça contra eventuais perdas.
Para dirigente, atos contribuem para a ‘desjudicialização’
“Os cartórios de notas passaram a investir muito em tecnologia. Com a informatização dos serviços, os procedimentos ficaram mais bem estruturados”, afirma o presidente do Conselho Notarial do Brasil (CNB), Ubiratan Guimarães.
Ele assegura que as rotinas estão mais técnicas e acadêmicas, e que esse quadro contribui para a melhoria e evolução dos serviços. Ainda em relação ao processo de modernização dos cartórios, Guimarães ressalta que hoje todos os cartórios do Brasil estão integrados à Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec).
Nela há a indicação de todas as escrituras, procurações, testamentos atos notariais, divórcios. “Todos os atos praticados no Brasil são informados para essa base de dados, que é administrada pelo CNB. Isso proporcionou grande avanço, inclusive em investigações, porque o poder público tem acesso a essas informações.”
Competências. Guimarães lembra que a Lei 11.441 deu competência para os notários fazerem escrituras de divórcio, separação e de inventário. “Isso proporcionou um avanço muito importante, porque resultou em economia e contribuiu para a desjudicialização. De janeiro de 2007 até o final de 2015 foram realizados no Brasil mais de um milhão de atos dessa natureza, ou seja, foram mais de um milhão a menos de processos judiciais”, diz.
Como há informações de que, em média, um processo judicial custa para o Estado cerca de R$ 2.300, isso implica em dizer que a atuação dos cartórios no período gerou economia de cerca de R$ 2,3 bilhões para o Estado.” Outra competência dos cartórios, é que os notários também passaram a fazer mediação e conciliação.
Para o presidente do CNB, “o que tem acontecido com os cartórios é de fato uma revolução na forma de trabalhar”. Ele lembra que no ano passado se comemorou 450 anos de notariado no Brasil. / C.M.
Fonte: O Estado de São Paulo