No mesmo mês em que a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu de 11.639 cartórios informações a respeito de seu volume de trabalho e de seu faturamento, o que permitirá ao órgão saber se a receita é compatível com a demanda e a eficiência do serviço prestado, o Congresso aprovou projeto de lei que retira do Judiciário o controle sobre os cartórios extrajudiciais, como os de registro civil de pessoas físicas e jurídicas, de imóveis, de protesto e de notas.
Esses não são fatos isolados. Com base nos dados recebidos, o CNJ pretende promover um “realinhamento do setor”, obrigando os cartórios mais rentáveis a manter um fundo destinado a sustentar os pequenos cartórios e impondo medidas para aprimorar os serviços. Os dados enviados ao órgão mostraram uma realidade que poucos conheciam. Há 13.416 cartórios em funcionamento, oferecendo serviços que vão de certidões de nascimento, casamento e óbito a registro de imóveis, escrituras, procurações, reconhecimento de firmas, autenticações e protesto de títulos.
Em 2006, os 13.416 cartórios tiveram um faturamento de R$ 4 bilhões. Mas a receita varia conforme o cartório e a região em que está localizado. Por estarem situados em áreas pouco desenvolvidas, muitos cartórios mal se sustentam. Os que estão situados em áreas desenvolvidas, onde há grande demanda de serviços notariais, chegam a ter receitas milionárias. O cartório mais rentável, com um faturamento de R$ 28,3 milhões, em 2006, está no Rio de Janeiro. O segundo colocado, com uma receita bruta de R$ 26,9 milhões no mesmo período, está em São Paulo. Metade dos 13.416 cartórios, incluindo-se aí os localizados nas capitais dos Estados mais pobres, tem renda mensal de até R$ 5 mil. Situados em cidades de porte médio, no Sul e no Sudeste, 1.330 cartórios têm arrecadação superior a R$ 50 mil. E, localizados nos municípios mais longínquos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, 1.446 cartórios não arrecadam mais do que R$ 500 por mês.
O levantamento do CNJ detectou que, entre os cartórios de médio e grande porte, vários são dirigidos por desembargadores aposentados. “Há exageros, coisas erradas, distorções. Agora poderemos ter um diagnóstico do setor e traçar políticas”, diz Murilo Kieling, juiz auxiliar do CNJ e coordenador do levantamento.
Apesar de a Constituição prever que a concessão de cartórios deva ser feita por concurso público, muitos são dirigidos por pessoas que foram designadas para o cargo em decorrência da aposentadoria ou morte do titular. Nomeados em caráter temporário há mais de duas décadas, eles resistem à realização de concursos e pressionam o Congresso para que aprove emendas constitucionais que os efetivem no cargo ou permitam transferir os cartórios aos filhos.
Desde que o CNJ anunciou a decisão de promover o “realinhamento do setor”, a Associação Nacional dos Notários e Registradores do Brasil alega que o levantamento do órgão não leva em conta gastos com aluguel, impostos e demais custos operacionais. A entidade afirma que o levantamento apresenta a arrecadação bruta dos cartórios e não o seu rendimento líquido, “o que pode levar a uma equivocada compreensão das informações”. A lei recém-aprovada, que retira do Judiciário o controle sobre os cartórios extrajudiciais, transferindo concursos e nomeações de titulares de cartórios para a alçada do Poder Executivo estadual, é resultante das pressões dos notários sobre o Congresso e seu objetivo é tentar bloquear as iniciativas moralizadoras do CNJ.
“O Executivo é mais sensível a pretensões políticas e este é um setor de grande interesse econômico”, diz João Ricardo da Costa, vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil. “As práticas notariais se desenvolvem a partir dos conhecimentos acumulados nos litígios judiciais. Afastar a atividade da Justiça interrompe esse canal”, afirma Henrique Calandra, presidente da Associação Paulista dos Magistrados. Em ofício encaminhado ao presidente Lula, o CNJ pediu-lhe que não sancione a lei, pois ela é prejudicial ao interesse público e inviabiliza as medidas que o órgão pretende baixar para moralizar o setor.
De fato, para que isso aconteça, Lula deve vetar a lei em má hora aprovada pelo Congresso.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo