Na contramão de um Poder Judiciário lento, surge a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, para agilizar e resolver extrajudicialmente questões relacionadas ao direito de família e das sucessões. Separações, divórcios, inventários e partilhas de bens já podem ser realizados pela via administrativa, observadas as condições e requisitos legais. Todos estes atos deverão ser lavrados por escritura pública em um cartório de notas de livre escolha das partes. No Brasil existem cerca de 21 mil cartórios.
Como não poderia deixar de ocorrer, dúvidas e opiniões divergentes surgem no dia-a-dia. De consenso, apenas a constatação de que a nova legislação foi muito concisa e que o fato de ter entrado em vigor imediatamente está dificultando sua utilização. Mas se a lei é objetiva e entrou em vigor tão rápido, seu público-alvo é formado por casos pequenos e simples, que demandam uma solução rápida, desburocratizada e de baixo custo, ao contrário dos grandes e complexos divórcios e das partilhas fabulosas. Caberá ao advogado, quando receber o caso, indicar o procedimento mais eficaz ao cliente. Há motivos que o levarão a indicar a via judicial, como também razões para sugerir a via administrativa – lembrando que esta é sempre facultativa.
Alguns pontos, embora não expressos na nova legislação, tiveram sua aplicação disciplinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007: 1) o valor dos emolumentos não pode guardar nenhuma proporção com o valor dos bens envolvidos; 2) a gratuidade assegurada aos interessados que não possuem condições de arcar com as despesas; 3) a via administrativa poderá ser utilizada mesmo nos casos em que se iniciou o procedimento pela via judicial; 4) a meação do companheiro pode ser reconhecida na escritura de inventário e partilha, havendo a concordância dos herdeiros; 5) havendo um só herdeiro, maior e capaz, a via administrativa também se aplica para a adjudicação dos bens; 6) a existência de credores do espólio não impedirá a partilha por escritura pública; 7) a nova lei não se aplica a bens localizados no exterior; 8) não há sigilo nas escrituras públicas de separação e divórcio; 9) a escritura de separação e divórcio poderá ser retificada por outra.
Há, no entanto, uma crítica a um dos itens acima – o item 6 -, que, lamentavelmente, aumentará a instabilidade jurídica. Como mínimo, deveria se exigir, além da certidão negativa de tributos (obrigatória), as certidões pessoais que comprovem a inexistência de credores com dívidas ajuizadas. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que a “lei incentiva divórcio de gaveta”. No exemplo, um devedor pode fazer uma separação amigável no cartório, mas de fato continuar a união, defendendo o patrimônio de uma eventual execução da dívida. A afirmação é procedente. Pode ocorrer fraude sim, inclusive judicialmente. No entanto, ao longo de 20 anos de advocacia, ouvimos histórias de divórcios simulados exatamente com a mesma finalidade. Portanto, não é a lei que incentiva a fraude, mas o próprio ânimo da pessoa em causar prejuízos a terceiros.
É conveniente lembrar, em relação às separações e aos divórcios, que os requisitos de prazos foram mantidos, ou seja, um ano de casamento para a separação consensual e dois anos de separação de fato para o divórcio. Outra questão não menos sensível – e acreditando realmente na hipótese de a legislação aqui tratada ajudar muito os menos favorecidos – está em saber quantos destes menos ou nada abastados terão acesso à informação e à utilização da via administrativa? É fundamental que a nova legislação alcance também esta classe.
Por fim, sabe-se que muitos profissionais criticam a Lei nº 11.441 porque, ao simplificar os procedimentos com a possibilidade de utilização da via administrativa, estaria se esvaziando parcialmente a função dos advogados, que não apenas executam partilhas, mas antes ouvem e orientam o cliente sobre questões não somente jurídicas. Não creio que a nova lei enfraquecerá sua posição. O bom advogado é e continuará sendo um profissional singular.
Jacques Malka Y Negri é advogado e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam)
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Jornal Valor Econômico