Além reduzir atrito entre parentes, o instituto jurídico permite estabelecer a vontade daquele que transmite o bem. Mas é preciso respeitar algumas regras para evitar futura invalidação
A partilha de bens em vida pode evitar não só o fim da harmonia familiar como fazer com que a vontade da pessoa na transmissão dos seus bens seja respeitada. Embora a “partilha em vida” seja ainda pouco conhecida no país, essa figura jurídica é uma boa maneira de minimizar atritos entre herdeiros e permitir que as pessoas deixem seus bens para quem realmente desejam. Contudo, ela pode se tornar ineficaz se não forem tomados alguns cuidados legais.
A legislação brasileira traz algumas limitações quanto a porcentuais que podem ser destinados aos herdeiros. Seja em testamento, seja na realização da partilha em vida, a pessoa pode destinar metade de seu patrimônio da forma como quiser. A outra metade é distribuída de forma igualitária entre seus herdeiros. Caso isso não ocorra, os herdeiros podem ir à Justiça pedir que seja decretada a invalidade da partilha.
Efetuar a partilha em vida (veja quadro) não é algo complicado. Ela deve ser realizada por meio de escritura pública lavrada em cartório. Os bens também podem ser distribuídos com cláusula de usufruto. Assim, a pessoa que está dividindo sua herança de forma antecipada tem a garantia de desfrutar de seus bens até a sua morte.
Na avaliação do professor de Direito Civil Luiz Edson Fachin, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a “partilha em vida” é extremamente recomendável. “No direito das sucessões há dois blocos de questões que surgem – patrimoniais e familiares”, explica ele. “A partilha resolve as questões objetivas que são as patrimoniais, já outras, de ordem pessoal, não são possíveis de resolver.” Para Fachin, a partilha em vida é uma forma de resolver questões sucessórias por antecipação, de modo a evitar o litígio familiar.
Outra vantagem, aponta ele, é a que se refere à autonomia da vontade da pessoa que está transmitindo o patrimônio. “A pessoa poderá dizer qual sua vontade real em matéria sucessória. Assim não se discute após a morte dela qual era a vontade presumida.”
A professora de Direito Civil Ana Carla Harmatiuk, da UFPR, destaca outra vantagem: a transmissão de bens para pessoas às quais não há parentesco biológico. “Digamos que o marido de uma mulher crie o filho dela como se fosse pai. Pode ser desejo do marido contemplar o filho dela com uma parte de seus bens da mesma forma que seus filhos.” A partilha em vida dá maior autonomia de vontade ao dono do patrimônio, desde que respeitadas as condições da lei.
Ressalva
Embora a partilha em vida possa resolver de forma antecipada questões de natureza sucessória, a professora de Direito Fernanda Pinheiro, da Pontifícia Universidade Católica, alerta para a possibilidade de as doações realizadas em vida serem questionadas após a morte. “A doação de todos os bens não necessariamente vai impedir que seja aberto o inventário após a morte. Se algum dos herdeiros achar que foi preterido, poderá questioná-la na Justiça”. Daí, a necessidade de se respeitar os direitos de cada herdeiro na distribuição dos bens.
Em relação ao custo, paga-se o mesmo valor em impostos tanto na partilha em vida quanto no inventário. Porém o custo total da partilha em vida tende a ser menor, por ser realizada de forma mais rápida que no inventário, que pode demorar anos.
Como Fazer
De acordo com a legislação brasileira, é possível que a pessoa partilhe a totalidade de seus bens, ainda em vida. Nesse caso, a partilha do patrimônio se dá mediante escritura pública, que deve ser lavrada em Cartório de Registros Públicos.
1 – No momento da distribuição, deve-se tomar o cuidado para que não se prejudique a parte da herança reservada aos chamados herdeiros necessários, sob pena do ato vir a ser considerado nulo. Se houver filhos todos eles devem ser contemplados com o mesmo porcentual do quinhão hereditário. Essa parte da herança corresponde à metade dos bens.
2 – Ou seja, ao partilhar seus bens, a pessoa pode dispor como quiser de 50% de seu patrimônio. Os outros 50% necessariamente devem ser destinados aos herdeiros necessários. Essa porção, por sua vez, deve obrigatoriamente ser dividida em parcelas idênticas entre os herdeiros necessários. Caso inexistam filhos, a lei brasileira considera herdeiros necessários ascendentes e cônjuge, nessa ordem (lembrando que o cônjuge pode também ter direito a parte dos bens, conforme o regime de bens adotado no matrimônio). O cálculo para se estabelecer a metade dos bens se dá de acordo com o valor deles na época da partilha.
3 – Se não houver herdeiros necessários, a pessoa pode dispor da totalidade do patrimônio da forma que bem queira.
4 – Para se evitar que o autor da partilha se desfaça de todo seu patrimônio e, com isso, não tenha o necessário para a sua sobrevivência, pode-se incluir na doação dos bens cláusula de usufruto vitalício. O usufruto confere ao seu titular o direito de usar e fruir do bem, mesmo não sendo seu proprietário. Por exemplo, no caso de uma residência, o titular do usufruto, embora não seja o proprietário, pode residir no imóvel, alugá-lo etc. Pode, até mesmo, impedir que o “novo” proprietário tome posse do bem.
5 – Deste modo, o autor da partilha e titular do usufruto poderá permanecer na posse de seus bens, como se não os tivesse transferido. Somente com sua morte desaparece o usufruto, e o proprietário passa a exercer plenamente seus direitos sobre o bem.
6 – Com a partilha em vida, salvo se a pessoa adquirir mais algum bem, não haverá a abertura de inventário.
Fonte: Jornal Gazeta do Povo